Sobre algumas questões que rondam a relação entre mídia e escola
Por Marcos Ozorio
Professor nas redes estadual, municipal e particular do Rio de Janeiro
• Autoria – mesmo radical de autorizar. A escola e o professor experimentaram um longo e articulado processo de desautorização. Professores sem autoria, escolas desautorizadas. Nesta medida, a autoria também foi subtraída dos alunos. Contudo, os possíveis usos das diferentes mídias têm favorecido a expressão, a autoria (blogs, postagens de imagens, produção de vídeos, fotografias digitais etc.). Urge que a escola se aproprie efetivamente dessa possibilidade em favor de professores e alunos autores; em favor de uma escola autorizada.
• Identidade – Tenho hoje, mais do que nunca, a convicção firme de que devemos nos debruçar sobre uma questão que considero central para a compreensão do fracasso escolar e sua possível reversão: os problemas identitários que nos divorciam de nossos alunos – afastando a produção escolar da produção do conhecimento. Neste sentido, o potencial agregador que as redes sociais de relacionamento vêm demonstrando, pode ser utilizado em prol do encontro das diferentes identidades que frequentam a escola, em função da horizontalidade radical da internet que promove encontros entre os diferentes de uma sociedade altamente verticalizada. Nas redes sociais digitais, ficamos mais parecidos, menos desiguais, usamos o mesmo template, temos espaços iguais para nossa expressão. Não há redes para ricos e redes para pobres, ambos frequentam as mesmas e, portanto, suas diferentes identidades acabam se frequentando também.
• Permanência – Existe uma inquietação que me persegue desde uma palestra de Emília Ferreiro que tive o prazer de assistir na Casa da Leitura no Rio de Janeiro, quando a psicolinguista argentina contou que, nos últimos tempos, vinha se debruçando sobre a questão das novas formas de apresentação da palavra escrita, mais especificamente quando a escrita abreviada começou a dominar as missivas digitais e se anunciava a morte da ancestral. Inquietação: os meios digitais podem efetivamente prescindir da palavra escrita? Ou ela permanece viva, mutante, reposicionada, mas ainda assim escrita.
• Contemplação – [Do latim contemplare.] 1. Olhar, observar atentamente, considerar com admiração. 2. Ver ou admirar com o pensamento Anagrama: proclamar (do francês). Considero esta última questão como o desafio mais complexo entre os quatro que apresentei aqui: compatibilizar o aspecto vertiginoso do uso dos meios digitais com a necessidade sensível de vagar um pouco mais pelo tempo, sem pressa, “observando mais atentamente”, “considerando com admiração”, “admirando com o pensamento” e criando anagramas como exercício poético.
Achei muito pertinentes suas inquietações, gostaria de acrescentar o seguintes pontos para reflexão:
1. Autoria: implica saber, ser capaz de, expressar os proprios pensamentos, opiniões, etc, utilizando meios de expressão especificos, comuns ao autor e ao(s) destinatario(s) de sua mensagem.
Assim definida, a autoria supõe o dominio do meio de expressão, por exemplo, a lingua portuguesa, e do veiculo de comunicação utilizado, oral (telefone, radio…) ou escrito (da lousa de ardosia à lousa digital). A autoria costuma ser associada aos direitos do autor (copy right) e é um conceito tipicamente moderno: as grandes obras da antiguidade e da idade média tinham autores coletivos e raros são os artistas cujos nomes chegaram até nos.
Do ponto de vista da midia-educação, a autoria exige e implica a leitura e apropriação critica dos meios de expressão e dos veiculos de comunicação; se a escola não se apropria das “novas” midias e não consegue integra-las ao ensino oferecido, não é apenas porque não ha autoria, acho que é principalmente porque não ha leitura critica nem do livro didatico, nem do jornal, nem da TV nem da internet. A escola ignora a cultura midiatica (que é a cultura da maioria dos professores e alunos!) e a fortiori não sabe usar (medo?) seus veiculos.
2. Permanência: de modo geral na historia da humanidade os novos meios de expressão e veiculos de comunicação somam-se aos existentes e não os substituem; dai a riqueza da cultura humana. A ultima prova desta tendência é justamente a permanência da palavra escrita como meio de expressão: no auge da era televisual, antes da difusão da internet, dizia-se que a expressão escrita iria acabar em razão do grande poder expressivo da imagem. O sucesso ds redes sociais hoje nos mostra o contrario: os jovens preferem escrever a falar por telefone, e se referem a suas interações via redes como atos de “fala”. Mas a imagem tem uma enorme importância expressiva e na construção das identidades: seria interessante estudar as relações entre selfies e cultura do narcisismo…
3. Identidades: é verdade que nas redes ficamos mais parecidos, principalmente porque nos adequamos a um “formato” (technique oblige), e porque trata-se de interações a distância, midiatizadas, onde podemos tudo, porque o “outro” não tem poder de intervir ( não ser virtualmente), o que é radicalmente diferente de uma interação ao vivo. Mas parecido não é igual: as redes não apagam as desigualdades sociais, ao contrario, mas arriscam apagar a diversidade cultural, o que seria uma pena, não é?
Isto so para começar a discussão; cordialmente Malu