Leitura no século XXI

Na era do compartilhar, leitura continua sendo uma prática individual

Texto de João Pedro Pereira
Do jornal Público-PT, de Portugal

Quer se trate de livros ou de jornais em formato digital, a leitura em suportes eletrônicos continua a ser uma prática individualizada, tal como acontece com a leitura em papel. Esta é uma das conclusões de um inquérito feito em 16 países, para um estudo sobre os livros e a leitura encomendado pela Fundação Calouste Gulbenkian e cujas conclusões foram apresentadas no dia 28 de outubro na sede da fundação, em Lisboa.

Mesmo numa altura em que o Facebook e demais redes sociais fazem parte do quotidiano de milhões de utilizadores da Internet, incluindo em Portugal, os aspectos mais valorizados pelos leitores de produtos digitais estão relacionados com a possibilidade de obter informação adicional e não de comentar ou partilhar informação.

A característica mais destacada na leitura digital, referida por 48% dos inquiridos, foi a possibilidade de, através de um motor de busca, saber de imediato mais sobre o autor ou o tema do texto. Seguem-se 44% de inquiridos que referiram como positivo o acesso a outros textos e os links associados.

O inquérito, coordenado pelo investigador do ISCTE Gustavo Cardoso, foi feitoonline, no primeiro semestre deste ano, a utilizadores de Internet de países de todos os continentes: Inglaterra, Brasil, Espanha, Alemanha, França, Índia, Canadá, China, África do Sul, Rússia, EUA, Itália, Turquia, México, Austrália e Portugal.

Na lista de aspectos valorizados na leitura digital, e ainda antes das funcionalidades sociais, 43% dos inquiridos salientaram a possibilidade de gravar instantaneamente o texto lido. Só depois surgem a possibilidade de associar um comentário, destacada por 32% dos inquiridos, a partilha em tempo real (30%) e a possibilidade de saber quem já leu aquele mesmo texto (23%).

A existência de funcionalidades que permitem partilhar e comentar um texto é comum nos sites noticiosos e vários oferecem ferramentas para fazer a partilha directamente nas redes sociais mais populares, como o Facebook e o Twitter. Também os leitores de livros electrónicos (como o Kindle) e as aplicações de leitura de livros para tablets e smartphones integram funcionalidades sociais, como, por exemplo, a possibilidade de fazer e partilhar anotações ou de publicar online que já se terminou um livro (isto, sabendo que na definição de livro electrónico cabem ainda os que são lidos no computador, mesmo em formatos como o comum pdf).

O estudo indica ainda que a maioria já leu livros electrónicos: 58% dos inquiridos disseram já o ter feito. Mas a tendência é muito maior na China (88%) e no conjunto de países normalmente chamado BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China, com uma média de 79%) do que nos EUA (53%) e nos seis países europeus onde o inquérito foi feito (43%).

Tal como é habitualmente notado neste género de estudos, os mais novos e aqueles com maior nível de escolaridade são os que tendem a ler mais em formato digital. O inquérito apurou ainda que quem é um leitor assíduo nos suportes digitais é, tipicamente, um leitor frequente de formatos impressos. Já o inverso não é verdade: quem lê muito em papel não é necessariamente um grande leitor digital.

Portugal “possui ainda um segmento de grandes leitores em formato digital incipiente”, notam as conclusões do estudo que foram disponibilizadas antes da apresentação. Dez por cento dos inquiridos disseram ter lido mais de oito livros electrónicos no ano anterior, um valor que é de 30% na média dos 16 países analisados.

O documento ressalva ainda que, “ao contrário de um receio várias vezes expresso na opinião pública, os dados indicam que a leitura de livros em formato digital não substituiu a leitura de livros em formato papel”.

No estudo, Gustavo Cardoso classifica a leitura digital como “um conceito vago e multidimensional”. Segundo o investigador, sob esta designação estamos a agrupar existências extraordinariamente díspares: estamos a falar de livros e jornais, mas também de pequenos textos escritos e partilhados nas redes sociais, de mensagens no Twitter, que têm, no máximo, 140 caracteres, deemails e outros conteúdos textuais que são constantemente publicados numa Internet onde os utilizadores são simultaneamente consumidores e produtores.

Outra conclusão do estudo é que estamos, em muitos casos, perante “novos leitores” de livros e jornais, uma ideia que Gustavo Cardoso explica no seu estudo: “Novos, porque alguns que liam em papel passaram a ler agora também em digital e novos também, porque alguns não leriam em papel e passaram a fazê-lo.”

Segundo o investigador, são as “novas formas de leitura” que criam esses “novos leitores”, os quais, embora não necessariamente lendo livros ou jornais, chegam aos conteúdos destes através de outros formatos de leitura: blogues,tweetsemailsposts do Facebook.

Muitos dos inquiridos (44%) afirmam que, de futuro, vão ler mais em formato digital.

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