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Folhetim polêmico

José Guilherme de Oliveira Freitas, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) analisa a homofobia na novela Insensato Coração, da Rede Globo.

“Devemos levar em conta o contexto em que se realizam as cenas deste núcleo da novela. Trata-se de um bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, localidade em que, aparentemente, o convívio com a diversidade flui com maior naturalidade”, destaca José Guilherme de Oliveira Freitas.

Quem gosta de telenovela sabe que a trama Insensato Coração, de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, está na reta final. É verdade que nunca se viu tanto personagem, ao longo da história, falando e praticando sexo. A classificação indicativa não recomendada para menores de 12 anos é, para alguns especialistas, bastante condescendente. Afinal, é modelo que se vale do corpo malhado para trabalhar e ganhar dinheiro, é a ricaça que adora flertar com qualquer homem, principalmente os malhados, é mulher que se finge de santa, trai o noivo e tem fetiche de transar em banheiro público com segurança de shopping, é homem casado que trai a mulher com prostitutas… E por aí vai.

Como esta narrativa é entendida por crianças e adolescentes? Com certeza, o que para os adultos não passa de mera distração, de mero entretenimento depois de um dia de trabalho estressante, não deve ser o mesmo para os maiores de 12 anos que ainda estão descobrindo sua sexualidade.

Polêmicas importantes de serem discutidas à parte, a novela vem trazendo outra problematização: a homofobia. Não è a toa que a trama é recordista em personagens homossexuais. Nesta semana, a polícia descobriu finalmente quem foi o assassino do personagem Gilvan, homossexual morto a pontapés e socos. A resolução do caso teve a contribuição do jornalista Kléber, homofóbico.

Afinal, a novela vem contribuindo para a discussão com seriedade e competência? A revistapontocom entrevistou o professor José Guilherme de Oliveira Freitas, integrante do Laboratório de Pesquisa, Estudos e Apoio à Participação e à Diversidade em Educação (LaPEADE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que vem estudando o tema.

Acompanhe as análises do professor:

revistapontocom – O senhor acha que a novela Insensato Coração está, de fato, ajudando a diminuir o preconceito contra os homossexuais?
José Guilherme de Oliveira Freitas – Dar visibilidade a um tema como a homofobia, na TV Globo, em horário nobre, já é um largo passo, quando pensamos que a homofobia é um problema grave que obriga seres humanos a viverem à margem da sociedade, tendo seus direitos de cidadãos violados, pelo medo, pela exclusão e pela violência física e psíquica. Levar a milhões de lares brasileiros – o sofrimento, a dor, a discriminação, o cotidiano de homossexuais (que não optaram, nem escolheram ser homossexuais) – por meio do poderoso veículo de comunicação que é a televisão, pode sim, contribuir para que a sociedade repense seus conceitos, na maioria das vezes, arraigados a crenças, à ignorância, aqui, no sentido de ignorar, não ter conhecimento deste tema. Poderá também contribuir para – ao entrar em determinada família – esclarecer e até harmonizar as relações de seu familiar homossexual com os demais integrantes do núcleo familiar.

revistapontocom – Neste sentido, o papel do personagem Kléber, jornalista homofóbico, é importante para discutir o preconceito?
José Guilherme de Oliveira Freitas – É fundamental despertar a reflexão de milhares de pessoas que assistem às novelas em relação ao preconceito direcionado aos homossexuais, tendo em vista o poder da telenovela como formadora de opiniões. Este fato sinaliza que, apesar de todo preconceito existente, há uma rede de apoio e solidariedade que entende que o melhor é viver em uma sociedade sem preconceito, que tenha como princípios básicos a democracia e a cidadania. No caso específico do personagem Kléber, um jornalista que ficou desempregado, e foi recriminado pela ex-mulher, filha e irmão por causa de sua conduta homofóbica, penso que a trama pode alertar as pessoas quanto às consequências que o preconceito pode trazer e, ao mesmo tempo, também pode (naqueles que têm em si a construção sólida da heteronormatividade, ou seja, que acreditam que a heterossexualidade é o único modo “correto” de se estruturar o desejo sexual, e a homossexualidade é o desvio, a anormalidade) aumentar a aversão contra os homossexuais, ao perceberem suas convicções sendo questionadas e desvalorizadas.  A pessoa que é homofóbica e vê uma cena dessas pode perceber o quanto sua intolerância pode atrapalhar sua vida pessoal e profissional a partir do que aconteceu com esse personagem? Com certeza, porém a tolerância não deveria surgir apenas de forma defensiva, para que não sofra sanções ou prejuízos, e sim como conscientização de que estava agindo de maneira arbitrária, a partir da premissa de que todos têm o direito de vivenciar sua orientação sexual. Por isso, essa conscientização deveria estar presente inicialmente na família, na escola e em todos os ambientes de convivência para que houvesse a minimização desse mal que é a homofobia.

revistapontocom – A novela também não deveria mostrar o lado do homofóbico, destacando a origem do seu preconceito e do quanto é difícil se desfazer de antigos valores?
José Guilherme de Oliveira Freitas – Poderíamos pensar que o preconceito contra os homossexuais tem sua origem em nossa sociedade que é heteronormativa, que considera como normais apenas seres humanos com orientação sexual heterossexual, marginalizando as orientações sexuais contra-hegemônicas. E que as regras que constituem a heteronormatividade visam à marginalização e geram os preconceitos contra os homossexuais. Sendo assim, a provável razão da homofobia estaria atrelada à heteronormatividade. Neste sentido, mostrar possibilidades de novos pensares em relação aos não heterossexuais, desmistificar o caráter de doença e anormalidade direcionado a estes, mostrar o dia a dia de gays e lésbicas como pessoas que trabalham, estudam, amam, sofrem e que pelo fato de terem seu desejo sexual voltado para pessoas de mesmo sexo não os tornam merecedores de serem discriminados, já seria algo valioso em direção a não homofobia. O ideal seria que ninguém tivesse preconceitos. Mas, levando-se em consideração a existência deste mal, e que ser preconceituoso pode se constituir um “direito”, isto não significa que o sujeito preconceituoso tenha legitimidade na expressão de seus preconceitos e muito menos de, ao expressá-los, limitar a cidadania de outrem.

revistapontocom – A novela vem deixando claro os direitos dos homossexuais frente aos casos de homofobia?
José Guilherme de Oliveira Freitas – Nos últimos anos, com destaque ao programa Brasil sem Homofobia, dentre outras ações dos movimentos sociais pró-LGBTT, a informação em relação aos direitos homossexuais tem sido disponibilizada às pessoas. Porém, o âmbito de repercussão ainda fica restrito apenas àqueles que buscam saber sobre, seja por motivos de estudo, seja por terem sido vítimas de homofobia. Atualmente, com as informações veiculadas nesta novela, este campo de informação se amplia enormemente, pois mesmo aqueles que não se interessam pelo assunto passam a ser informados e podem se tornar multiplicadores das informações recebidas. Entretanto, não podemos esquecer que em muitas cidades brasileiras, principalmente as do interior, a homofobia acontece sem que seja denunciada. Com exceção de alguns ataques provocados por grupos violentos, a novela está focando apenas em um personagem homofóbico, com todos os demais estando contra ele e defendendo a causa dos gays. Isso condiz com a realidade? A maioria do povo já aceita melhor os gays e fica contra os homofóbicos intolerantes? Devemos levar em conta o contexto em que se realizam as cenas deste núcleo da novela. Trata-se de um bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro, localidade em que, aparentemente, o convívio com a diversidade flui com maior naturalidade. Será que se este núcleo da novela se passasse em bairros do subúrbio do Rio de Janeiro ou na Baixada Fluminense, esse jornalista seria tão repreendido assim? As pesquisas que constatam a violência contra homossexuais nos mostram números alarmantes de agressões, sendo algumas fatais. Vale lembrar ainda que o bullying homofóbico é uma realidade nas ruas, nas escolas e no seio familiar, infelizmente.  Ou seja, respondendo à pergunta, o foco da novela (ainda) não condiz com a realidade.

revistapontocom – O que falta então?
José Guilherme de Oliveira Freitas – O Brasil vive um momento histórico em razão da decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor da união estável entre casais gays. Esta decisão confere direitos iguais reconhecidos nos tribunais do país, contando união civil, herança, pensão previdenciária, dentre outros benefícios. No entanto, alguns setores religiosos fundamentalistas se mantêm contrários a esta decisão e expressam suas opiniões de forma contundente. Por ser este um tema atual e polêmico acredito que poderia ser abordado, bem como as leis municipais e estaduais vigentes em nosso Estado, que garantem os direitos aos homossexuais, que são desconhecidas pela maioria da população. A discussão em torno das questões referentes à homossexualidade vem aumentando à medida que cresce o interesse da sociedade sobre esta temática. Está evidente que as telenovelas brasileiras em mais de 30 anos vêm se alterando e com isso assumindo para si outros compromissos para além do entretenimento. As primeiras novelas que abordaram o tema homossexualidade conferiam a seus personagens fins trágicos, o que parece estar mudando, já que nesta novela, Insensato Coração, o núcleo de personagens homossexuais tem se destacado em lutas por causas nobres, e alguns deles valorizam os relacionamentos homoafetivos. A conscientização, porém, faz parte de um processo que deve começar na Educação, pois os valores culturais estabelecidos continuam presentes nos pensamentos, nas palavras e nas práticas das pessoas que fazem parte de nossa sociedade, e somente a Educação pode desconstruir valores nocivos e (re)construir valores saudáveis e necessários para o estabelecimento da paz e da justiça.  Por isso, a importância da escola como um lugar de desenvolvimento humano no combate a todo tipo de exclusões, dentre elas a homofobia.

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Joel Batista de Souza
Joel Batista de Souza
12 anos atrás

Questão muito forte para aqueles que nasceram e cresceram dentro de uma política machista, voltados somente aos valores heterossexuais . A sociedade clama por mais valores, estes esquecidos por longas datas e que desponta com força total em nossos dias, desafiando tudo e todos que se opõem ao seu modo de vida .

Jocelino Junior
Jocelino Junior
12 anos atrás

Concordo o o Prof. abordado a temática apareceu bastante forte na trama, e a possibilidade da discussão de temas como estes velados pela sociedade traz um que de naturalidade importante para os grupos em questão.

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