Por Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
Advogado criminal
“Toda vez que um justo grita, um carrasco o vem calar. Quem não presta fica vivo, quem é bom, mandam matar.” Cecília Meireles
Sempre sustentei que a defesa no processo penal, por imperativo constitucional, tem muito mais liberdade do que a acusação. O amplo direito de defesa tem que ser entendido como uma garantia, dentro, obviamente, dos limites éticos, do uso de todos os meios ao alcance do advogado para tentar a liberdade e a absolvição. Não é necessário provar nada – até porque, o ônus da prova cabe à acusação -, mas é empregar todos os argumentos válidos. A defesa pode usar da emoção, se entender que é importante, de argumentos de autoridade e da retórica para reforçar uma tese. Tem que ser leal e não mentir nunca, mas sabendo que o acusado, no Brasil, tem o direito de não se auto incriminar, inclusive com seu silêncio.
A acusação, por seu lado, deveria saber os limites éticos que têm que balizar para representar a força do Estado contra o cidadão. Também, em respeito à Constituição, cabe ao acusador ter os cuidados devidos e envidar todos os esforços para manter a paridade de armas, o devido processo legal e o contraditório. A acusação não pode agir sob emoção, não tem direito à retórica, não pode ter interesse pessoal na causa e não pode querer se promover usando a mídia como fator de pressão ou buscando prestígio pessoal. Deveria ter a acusação, se séria e ética, inclusive, a obrigação de levar aos autos todas as provas que forem do interesse da defesa. Somente assim o cidadão pode se defender ante o poderio do Estado-juiz.
A Operação Lava Jato estuprou a Constituição.
Não bastassem os conluios que foram afirmados e desnudados pelo Supremo Tribunal, a cada dia, novas revelações aterrorizam a comunidade jurídica. Ao longo do tempo, deparamo-nos com situações teratológicas. Um procurador teve a ousadia de colocar em um parecer junto ao Tribunal Regional federal que as prisões eram sim feitas para obrigar o investigado a delatar. Covardes. Canalhas. É o mesmo que admitir e exaltar o uso da tortura para obtenção de “prova”. E o mesmo procurador ainda se jactou: “E o passarinho pra cantar precisa estar preso”. Faltou recorrer à música popular que diz para furar os olhos do assum preto para ele cantar melhor.
Em um caso no qual atuo, os procuradores foram flagrados combinando de pedir a prisão e uma busca e apreensão da filha de um investigado para forçar que o pai voltasse ao Brasil e se entregasse. Isso, porque a defesa havia ganhado a extradição em Portugal e o cidadão luso-brasileiro optou por não vir enfrentar a autoritária e cruel República de Curitiba. Frise-se que a menina, uma cineasta, nada tinha com a investigação. Desumanidade e autoritarismo puros.
Agora, um outro procurador confessou que, durante os interrogatórios nas delações: “às vezes as pessoas acenam uma prova que atinge a psique do procurador. Todo procurador quer um bom resultado em um grande caso. Então ao pegar um Sérgio Machado gravando Sarney, Renan e Jucá aquilo chacoalha na frente do procurador, que fica hipnotizado”.
Observem a força da vaidade e a falta absoluta de uma postura responsável que se espera do representante do Estado. O mais cruel é que, posteriormente, comprovou-se que a delação do tal Sérgio Machado era falsa a ponto de a própria Polícia Federal pedir que não fossem aplicados os benefícios ao delator. Mas foi sob o efeito de um torpor hipnótico que se ousou pedir a prisão de um ex-presidente da República com quase 90 anos. E, claro, com a visão do apelo midiático que teria uma medida desta magnitude. Como diria, parafraseando o Coronel Jarbas Passarinho, ao assinar o AI-5 em 13 de dezembro de 1968: “às favas todos os escrúpulos de consciência”.
É a mais evidente prova da instrumentalização do Judiciário em nome de um projeto de poder. Um evidente abuso de poder mesclado com prevaricação e possível fraude processual. Por isso, tenho defendido que a Lava Jato só acabará quando os responsáveis pelos excessos forem punidos civil e criminalmente. Caso contrário, eles continuarão aí, como mortos-vivos, esperando uma nova chance de voltarem à cena.
Reporto-me, mais uma vez, ao velho Rui Barbosa:
“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto.”