Entrevista com Alexandre Le Voci Sayad
Por Flavia Perez.
Uma campanha lançada por profissionais e organizações de saúde de vários países direcionou às gigantes da web um apelo por ações de combate a informações falsas sobre a pandemia do novo coronavírus e à disseminação de desinformação sobre saúde na internet. O manifesto, publicado neste mês, chama atenção para o fato de que existe hoje além da pandemia da Covid-19 uma infodemia global com desinformações viralizando nas redes sociais e ameaçando vidas ao redor do mundo.
Para entender melhor o impacto da desinformação e das fake news para a sociedade, a equipe da revistapontocom entrevistou o jornalista e escritor Alexandre Le Voci Sayad, coordenador da área de Alfabetização para as Mídias pela Unesco, e autor de Idade Mídia, livro que nasceu de mais de 20 anos de experiência com educação midiática, entre outras publicações.
As gigantes da Web vêm se posicionando na direção do combate às fake news, mas o que falta nesse sentido?
Vivemos hoje um cotidiano de desinformação. Só que há uma diferença entre desinformação e fake news, notícias mentirosas propositadamente inseridas para prejudicar a imagem de um grupo, ou seja, uma mentira que é propagada para parecer que é verdade. O resto é notícia mal apurada, desinformação e ironia. É preciso dissociar as fake news do grande guarda-chuva da desinformação.
Para combater a desinformação, a educação não é suficiente. São necessárias ações coordenadas por vários agentes sociais. Um desses agentes é a mídia, isto é, os veículos de comunicação. As ações realizadas por eles para limitar a desinformação e as fake news devem ter como foco resguardar o receptor para a criação de um ambiente menos confuso e mais claro.
Além da mídia, as iniciativas de combate às notícias falsas devem envolver políticos para regulamentação de leis e diretrizes, escolas incorporando a educação midiática em suas grades curriculares, bibliotecas com acervo para pesquisa e as famílias estabelecendo o diálogo com crianças e jovens.
Apesar de serem um fenômeno relativamente recente, as fake news vêm causando impactos na construção do pensamento crítico. Como educar diante desse cenário?
O pensamento crítico tem uma raiz na Grécia Antiga, quando as pessoas faziam leitura crítica e respondiam a questões. Isso vem se traduzindo de diferentes maneiras. Se pensarmos no próprio conceito de pensamento crítico, podemos perceber que não é uma abstração, pode perfeitamente ser considerado compatível ao termo “cidadania”.
Não há como haver pensamento crítico se você está pensando em uma escola off-line, pois hoje convivemos no universo virtual tanto quanto no real. Não há pensamento crítico se não absorvermos a tecnologia e as redes.
A Unesco vem abordando há alguns anos junto às escolas a necessidade de promover a análise crítica dos meios, contemplando nos projetos pedagógicos a educação midiática. O objetivo é propiciar o desenvolvimento de habilidades e competências para que o indivíduo possa analisar e exercer a cidadania
Esse olhar crítico vem sendo discutido há pelo menos 100 anos. Com o surgimento do rádio, surge a comunicação de massa. Ninguém para de aprender. É um processo contínuo. Na Base Nacional Comum Curricular há uma oportunidade de educação sobre a mídia no Ensino Fundamental II, que contempla o campo do jornalismo midiático.
A Educação midiática não deve ser conteúdista e, sim, voltada ao desenvolvimento de habilidades.
Pode falar um pouco do livro Idade Mídia?
O livro, lançado em 2012, reúne uma trajetória de 20 anos de experiências e vivências práticas com a educação para os meios. O projeto nasceu de uma mistura de estudos em escolas públicas e particulares com experimentos de educação comunitária fazendo rádio e TV nas escolas.
A novidade é que será lançada este ano uma nova edição da obra, que está em fase de finalização.
Qual o papel das escolas para a formação dessa visão crítica em relação às fake news?
Hoje existem no Brasil cerca de 300 mil escolas, somando instituições públicas e particulares. A educação midiática já é presente em exemplos, projetos, mas não de forma sistêmica. Essa é uma questão que precisa ser pensada para que seja possível proporcionar a estudantes da rede pública e privada oportunidades para o desenvolvimento de análise crítica para os meios de comunicação.
Como as famílias podem tratar o assunto?
O diálogo é a base da construção do pensamento crítico em casa. Qual o gatilho motivador? Se a escola disponibiliza material, o assunto pode virar conversa na hora do jantar. É importante que as famílias recuperem o papel de formação do indivíduo e que estejam abertas para conversar com os filhos em todas as etapas do desenvolvimento.