“O fato é que pode-se entrar e sair das igrejas sem grandes constrangimentos. O livre arbítrio sempre rege estes quadros de aproximação e afastamentos”, Christina Vital.
Por Ana Leticia Ribeiro e Isabela Calil
Jovens e religião. Este foi o foco da entrevista que os estudantes do curso de jornalismo da Universidade Federal Fluminense (UFF) produziram para a disciplina Redação de Hipertexto. Eles criaram o site Urbanos. As estudantes Ana Leticia Ribeiro e Isabela Calil conversaram com Christina Vital, professora adjunta de Antropologia Cultural da UFF e colaboradora do Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Christina destaca que, em pesquisa nacional, realizada em 2005, pelo Instituto de Cidadania, a participação de jovens em grupos religiosos é expressiva. Segundo a professora, dos 15% do total de entrevistados que declararam participar de algum grupo ou associação, nada menos que 17% disseram que pertencem a grupos religiosos e outros 19% que gostariam de participar.
Na entrevista, Christina cita alguns fatores que levam os jovens a seguirem uma crença, bem como a difusão da religião pela mídia e a questão do sincretismo.
Acompanhe:
Urbanos – Com base nas condições socioculturais que se apresentam na realidade brasileira, o que pode levar um jovem a seguir uma religião e até uma vida monástica nos dias de hoje, se privando das descobertas típicas desse universo?
Christina Vital – As pesquisas nacionais e regionais sobre juventude apontam para a multiplicidade de fatores que despertariam o interesse dos jovens pelo universo religioso. Entre eles, destaca-se o aspecto social. Ao contrário do que os olhares seculares podem alcançar quanto à integração de jovens em grupos religiosos, estes não os privam do lazer e da vida afetiva. Pelo contrário. A dimensão lúdica e de encontro com o outro, e a manutenção de vínculos afetivos e do acesso à cultura e ao lazer são fortes incentivos à participação dos jovens. Vale lembrar que há cidades nas quais os poucos espaços de sociabilidade relacionam-se à presença histórica da Igreja Católica local na promoção de eventos etc. Também se relacionam a referência de alguns lugares com o esoterismo, os grupos espirituais. Em pesquisa nacional realizada em 2005 pelo Instituto de Cidadania na qual foram entrevistados quase 4 mil jovens em 198 municípios de todos os estados da Federação, um dado chama atenção: a participação de jovens em grupos religiosos. Dos 15% do total de entrevistados que declararam participar de algum grupo ou associação, nada menos que 17% participam de grupos religiosos e outros 19% gostariam de participar. Em segundo lugar, ficaram os clubes e associações esportivas com apenas 3% de jovens que deles participavam e de 11% que gostariam de participar. A região que mais apresenta participação em grupos de jovens é a norte/Centro Oeste. Dezessete por cento dos jovens do sexo masculino participam e 13% de jovens do sexo feminino. A maior faixa de participação está entre 15 a 17 anos: 21%.
Urbanos – Ultimamente, é comum ver grandes personalidades do futebol e da TV aderindo a religiões e grupos, que acabam conquistando mais adeptos. Como você vê essa influência da mídia e o crescimento dessas religiões e crenças como “modinha”?
Christina Vital – Há algumas coisas misturadas nesta questão. A primeira delas é propagação de ‘atletas de Cristo’, sobretudo, no futebol. Eles formam um grupo internacionalmente organizado, um grupo social, religioso e de ajuda mútua. Estão avançando em todos os segmentos esportivos e se utilizam da mídia e dos esportistas mais midiáticos para estimular novas adesões. Neste sentido a mídia é um veículo usado tanto por evangélicos na atualidade, como também o foi historicamente pela Igreja Católica, para a divulgação de seus valores e para a sensibilização de espectadores na tentativa de transformar estes em convertidos às suas igrejas/denominações.
Urbanos – Como se explica, à luz da Antropologia Social, o preconceito/intolerância religiosa em grandes proporções especificamente com os evangélicos e religiões de influências afro-brasileiras? Apesar de ser considerado um país que aceite a diversidade, o Brasil talvez não seja um dos mais discriminadores por causa dessa diferença de crenças?
Christina Vital – A intolerância religiosa não é um fenômeno recente no Brasil nem, muito menos, uma exclusividade nacional. Ela é fruto da convergência entre diferença de valores culturais das várias religiões com a luta por poder, o que corresponderia a uma luta no campo religioso pelo predomínio em termos de prestígio, de dominação política, econômica e cultural – utilizo [o conceito de] campo segundo a tese de Pierre Bourdieu. O crescimento dos evangélicos num país historicamente católico como o nosso causou fervor e mudou o cenário religioso, como também o político/social. Com um inimigo comum a ser combatido, católicos e adeptos das religiões de matriz afro passaram a somar forças pela derrocada/combate ao pentecostalismo crescente. A intolerância veemente de algumas lideranças evangélicas vem sendo questionada, mas a fundamentação bíblica para os pensamentos que motivam a observação hierárquica da diferença é forte e difícil de ser transposta. A negociação está em curso na política local e nacional.
Urbanos – Numa entrevista, um jovem messiânico citou o livre-arbítrio individual como um preceito de sua igreja. Na sua opinião, há, de fato, livre-arbítrio para a escolha de opinião, modos de vestir e agir dentro do contexto religioso? Por quê?
Christina Vital – A escolha por uma religião já expressa em si o livre arbítrio, e esta é uma questão muito debatida na bibliografia especializada. Por exemplo, a professora Regina Novaes [da UFRJ], em pesquisa realizada em 2002 e em 2005, fala da juventude que tem, muitas vezes, critérios de escolha não exclusivistas, combinando, assim, religiões distintas fazendo uso do livre-arbítrio. Isto pode ocorrer porque, diferentemente de anos atrás, a religião não se dá necessariamente por transferência geracional. Pelo contrário, é um dado de afirmação de identidade e, por isto, é individual e uma escolha.
Urbanos – Pensamos na hipótese do livre-arbítrio como uma regra postulada pelas igrejas para se adaptar à sociedade neoliberal, a essa juventude submetida a determinadas condições sócio históricas, como o advento da internet, profusão de informações, reorganização dos espaços público e privado, pluralismo. Isto procede?
Christina Vital – Não vejo desta forma. O livre-arbítrio conforma um pensamento comum a muitas religiões e se combina sim com a modernidade (no caso ocidental), mas não como um planejamento estratégico, absolutamente racional de atração de jovens perpetrado por lideranças religiosas. Não se discutia livre-arbítrio na Idade Média porque a transmissão geracional na Europa cristã era evidente e, em alguns casos, até mesmo necessária. A ideia de liberdade tem a ver com a valorização do diferente, o outro, o que é uma ideia absolutamente nova em termos históricos.
Urbanos – Estatísticas recentes mostram, por exemplo, que a Bola de Neve Church cresce cada vez mais. Como se explica o crescimento desse segmento e de outras religiões evangélicas nos últimos anos?
Christina Vital – Os evangélicos pentecostais avançam no Brasil porque se organizam em diversos grupos que atuam com segmentos diferentes na sociedade (surfistas, empresários, donas de casa, travestis, traficantes, etc.), distribuem-se em territórios nos quais muitos serviços públicos e mesmo outras religiões não chegam, enfim, os evangélicos se espraiam no centro e nas margens da sociedade produzindo um discurso adaptado ao seu público alvo e que mobiliza razão e emoção em doses cativantes para muitos. Mas vale lembrar que, diferente do que se imaginava anteriormente, essas aproximações das igrejas evangélicas, seja por jovens ou não jovens, não são definitivas, necessariamente, e nem por isto deixam de ser ‘verdadeiras’. O fato é que pode-se entrar e sair das igrejas sem grandes constrangimentos. O livre arbítrio sempre rege estes quadros de aproximação e afastamentos.
Urbanos – Gostaríamos que você comentasse um pouco sobre o sincretismo. Parece que as religiões no Brasil tendem a misturar “ritos”, como algumas linhas da umbanda e, inclusive, os fiéis, às vezes, acabam frequentando mais de um templo.
Christina Vital – A utilização ritual de símbolos e signos de outras religiões ocorre hoje não só entre religiões de tradição afro, mas também entre evangélicos pentecostais. O objetivo maior, segundo lideranças religiosas entrevistadas, não é atrair fiéis, mas reproduzir simbolicamente o que já prescreve a Bíblia.
Achei por acaso nossa (minha e de Isabela) entrevista publicada aqui neste site, pelo blog de Marcos Alexandre Gomes. Obrigada pela publicação!! Para conferir mais matérias produzidas pela turma acessem http://www.urbanos.net.br Valeu, beijos!!
Muito boa materia,gostei muito mesmo.