Qual é o público da TV pública?

  

 

Por Délcio Teobaldo
Escritor, jornalista e radialista

No primeiro dia de trabalho como presidenta da República, provavelmente, Dilma Rousseff deve encontrar sobre sua mesa uma pasta onde se destaca uma forma ovóide azul anil, vazada pelas iniciais EBC, da Empresa Brasil de Comunicação. Não deve ignorá-la; nem se orgulhar dela. A reação dúbia, contraditória, tem uma explicação simples: a EBC pode ser a via de mão dupla através da qual o governo Dilma manterá a comunicação com os eleitores dos cinco complexos geográficos que a sagraram nas urnas; no entanto, convém ao bom senso que se contenha a euforia, ao verificar que esse diálogo necessário e possível pode continuar se arrastando sem efetivação pela segunda década do século 21 ou “pelos séculos dos séculos, amém”, se a TV Pública não disser ao público a que veio.

Não é tarefa fácil, considerando que a EBC foi criada numa conjunção de eventos contraditórios, numa quase encruzilhada, em junho de 2006, ou seja, cinco meses antes da eleição que daria ao governo Lula o segundo mandato presidencial e dezembro de 2007. No primeiro evento, Lula instituiu o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre, o polêmico padrão japonês SBTVD-T, e onze meses depois da posse pôs no ar a TV Pública, cuja estreia coincidiu com chegada da TV digital ao mercado. Estratégia perfeita se não fosse irônico o Estado viabilizar as utopias de sonhadores como Edgard Roquette-Pinto e Gilson Amado, que acreditavam na radiodifusão como promotora do consumo e formadora de cidadãos, sem questionar se o Brasil estava pronto, no vinco ou no assumido desalinho, para a se expor através do padrão digital ou High Resolution Definition Televison (HDTV).

Abrir oportunidades, ouvir outras vozes e propiciar modelos

Uma coisa é assistir à nossa diversidade, às nossas contradições, às nossas desigualdades, ouvir reivindicações, especular corrupções captadas e divulgadas no padrão atual de 480 linhas. Outra é ver a mesma realidade em 1.080 linhas. Estaria o país democraticamente preparado para se expor tão clean, claro e explícito? O país está pronto para isto? É impossível mascarar a tecnologia HDTV; impossível ludibriar uma câmera capaz de captar o som do bater das asas de um querubim e de acompanhar a trajetória de uma bala, do estampido ao alvo.

O HDTV é exigente. Não se deixa enganar por bolinhas de papel, fitas crepes, alfinetes, nem pelo crayon que marcava rugas de expressão. Já notaram que os velhos atores, cultores das honoráveis rugas naturais, estão voltando à cena? A TV Pública está pronta pra isto? Em termos técnicos, sim, pois em 2008 e 2009 foram realizados investimentos elevados em equipamentos e tecnologia e este ano a EBC dispôs, ou melhor, dispõe, de um orçamento básico de R$ 453 milhões para sua consolidação.

Saber que a tecnologia audiovisual amplia nosso alcance visual e aumenta nosso poder de voz não basta; é preciso consciência de que necessita de ideias e de ideais para operá-la. Neste quesito, a EBC investiu pouco. Basta comparar os discursos de Beth Carmona, diretora-presidente que participou da gestação do projeto da TV Pública, e de Tereza Cruvinel, atual gestora do projeto: “Hoje não basta diferenciar a TV pública utilizando a premissa da programação de qualidade. Hoje não basta diferenciar a TV pública só por seu conteúdo nacional, pois outros já se apoderaram dessas marcas. Hoje, a rede pública que faz sentido se dará pela possibilidade de diversificar as opiniões, de abrir os conteúdos, de tratar de todos os temas e abordar todas as localidades. Essa será sua marca e sua qualidade. Hoje, no Brasil, é preciso abrir as oportunidades, ouvir outras vozes e ver e propiciar outros modelos e formatos”, afirma Carmona.

Um público ávido para adquirir voz própriaNa opinião de Cruvinel, a TV Pública deve apostar “naquilo que a TV comercial não mostra e que venha ao encontro de anseios da cidadania. Revelando Brasis que a TV comercial, por sua própria lógica, não revela. Renovando-se, renovando a linguagem e recorrendo a este grande filão de qualidade e criatividade que é a produção audiovisual independente no Brasil, em todas as regiões.” Ora, quando as ideias batem é porque falta o debate.

Falta um modelo? Ora, a experiência da genial PRE-8 (a Rádio Nacional, uma das emissoras da EBC) está aí para ensinar como a radiodifusão entretém, enquanto estimula o uso do sabonete, da escova dental e do detergente. Faltam diretrizes? No segundo parágrafo deste artigo citei Roquette-Pinto e Gilson Amado. Mirem-se no exemplo deles. Falta um público mais exigente? Acredito que este público esteja vivo e ávido para adquirir voz própria. Basta que as duas perguntas anteriores sejam respondidas.

Fonte – Observatório da Imprensa

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