Por Ana Miranda
Romancista e atriz
Publicado originalmente no Jornal O Povo, em 5 de novembro de 2022
Domingo fui votar na Prainha de Aquiraz; passei uma pequena ponte pelo rio Cocó, depois, fora da cidade, pela largura do Pacoti. Que vista maravilhosa das águas azuis cercadas de verde! Perto de meu destino fiz as curvas do rio Catu, que foi meu vizinho por anos. Eu acompanhava as cheias e as secas do maceió; via tratores empurrando areia, abrindo passagem para as águas no tempo das chuvas, quando uma multidão de nativos ia com um cesto para catar, com as mãos, peixes e crustáceos nas águas rasas. Via os surfistas do vento, as pequenas jangadas, as crianças a se divertir…
Eu amava aquela presença benfazeja que vislumbrava das janelas. Para mim, para os nativos, para as crianças era um anjo, uma felicidade feita de águas doces e transparentes, um ser vivo. Os indígenas chamam os rios de mães, avós…
Conheci um extraordinário trabalho feito com crianças, para que aprendam a amar seus rios. Chama-se “Esse rio é meu”. Na sala de aula, elas são chamadas a adotar o rio que fica mais perto da escola. Estudam a história daquele rio, como ele era séculos antes, seus nomes antigos, quais tribos indígenas viviam ali, que peixes; que animais iam beber suas águas; como o rio foi se transformando, o que aconteceu com as margens, as águas, se foram poluídas. E imaginam soluções para os problemas daquele amigo. Visitam, olham, desenham, escrevem sobre o rio, fazem músicas, poesias, fotos, sonham, nem sei bem.
Mas sei que, enquanto aprendem a amar o rio, as crianças estão estudando geografia, história, ciências, matemática, língua portuguesa; “todos os conteúdos curriculares estarão associados ao processo de recuperação e de renaturalização de um rio”, como disse Silvana Gontijo, professora e escritora que cuida desse trabalho com um monte de pessoas entusiasmadas, da ONG Planetapontocom; e milhares de professoras e professores engajados. A água desata alguns nós do ensino e da aprendizagem. As crianças aprendem sobre ecologia, meio ambiente, solidariedade, generosidade, cidadania, futuro do planeta…
Começaram o “Esse rio é meu” a partir do mais simbólico dos rios fluminenses: o Carioca. Crianças de escolas foram levadas a visitar o que era a maior fonte de água para a população, e hoje é espremido em valas de cimento, carregando sujeiras da cidade. Metade das escolas da rede de ensino público já começou as atividades. A outra metade começará no ano que vem. Professores estão sendo orientados a atuar em mais de cem escolas que ficam perto das bacias de rios cariocas, todos com histórias tristes. Como a história de nosso Pajeú. Escrevi cenas de um romance, ainda não terminado, que se passam no começo de nossa Fortaleza, uma cidade pequenina, limpa, fresca, agradável, que acompanhava as curvas do Pajeú. Um rio cristalino onde crianças se banhavam, mulheres lavavam roupas, cajueiros ornavam as margens de areias branquinhas. Hoje, também um rio triste.
Eleições terminadas, festas, lágrimas… Agora é hora de reunir forças para trabalhar, buscar as melhores ideias para a restauração de nossa pátria ferida. “Esse rio é meu” é um desses caminhos.