“Eles até falam de um amor eterno, mas têm clareza de que isto é uma coisa muito difícil de acontecer. Eles têm uma visão muito mais pragmática da relação amorosa. Uma visão menos romântica, menos idealizada”, Jacqueline Cavalcanti Chaves
Por Marcus TavaresDoutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jacqueline Cavalcanti Chaves vem estudando os relacionamentos amorosos entre os jovens desde o início da década de 1990. Suas pesquisas mostram que os jovens são contextuais e pragmáticos quando o assunto é amor. “Eles até falam de um amor eterno, mas têm clareza de que isto é uma coisa muito difícil de acontecer. Eles têm uma visão muito mais pragmática da relação amorosa. Uma visão menos romântica, menos idealizada. Mais condizente com a vida cotidiana deles. Eles esperam viver um amor, mas de uma forma muito mais concreta, no sentido de que nós nos amamos enquanto existe um compartilhamento de interesses sexuais, afetivos, amorosos… O amor existe enquanto existir esta confluência de interesses e de satisfação. No momento em que esta satisfação acaba ou que ela não atende mais não existe razão para continuar. E aí eles são muito pragmáticos”, destaca.
Autora do livro Ficar com – um novo código entre jovens (Editora Revan) e pesquisadora do Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC) do Instituto de Psicologia da UFRJ, Jacqueline acredita que a mídia, em especial a televisão, vem exercendo forte influência no relacionamento amoroso entre os jovens, uma vez que enfatiza modelos calcados na sensualidade, na sexualidade, no corpo, na beleza estética, na fama e no sucesso.
Modelos efêmeros, superficiais e individualistas, nos quais o objetivo a ser alcançado é o prazer próprio e imediato. “Não diria que a mídia produz estes modelos. Mas diria, sim, que a TV, direta ou indiretamente, fertiliza um terreno para que sujeitos mais individualistas e hedonistas cresçam”, analisa.
Acompanhe a entrevista:
revistapontocom – Que modelos de relacionamentos amorosos a TV veicula?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – A televisão é uma referência identitária para a criança, para o jovem e para o adulto. Na verdade, para qualquer pessoa independente da classe social ou do lugar em que mora. Mas, sem dúvida, por serem sujeitos em construção, as crianças e os jovens sofrem maior impacto dos modelos veiculados pela TV. No que se refere aos relacionamentos amorosos, a leitura que faço é que a televisão, em especial as telenovelas, enfatiza modelos calcados na sensualidade, na sexualidade, no corpo, na beleza estética, na fama e no sucesso. Modelos efêmeros, superficiais e individualistas, nos quais o objetivo a ser alcançado é o prazer próprio e imediato. O outro, nesta relação amorosa, é visto apenas como instrumento, como um meio de acesso ao prazer. A pessoa usufrui este outro até o ponto em que ele lhe dá prazer e lhe interessa. Quando isto não acontece mais, ela dá adeus ou nem isso, simplesmente some. Em várias ocasiões, a TV diz que você tem que sair ganhando, tem que tirar vantagem, tem que ir atrás do seu sucesso e bem-estar a qualquer preço. As mensagens dizem que o que interessa é você, a sua satisfação, a sua realização. Quando faz isso, a televisão cria um terreno fértil para que nasçam e se fortaleçam pessoas preocupadas principalmente ou somente com a própria satisfação. Não diria que a mídia produz estas pessoas ou relações amorosas deste tipo. Mas diria, sim, que a TV, direta ou indiretamente, fertiliza um terreno para que sujeitos mais individualistas e hedonistas cresçam. Minha dissertação de mestrado, desenvolvida no início da década de 1990, já apontava nesta direção. De lá pra cá, o fato de uma pessoa fazer do outro um instrumento de prazer próprio se tornou mais fácil e comum de acontecer. Uma realidade do nosso dia a dia.
revistapontocom – E essa realidade é boa ou ruim?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – É difícil responder isso. É mais difícil ainda dizer que tipo de efeito isso terá sobre o sujeito. E mais: que sujeito será esse mais tarde, quando crescer? Na minha avaliação, é bom e é ruim ao mesmo tempo. Há aspectos positivos e negativos. É uma realidade na qual estamos inseridos, com a qual vivemos e que não temos como ignorar e deixar de lado. O que me parece importante é pensar nos possíveis efeitos que isto tem para as crianças e os jovens. Com certeza, é bom para aquele que some e que não tem que dar satisfação para o outro. Ele não tem que lidar com a dor, com as queixas e com o sofrimento do outro. É, portanto, um lugar muito confortável. Para quem é abandonado é bastante ruim. É muito difícil, sofrido, humilhante e desrespeitoso. Entendo que numa relação social, afetiva e amorosa entre duas pessoas é preciso haver cuidado e respeito. Cuidado e respeito com as necessidades e as diferenças das pessoas, com a integridade de cada uma delas. Respeito significa, por exemplo, dizer ‘Não dá mais’, ‘Não está bom’, ‘Acabou’. Dar, no mínimo, uma satisfação para o outro. Certamente os modelos que a mídia, e mais especificamente a TV, transmitem não favorecem essa prática.
revistapontocom – Essa realidade faz parte do relato dos jovens nos consultórios de psicanálise?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – Sim. Aparece tanto o jovem como vítima quanto o jovem como ator. Aquele que chega porque esta sofrendo por ocupar o lugar do outro que é desrespeitado em sua integridade. E aquele que está totalmente alienado do que está fazendo com o outro. Ao longo do processo analítico, este último acaba percebendo a forma como ele lida e trata o outro. Começa, aos poucos, percebendo a sua dificuldade de perceber o outro como um igual a ele. Ao se reconhecerem nestes papéis, muitos jovens se sentem aprisionados num círculo vicioso, no qual todos agem da mesma forma, muitas vezes em função de uma mídia que reforça o tempo todo estes estereótipos, estas relações e estes valores. “Todo mundo faz assim. Como vou agir diferente? O que eu encontro é isso” – dizem os jovens. A pessoa, portanto, tem dificuldade de encontrar uma forma de ser diferente diante de uma massa que age de uma maneira semelhante. Temos então jovens que não conseguem fazer diferente porque, se agem diferente, se sentem excluídos. Nas entrevistas que fiz para o mestrado e o doutorado, observei esse sentimento principalmente entre os meninos.
revistapontocom – A senhora acredita que este modelo veiculado pela mídia é consciente?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – Também é difícil dizer. Acredito que seja consciente apenas para algumas pessoas. Na verdade, muitas delas nem estão preocupadas com isso. Ou até tem uma certa preocupação, mas a ignoram. A televisão busca audiência. Há uma grande preocupação com o ibope. Se estiver alto, tudo certo, mesmo que o programa esteja abordando um terreno perigoso que requer um cuidado especial. Corre-se o risco, então, de se perder a noção do que é certo e do que é errado e das conseqüências do que aquilo pode ter. As coisas ficam mais centradas no imediato, no momento, no sucesso, no retorno financeiro. O efeito que isso terá sobre crianças e jovens fica em segundo plano. São questões que precisariam ser pensadas, mas que, na maioria das vezes, não fazem parte da cadeia de produção.
revistapontocom – Sua tese de doutorado, defendida em 2004, fala exatamente sobre os relacionamentos amorosos na pós-modernidade e nomeia os jovens dos tempos atuais como contextuais e pragmáticos. Como foi feito este trabalho e quais foram as conclusões?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – Meu objeto de estudo era analisar de que forma determinadas características do nosso tempo estariam estruturando os relacionamentos amorosos entre os jovens. Que efeitos elas produziriam. Trabalhei com diferentes campos do conhecimento, buscando autores da Psicologia Social, da História, da Sociologia, da Filosofia e da Antropologia. Entrevistei 12 jovens cariocas, de classes médias, que tinham entre 18 e 25 anos de idade. A pesquisa mostrou que os jovens são contextuais e pragmáticos quando o assunto é amor. Eles até falam de um amor eterno, mas têm clareza de que isto é uma coisa muito difícil de acontecer. Eles têm uma visão muito mais pragmática da relação amorosa. Uma visão menos romântica, menos idealizada. Mais condizente com a vida cotidiana deles, levando em conta seus interesses e momentos de vida. Eles querem uma relação que tenha respeito, envolvimento amoroso, companheirismo, sinceridade e amizade. Eles esperam que haja romantismo, mas um romantismo não num sentido idealizado de que aquela pessoa é ideal, perfeita. Eles esperam viver um amor, mas de uma forma muito mais concreta, no sentido de que nós nos amamos enquanto existe um compartilhamento de valores, de objetivos de vida, de interesses sexuais, afetivos, amorosos… O amor, para eles, existe enquanto existir esta confluência de interesses e de satisfação. No momento em que esta satisfação acaba ou que ela não atende mais não existe razão para continuar. E aí eles são pragmáticos. Na metade do século passado, existia uma seqüência na vida amorosa, que nem sempre acontecia, mas era respeitada como norma. O usual era flertar, namorar, noivar e casar. Este encadeamento não existe mais. Hoje, o indivíduo tem uma maior autonomia para lidar com sua vida da forma como lhe convém.
revistapontocom – Podemos dizer que tudo isto leva, hoje, a um encurtamento da infância?
Jacqueline Cavalcanti Chaves – A infância é um conceito construído sócio-historicamente e desta forma pode ser, do mesmo modo, desconstruído. Acredito que isto esteja acontecendo. Pense nos aspectos estéticos, por exemplo, quando uma criança se preocupa com as roupas e com a maquiagem que usa. Cada vez mais características do mundo social dos adultos estão presentes no universo das crianças e dos jovens. As músicas que tocam nas festas infantis fazem mais parte do universo juvenil e adulto do que do das crianças. Vejo que há, sim, um encurtamento da infância ou uma desconstrução da noção de infância tal como definida na modernidade. Se pensarmos nas crianças que começam a trabalhar desde cedo, reforçamos ainda mais esta idéia. O mesmo se dá quando falamos e pensamos nos relacionamentos amorosos que acontecem cada vez mais cedo.
Reproduzido do site Rio Mídia, com autorização e atualização da entrevistada
Interessante.
Adorei.
Gostei.
Excelente matéria. E ao mesmo tempo, muito curta.
Um tema como esse pede e merece uma abordagem mais extensa.
Adoro a revista. Como sempre um tema interessantíssimo. Mas o volume merecia mais peso.
abs!