E no dia seguinte? O que dizer?

Por Marcus Tavares
Editor da revistapontocom

Vocês se lembram das crianças Gabrielli Eichholz, 1 ano e meio; João Hélio, 6 anos; e Alana Ezequiel, 12 anos? Talvez, não. Mas elas, infelizmente, foram vítimas da violência urbana, assim como o menino Wesley Gilbert Rodrigues de Oliveira, que morreu, recentemente, vítima de uma bala perdida. Wesley estava na sala de aula do Ciep Rubens Gomes, em Barros Filho, na Zona Norte do Rio, quando a Polícia Militar fazia uma operação contra o tráfico de drogas em duas favelas próximas à escola.

Gabrielli, João Hélio, Alana, Wesley…. A cada novo triste episódio, a mídia aborda o assunto, ouvindo as famílias e as autoridades envolvidas. Na TV, na internet, nas rádios e nos jornais, o tema, corriqueiro e chocante, ganha manchetes e análises. Discursos, palavras de ordem, manifestações e um sentimento de intolerância. Mas, aos poucos o assunto vai perdendo espaço. Cai no esquecimento, exceto no cotidiano da família.

Infelizmente, esta é a realidade…

Mas o que será que acontece na escola? Sim, nas escolas onde essas crianças estudam. O que acontece no dia seguinte de uma tragédia? Como explicar para os alunos que seus amigos, que ontem brincavam juntos na sala de aula ou na hora do recreio, foram vítimas de uma bala perdida, de um assassinato cruel e covarde ou de uma violência sexual? Como os professores, que na maior parte das vezes ficam mais tempo com as crianças do que os pais , enfrentam e trabalham os questionamentos, os receios e medos de meninos e meninas?

Talvez, o ato de explicar não seja o mais difícil da história. Afinal, infelizmente, as crianças – queiramos ou não – sabem que a violência faz parte de suas realidades. Está estampada nos noticiários, às vezes, em casa, e, quem diria, nas escolas. Mas deve ser muito duro encarar, abordar e conviver com esse tipo de problema num ambiente historicamente criado pela própria sociedade para constituir conhecimentos e valores – hoje cada vez mais necessários.

Passadas algumas semanas, me pergunto: como deve ser o dia a dia do Ciep Rubens Gomes? Como deve ser o cotidiano da sala de aula onde o Wesley estudava? O que mudou? Como continuar trabalhando como se nada tivesse acontecido?

Já entrevistei alguns professores que vivenciaram estas situações. Eles dizem que, diante destes fatos, sentimentos como solidariedade e compaixão afloram na sala de aula, assim como, de outro lado, preocupação e medo de viver. Sentimentos negativos que acabam tendo que ser trabalhados pelas escolas. Afinal, como constituir conhecimentos e valores numa cidade ameaçadora, onde nem a escola está livre da violência?

É muito triste. Mas enquanto essas sensações – tanto positivas quanto negativas – ainda existirem entre as crianças, menos mal. Pior será o dia em que elas – assim como muitos adultos – considerarem esses episódios normais, banais e mais grave: sem soluções e esperança. Se esse dia chegar, o que fazer? Que valores deverão ser então ensinados?

Em que mundo viveremos?

Para lembrar:

Gabrielli Eichholz – Bebê de um ano e meio, em Santa Catarina, foi levada para um culto de igreja e desapareceu depois de ter sido deixada em uma sala para brincar com outras crianças. Seu corpo foi encontrado no tanque batismal do templo. Um laudo do Instituto Médico-Legal apontou que ela foi violentada e estrangulada.

Alana Ezequiel – Menina de 12 anos foi atingida por uma bala perdida, durante uma operação da polícia no Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio.

João Hélio – Ao serem rendidas por assaltantes, mãe e filha deixam carro, em Oswaldo Cruz, Zona Norte do Rio. A mãe tenta tirar seu filho do banco de trás, preso ao cinto de segurança. Não consegue. Um dos assaltantes bate a porta e arranca com o veículo. Menino, de seis anos, fica preso pelo lado de fora do carro e é arrastado por sete quilômetros.

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