Vamos conversar? Leia entrevista com a engenheira florestal Laís Sonkin

Com Flavia Perez.

Um novo relatório publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) destaca a importância dos ecossistemas para proteger espécies do planeta. Produzido pela Food and Agriculture Organization of the United Nations (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agracultura), o documento The State oh the World`s Forests 2020 (O Estado das Florestas do Mundo em 2020) apresenta uma visão urgente e necessária sobre a relação entre florestas, biodiversidade e pessoas.

Para a engenheira florestal Laís Sonkin, a biodiversidade no Brasil pode ser considerada como o maior ativo nacional, porém é preciso cuidar desse patrimônio. “Será que nosso país tem adotado políticas públicas eficazes para a preservação das florestas e da biodiversidade? A realidade tornou-se mais perceptível quando grandes grupos de investidores passaram a alegar, nos últimos anos, que não compensa investir no Brasil, caso o país não consiga cuidar desse ativo”, explica.

Para entender melhor o relatório, com o olhar direcionado às florestas brasileiras, a Revistapontocom entrevistou a engenheira florestal Laís Sonkin, que há mais de 20 anos atua como consultora ambiental e florestal.

O que mais chamou a sua atenção neste relatório e qual sua análise sobre a pesquisa no que tange às florestas brasileiras?
O relatório consiste em um estudo acerca dos impactos da nossa vida na Terra destacando o estado dos ecossistemas. Desde os anos 70, o Brasil vem adotando políticas equivocadas, seja recebendo dinheiro de curto prazo ou permitindo que pessoas vivam em extrema pobreza.

É preciso que os governantes conheçam melhor a contribuição da floresta para o uso do valor que pode ser obtido com a biodiversidade, visto que é o que temos de mais valioso, embora ainda não conheçamos nem a metade de todo esse potencial. Em nossas florestas existem medicamentos, o guaraná, o cupuaçu, a castanha-do-pará, que possibilita a produção de cremes para bebês a produtos de beleza, entre outros tantos exemplos de riquezas naturais que existem nas florestas brasileiras.

Segundo o estudo, desde os anos 1990 estima-se que 420 milhões de hectares foram perdidos para o desmatamento, sem gerar nenhum centavo para o bem-estar social. Os dados apontam que o ser humano está desertificando o solo contribuindo, dessa forma, para o aquecimento do planeta. Ao invés de desmatar as florestas, é possível mantê-las e extrair delas recursos dos produtos que podem ser gerados pela biodiversidade e com o turismo ambiental. O valor em qualidade de vida e saúde que existe para um indivíduo em pescar um peixe ou andar pela floresta é imensurável.

O que é preciso para reverter esse cenário de degradação?
Precisamos de ações que permitam reverter a perda da floresta para beneficiar as próximas gerações. O Brasil ainda conserva 12% da sua área de floresta preservada. Não é só de árvores que é feita uma floresta. Uma espécie tem valor imensurável também para todos os animas e espécies que ela abriga, além da fertilização natural do solo. É hora de questionarmos o que vamos deixar para as gerações futuras.

A nossa biodiversidade não pode virar tábua, pois assim não restará nada para as próximas gerações. O meio ambiente é formado pela água e pela diversidade. O consumo da biodiversidade para recreação e turismo também tem pleno potencial de crescimento para trazer muitos recursos para o país, embora seja ainda pouco aproveitado.

A plantação e a colheita acelerada causam a desertificação. Quando se desmata o solo é preciso fertilizar para cultivar. A biodiversidade é o conjunto das árvores e de tudo que cada uma delas tem dentro. Antes só era considerado o valor da madeira, o pau deitado. Hoje já existe conhecimento científico suficiente para entendermos que o maior valor está nas folhas, nas raízes e no solo.

Por que grandes empresas vêm ao Brasil para plantar?
Porque em países da Europa, por exemplo, as leis protegem a fertilidade do solo. Por isso não se pode desertificar. É preciso devolver o solo em condições de plantio, o que torna o custo da produção muito maior. Por isso, grandes empresas vêm para o Brasil plantar porque as leis aqui são menos rígidas.  

Os lucros obtidos com a produção e exportação da soja, por exemplo, são de curto prazo. A maior parte do investimento nacional hoje é de curto prazo. As ações realizadas no Parque Ecológico Chico Mendes, por exemplo, é que representam investimentos de longo prazo. É preciso haver consciência para esse cenário. A degradação no Brasil é baseada no lucro de curto prazo.

A floresta é que produz a água. Por isso no passado, a Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, foi reflorestada pois com a devastação da floresta, que foi ocupada por fazendas, pastos e lavouras de café, a água passou a ficar escassa.

Não é preciso mais desmatar terras no Brasil. Podemos utilizar as áreas já desmatadas e impactadas para produzir tudo que o país precisa. Precisamos nos questionar: o que o Brasil ganha com a conversão da floresta em soja? Não há mitigação tampouco compensação. Estamos indo na contramão.

Existe relação entre o desmatamento das florestas e a pandemia do novo coronavírus, causador da Covid-19?
Sim. Essa relação se estabelece na medida em que a pandemia se espalhou devido ao consumo de animais silvestres, segundo os estudos realizados até o momento. A forma como frangos e vacas são criados e abatidos é, em muitos casos, absurda.

Observa-se que em todo o mundo o desmatamento foi justificado para trazer bem-estar, mas não foi isso que aconteceu, pois sem a floresta as pessoas ficam sem água, sem a possibilidade de coleta que é transformada em fonte de renda por muitas populações, além do aumento excessivo do calor. Não é possível afirmar que foi o desflorestamento que causou a pandemia do novo corovavírus, causador da Covid-19, mas sim o animal silvestre.

Quando começou a se formar a ideia de consciência ambiental?
A consciência ambiental começou a se formar após a segunda guerra mundial, quando houve um forte desenvolvimento ocorrido de forma acelerada, mesmo com a fome atingindo grande parte da população. Todas as grandes empresas surgiram depois da segunda guerra, com uma promessa de que não haveria mais fome aos habitantes.

Depois disso, surgiu a produção de alimentos em larga escala, crescimento acompanhado pelo uso de agrotóxicos para que fosse possível manter esse nível de produtividade com o menor índice de perdas possível.

Rachel Carlson, bióloga marinha e pesquisadora, lançou seu histórico livro “Primavera Silenciosa”, em setembro de 1962, chamando a atenção na época para o fato de que os pesticidas estavam matando os passarinhos. Antes disso, qualquer indústria química de inseticidas e outros derivados sintéticos podia lançar no meio ambiente o que bem entendessem, sem testes cientificamente projetados.

Outro marco importante para uma maior conscientização sobre o meio ambiente foi a Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, quando os países começaram a manifestar preocupação com a devastação do planeta.

Laís Sonkin é engenheira florestal, formada pela UFRRJ em 1981. Atuou no tempo em que se fazia o Projeto Rondon no Campus Avançado em Macapá; trabalhou como extensionista, na Amazônia, em projeto de identificação de madeiras; no inventário florestal nacional do IBDF; e conheceu a artista botânica inglesa Margaret Mee, em Oriximina.

Depois, já com filhas, trabalhou como técnica ambiental em projetos de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, diagnóstico ambiental, laudos de vistoria e perícia judicial. Acredita na força do voluntariado e, por isso, sempre dedicou parte do tempo a causas em prol do meio ambiente, participando de ações e movimentos, como o Fórum Brasileiro de Meio Ambiente e Movimentos Sociais (FBOMS), com o qual está engajada há 30 anos.

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