Embora o país caminhe para a universalização do acesso à Internet, com 84% de seus habitantes de 10 anos ou mais usuários da rede, somente 22% dos brasileiros a partir dessa idade têm condições satisfatórias de conectividade. Para a maioria (57%), a realidade é menos positiva. A constatação faz parte do estudo inédito “Conectividade Significativa: propostas para medição e o retrato da população no Brasil“, lançado pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), braço executivo do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Conduzido pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br/NIC.br), o levantamento oferece uma avaliação detalhada das lacunas existentes no acesso, no uso e na apropriação da Internet no contexto nacional.
“A complexidade do cenário atual, marcado por rápidos avanços tecnológicos, tem exigido um alargamento da compreensão sobre inclusão digital. Considerar o nível de conectividade de um país pela quantidade de usuários de Internet entre seus habitantes não é mais suficiente. Os debates mais recentes no Brasil e no exterior sobre a questão enfatizam a necessidade de pensar na conectividade de maneira abrangente. Para entendermos melhor nossa realidade, decidimos dar um passo além e, numa iniciativa inédita, investigamos a qualidade da conectividade dos brasileiros por meio de diferentes recortes”, destaca Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br|NIC.br.
Os resultados por faixas de conectividade revelam que o maior grupo observado é o com scores de até 2 pontos, e que corresponde a um terço (33%) da população. Se essa proporção for somada com a do grupo que ocupa a faixa de 3 a 4 pontos (24%), é possível afirmar que 57% dos brasileiros estão em situação de baixa conectividade significativa. Somente 22% alcançaram a maior faixa (de 7 a 9) e 20% ficaram na de 5 a 6 pontos.
Considerando exclusivamente como usuários aqueles que se conectaram à Internet ao menos uma única vez nos 3 meses anteriores à sondagem), as porcentagens são: 23% (0 a 2 pontos), 27% (3 a 4 pontos), 23% (5 a 6 pontos) e 26% (7 a 9 pontos). Já os não usuários obtiveram os seguintes resultados: 86% (0 a 2 pontos), 11% (3 a 4 pontos) e 3% (3 a 4 pontos).
“Mesmo não usuários diretos de Internet podem apresentar algum grau de conectividade, caso convivam ou residam em local com conexão, por exemplo, o que aumentaria as chances de esse indivíduo ter algum aproveitamento da rede, ainda que de maneira indireta, por meio da ajuda de parentes ou conhecidos”, explica Graziela Castello, coordenadora de estudos setoriais no Cetic.br e responsável pelo levantamento.
Apesar do cenário desafiador, houve uma melhora gradativa ao longo da série histórica da TIC Domicílios, que vem sendo realizada pelo Cetic.br de forma ininterrupta há 19 anos. A análise retrospectiva dos níveis de conectividade significativa identificou uma redução na disparidade entre os grupos que ocupam os extremos da escala. Em 2017, 48% da população tinham score entre 0 e 2 e apenas 10% estavam na faixa de 7 a 9 pontos – uma distância de 38 pontos percentuais. Em 2019, a diferença entre eles recuou para 29 p.p.; em 2021, para 22 p.p.; e, em 2023, para 11 p.p.
“Esse quadro sugere uma tendência positiva, mas ainda que tenha sido detectada uma melhora progressiva, é preciso celeridade para reduzir as disparidades de conectividade no Brasil, que são reflexo direto das desigualdades que marcam a estrutura social do país”, alerta a coordenadora.
Norte e o Nordeste têm as piores condições de conectividade significativa, com apenas 11% e 10% da população, respectivamente, na faixa entre 7 e 9 pontos, e 44% e 48% (na mesma ordem), ocupando o outro extremo da escala (até 2 pontos) – a média nacional é de 33%. Em contrapartida, Sul (27%) e Sudeste (31%) registraram os melhores índices, sendo as únicas regiões no país em que a quantidade de habitantes na maior faixa é superior do que aquela na pior faixa.
A área e o porte do município de residência também demonstram forte associação com o nível de conectividade significativa. Quanto maior a cidade, melhor o desempenho. Naquelas com até 50 mil habitantes, 44% da população encontra-se na pior faixa da escala. Nas com mais de 500 mil habitantes, por sua vez, a proporção negativa cai quase pela metade (24%). Em relação à área, enquanto 30% dos habitantes das localidades urbanas estão no grupo de pior faixa (até 2 pontos), 54% da população em zonas rurais encontra-se nessa condição.
No recorte de faixa etária, o levantamento confirma a maior vulnerabilidade à exclusão digital dos idosos: 61% dos brasileiros com 60 anos ou mais apresentam scores mais baixos (até 2 pontos) de conectividade significativa, proporção muito acima da verificada no país de maneira geral (33%). E, diferentemente do que sugere o senso-comum, os dados desmentem a ideia de que os mais jovens apresentariam melhores indicadores no mesmo quesito. O estudo revela que somente 16% e 24% daqueles com idades entre 10 e 15 anos e 16 e 24 anos, respectivamente, estão na faixa mais alta (entre 7 e 9 pontos). Os níveis mais elevados ocorrem justamente entre os grupos etários de maior incidência no mercado de trabalho (entre 25 e 44 anos).
“O estudo questiona a ideia de que os gargalos para inclusão digital seriam sanados por uma possível transição geracional, uma vez que os jovens já seriam super conectados. Quando olhamos para os usuários de Internet de maneira geral, isso se confirma, mas ao complexificarmos a análise e entendermos a conectividade como um todo, fica claro que uma parcela importante desse grupo possui condições precárias de conectividade e vai ingressar no mercado de trabalho com uma desvantagem grande. A realidade de um jovem que mora na periferia e não tem qualidade de conexão é muito distinta da de um jovem da mesma idade que tem melhores condições. Essas diferenças potencializam desigualdades já existentes”, alerta Graziela Castello.
A proporção de pessoas com melhor conectividade significativa também é consideravelmente maior entre os entrevistados do sexo masculino (28%), na comparação com os do sexo feminino (17%) – 11 p.p. de diferença. O estudo enfatizou que examinados isoladamente, alguns indicadores de acesso às tecnologias não evidenciam as desigualdades entre homens e mulheres. Por exemplo, a prevalência de usuários de Internet no Brasil mostra distâncias pouco significativas entre esses dois grupos. Contudo, uma análise combinada de indicadores revela condições de conectividade mais precárias para a população feminina, sublinhando barreiras pré-existentes para sua inclusão produtiva, equiparação em renda, incidência pública e participação na vida social, política e econômica do país.
Essa desigualdade também fica evidente na análise dos dados com base na autodeclaração de cor ou raça dos respondentes. Entre os brancos, 32% estão na faixa mais alta (score entre 7 e 9). Já entre pretos e pardos, a porcentagem cai para 18%.
A pesquisa identificou ainda que, quanto maior o grau de escolaridade, menor a proporção de brasileiros com score entre 0 e 2 e maior a proporção daqueles na faixa entre 7 e 9. Entre os que possuem até o Ensino Fundamental I, a maioria (68%) está na pior faixa de pontuação, e apenas 3%, na melhor. O quadro se inverte entre os com Ensino Superior: apenas 7% obtiveram a pior pontuação, enquanto 59% ficaram com os maiores scores.
Grande distância também se revela na comparação entre extratos sociais. Na classe A, a grande maioria (83%) está na melhor faixa de pontuação e apenas 1%, na pior. Por outro lado, entre as pessoas nas Classes DE, a realidade é totalmente distinta: apenas 1% delas está na melhor faixa e a maioria (64%), na pior.
O lançamento do documento aconteceu durante o Seminário Conectividade Significativa, realizado pela Câmara de Universalização e Inclusão Digital do CGI.br, nos dias 16 e 17 e abril, em Brasília. Para rever o evento, acesse o canal do NIC.br no YouTube.