O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, na última quarta-feira, uma mensagem apresentando ao Congresso um Projeto de Lei que visa abolir a prática de castigos corporais contra meninos e meninas. O ato marcará os 20 anos de vigência da lei 8.069, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A proposta foi encaminhada ao governo federal por organizações e pessoas físicas representadas pela Rede Não Bata, Eduque, com o objetivo de suprir lacunas existentes no ECA e criar mecanismos que garantam a integridade física e psicológica de menores.
De acordo com a proposta, a definição de “castigo” passa a ser incluída no artigo 18 do Estatuto como “ação de natureza disciplinar ou punitiva com o uso da força física que resulte em dor ou lesão à criança ou adolescente”. Aqueles que infringirem a lei podem receber penalidades como advertência, encaminhamento a programas de proteção à família e orientação psicológica.
“Ninguém quer proibir a mãe de ser mãe, queremos apenas dizer: é possível fazer as coisas de forma diferenciada”, afirmou o presidente Lula no ato da assinatura da mensagem.
Bater para educar?
Os castigos físicos e humilhantes contra crianças e adolescentes são uma prática ainda presente na cultura da maioria dos países do mundo, sendo plenamente aceitos como recurso pedagógico. Em 2006, um estudo realizado pelo especialista Paulo Sérgio Pinheiro, por solicitação do ex-Secretário-Geral da ONU Koffi Anam, mostrou que as próprias crianças consideram a violência uma questão crucial em suas vidas. O trabalho do pesquisador brasileiro, que gerou um relatório com recomendações a todos os países signatários da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente, ouviu os depoimentos de crianças em todos os continentes. Entre as recomendações está a orientação para que todos os países incorporem em suas legislações nacionais leis que assegurem a proteção de meninos e meninas contra todo e qualquer tipo de violência, mesmo a conhecida como “moderada” e com propósito “educativo”.
Mais recentemente, em abril de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da OEA (Organização dos Estados Americanos) confirmou a obrigação de que todos os estados membros proíbam os castigos físicos e humilhantes contra crianças, considerando-os incompatíveis com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. Na prática, entretanto, a violência continua presente no cotidiano de crianças e adolescentes de todo o mundo. Apenas 25 países aprovaram leis sobre castigos físicos. Entre eles: Venezuela, Uruguai, Costa Rica, Espanha, Portugal e a pioneira Suécia, onde os castigos corporais e humilhantes contra crianças são proibidos desde 1979.
Rede Não Bata, Eduque
No Brasil, em 2005, foi criada a Rede Não Bata, Eduque, um movimento social formado por instituições e pessoas físicas para mobilizar a sociedade pela erradicação dos castigos físicos e humilhantes no país. Hoje com 300 membros, a Rede trabalha para o fim da prática da violência contra crianças adolescentes seja nos meios familiar, escolar ou comunitário, disseminando um modelo de educação sem uso de violência.
Para Márcia Oliveira, coordenadora da campanha permanente da Rede Não Bata, Eduque, a apresentação do projeto – um dia depois do aniversário de 20 anos do ECA – é um marco dno avanço dnos direitos humanos de crianças e adolescentes, que passam a ser vistos como sujeitos plenos de igual direito a todos os demais integrantes da sociedade. “A iniciativa vai fazer uma interrupção no aprendizado precoce das crianças de que a violência é uma forma legítima de resolver conflitos. A lei está também a serviço da convivência familiar e comunitária mais harmônica”, diz.
Angélica Goulart, da secretaria executiva da Rede, esclarece que a preocupação de que aconteça uma normatização nas relações familiares – que são privadas – não procede. “A criança e o adolescente têm o direito à mesma proteção que os adultos à sua integridade física e psicológica, e esse direito não pode cessar quando se fecha a porta de casa”, lembra. “Trata-se de um grande desafio para todos nós o de buscar formas alternativas para educar, para colocar limites em nossos meninos e meninas sem o uso de violência”, salienta Carlos Zuma, do Instituto Noos e Rede Não Bata, Eduque. E o que se pede agora é que a sociedade entenda que esse momento é uma grande oportunidade de transformação nas práticas naturalizadas e automatizadas de educar.
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Rede Não Bata, Eduque
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