Por Marcus Tavares
Fotos de Márcio Mercante
“É correto construir casas perto do rio? Não. E por quê? Porque isso destrói a mata ciliar. E vocês sabem o que é mata ciliar? Vamos lá…”. As perguntas, respostas e provocações são do estudante Miguel Alves, de 9 anos. Aluno do 4º ano da Escola Municipal José Martí, localizada no bairro Engenho da Rainha, Zona Norte do Rio, Miguel esteve presente no evento Ação Territorial, promovido pela 3ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE) da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, nesta quarta-feira, dia 5. Além de impressionar o público com o seu conhecimento e engajamento, ele conquistou todos pela simpatia.
O evento, realizado na Escola Municipal Dom João VI, em Higienópolis, Zona Norte, reuniu treze escolas da 3ª CRE que vêm participando desde o início do ano do projeto Esse Rio é Meu, em torno do Rio Faria-Timbó, que passa pelos bairros nos quais as unidades escolares estão localizadas. “É uma culminância, na qual as escolas apresentam um pouco do trabalho desenvolvido desde o início do ano. E uma oportunidade de professores e estudantes dialogarem, trocarem experiências e práticas”, conta a professora Daniele Mattos, diretora da Escola Dom João VI.
O projeto Esse Rio é Meu é desenvolvido em conjunto pela Secretaria Municipal de Educação e pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Prefeitura do Rio, em parceria com a oscip Planetapontocom e a concessionária Águas do Rio – patrocinadora do programa. O objetivo do programa é engajar escolas na recuperação e preservação dos rios. Cada grupo de escolas da rede pública de ensino do Rio ficou responsável por desenvolver ações em torno de um dos rios da cidade.
O coral formado por estudantes do 6º ano da Escola Municipal Dom João VI abriu o encontro, dando o tom do dia, apresentando um pot-pourri de músicas voltadas para a importância do meio ambiente e do protagonismo juvenil. Em seguida, cada escola, representada por diretores, professores e estudantes, contou um pouco do trabalho realizado.
O professor de História, Andre Coutinho, da Escola Municipal Ceará, localizada em Inhaúma, Zona Norte, contou que a temática do meio ambiente já é trabalhada há muito tempo na instituição, mas que a discussão frutificou neste ano, com entrevistas com familiares dos alunos e análise de documentos sobre o Rio Faria-Timbó. Gustavo Soares e João Pedro, ambos do 9º ano, mostraram alguns dos trabalhos desenvolvidos com relação à ocupação dos moradores do bairro no entorno do rio. O professor informou que a partir dos estudos e reflexões, a escola deve partir agora para uma ação mais efetiva na defesa do rio. Segundo ele, parece que o Faria-Timbó está prestes a se tornar um coletor tronco, uma espécie de tubulação que tem a finalidade de recolher os esgotos dos dutos coletivos. “Se na década de 1980, 1990, vimos a degradação do Rio, agora parece que o seu destino será outro. É o que queremos?”, questionou.
Não, diriam os estudantes da Escola Municipal Olavo Josino de Salles, localizada no mesmo bairro. Representando a unidade, a professora Luciane Rodrigues levou dois estudantes do 4º ano e seus respectivos responsáveis. Durante o ano, a escola desenvolveu uma série de atividades, envolvendo a produção de cartazes, entrevistas com as famílias e moradores da região a respeito da história do rio e um jornalzinho com notícias e resultados dos trabalhos. No encontro, a equipe encantou o público ao mostrar um aquário, construído pelos estudantes com material reciclado, cheio de impurezas e lixo, que, magicamente, se transformava em um aquário limpo, saudável e cheio de vida. “Por meio do aquário, mostramos o sonho deles e o de todos nós. Nossa escola está totalmente envolvida nesta causa. E, inclusive, criamos o Olavinho, o mascote da escola, como forma de estabelecer um maior diálogo e interação com todos os estudantes, professores e suas famílias”, explicou Luciane.
Diálogo que vem sendo traçado, principalmente, por meio da arte, no mesmo bairro, na Escola Municipal Nereu Sampaio. Ao lado de professores e diretores, o estudante Cauã Ximenes, 15 anos, do 9º ano, mostrou algumas de suas produções artísticas, com pintura e colagem. Uma delas trazia o título “A mão que constrói é a mesma que destrói”, se referindo a ação do ser humano no desmatamento. “Moro bem perto do Rio Faria-Timbó. E já vi bastante o processo de degradação. Precisamos mudar isso e rápido”, endossou.
Que o diga os novos integrantes do grêmio da Escola Municipal Marechal Estevão Leitão de Carvalho, localizado no bairro Engenho da Rainha, também na Zona Norte: Gabriela Gaia e João Arruda. Representando a escola, que se debruçou durante o ano na conscientização da importância de recuperar e preservar o rio da região, os estudantes mostraram alguns vídeos produzidos no TikTok e declamaram textos, conclamando a defesa dos rios, deixando clara a força do protagonismo estudantil.
Protagonismo estudantil de todas as idades. Na Escola Municipal Rubens Berardo, localizada em Inhaúma, Zona Norte, o projeto Esse Rio é Meu foi desenvolvido por todas as turmas do Ensino Fundamental (primeiro segmento, 1º ao 6º ano) e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Os alunos, segundo a direção, num processo de construção coletiva, conheceram a história do rio, o que possibilitou o resgate da identidade e do pertencimento.
E neste sentido, por que não trabalhar identidade e pertencimento por meio da música? Ou melhor: do samba? Foi exatamente o que a professora de Língua Portuguesa, Fernanda Lessa, propôs aos estudantes da Escola Municipal Ministro Orozimbo Nonato, localizada em Higienópolis, Zona Norte. “Muitos estudantes desconheciam a existência do rio, achavam que era um valão. O samba foi surgindo de forma natural”, contou. De forma natural e dentro de casa, o marido de Fernanda, Marcelo Bezerra, acabou se tornando amigo da escola e compondo a letra do samba, resgatando a memória da família dele sobre o rio. Com o refrão “Na nascente, a aquarela. O aroma no barco em pó. Higiene é só lembrança. Sou o Rio Faria-Timbó”, a letra instiga estudantes, moradores, enfim cidadãos, a lutarem pelo resgate e preservação do rio.
O lema “Sou Faria-Timbó” também é seguido pela direção e coordenação da Escola Municipal Professor Afonso Várzea, localizada em Inhaúma, Zona Norte. A coordenadora pedagógica Lilian Magalhães explicou que as crianças da unidade foram convidadas a participar de uma série de atividades, da produção de maquetes a pequenas reportagens. A professora Eliane Barros, de Língua Portuguesa, também desenvolveu outros trabalhos com o 4º ano. Um deles podia ser conferido pelo público. Era o livro Causa e Consequência. Nele, diante de relatos de três rios, com cenários distintos – um límpido e vivo, outro degradado e um terceiro que era ponto turístico -, as crianças tinham que descrever, por meio de uma produção textual e visual, as possíveis causas e consequências de cada um dos cenários. A ideia chamou a atenção de outros professores, pela provocação e reflexão.
Na apresentação dos trabalhos da Escola Municipal José Aparecido do Padro Sarti, em Inhaúma, Zona Norte, a produção de textos, poesias e vídeos também fez parte do dia a dia das crianças, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental. “Foi muito bom fazer parte desse projeto. A gente, infelizmente, não tem o rio que a gente quer. Eu sempre tive o sonho de mudar a realidade. E agora estou vendo que este sonho pode se tornar realidade”, contou o estudante Luiz Fernando, do 4º ano.
Ainda participaram das apresentações, professores e estudantes do Ciep Coronel Sarmento, que fica em Inhaúma (clique aqui e saiba mais), da Escola Municipal Alcide de Gasperi, em Higienópolis (clique aqui e saiba mais) e da Escola Municipal Antonio Pereira, em Tomás Coelho (clique aqui e saiba mais).
Representante da Coordenadoria de Ensino Fundamental da Subsecretaria de Ensino da Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio, Renata Suraide elogiou as iniciativas que as escolas apresentaram. “Realmente não tinha dimensão do que iria acontecer quando lançamos o projeto. E hoje estou encantada. Trata-se de um projeto que vai além da produção de cartazes, vídeos e maquetes. Ele se prolifera. Não há, portanto, um término. O projeto não termina hoje ou amanhã. Ele é para sempre. E, em 2023, o que posso dizer é que ele vai alcançar 50% da rede municipal, abrangendo cerca de 700 escolas”, comemorou.
“O que vimos hoje foi uma produção mais criativa do que outra”, reforçou Silvana Gontijo, presidente do planetapontocom. “Apresentações interessantes que emocionaram e deram a certeza de que o projeto está de fato sendo apropriado pelas escolas”.
O encontro também contou com a participação do projeto Guardiões do Rio, da Fundação Rio Águas e da concessionária Águas do Rio. Marcela Gonçalves, analista de responsabilidade social da Águas do Rio, elogiou o trabalho das escolas: “Em pouco tempo, temos percebido o grande alcance do projeto Esse Rio é Meu. E os resultados são muito bons. Parabéns para todas as escolas”.
Adriana Fernandes, gerente da Gerência de Educação da 3ª CRE, que, junto com sua equipe, planejou e organizou o encontro, estava muito satisfeita. “Quanto aprendizado tivemos hoje aqui. Gratidão é a palavra. E essa é a nossa escola pública. Muito orgulho. E tenho certeza de que esse projeto vai render ainda muitos, muitos frutos para o planeta”.
O encontro terminou com a apresentação de outro samba. Samba, desta vez, composto e apresentado pela turma de Educação Infantil da Escola Municipal Dom João VI, sob os cuidados da professora Maria Inês Valpaços. “Queremos nadar neste rio. Queremos beber água também. Vamos cuidar deste rio. Rio Faria-Timbó, bó, bó, bó. Rio Faria-Timbó, bó, bó, bó!”. Um sucesso.
E você lembra do Miguel, o estudante da Escola Municipal José Martí, apresentado aqui no início desta matéria? Ficou todo contente com a performance dele e com a maquete que ele e os colegas construíram: “Tudo foi feito com caixinha de remédio e tivemos a preocupação de montar o nosso bairro dando espaço para o rio, para o nosso rio”, resumiu.