Por Júnia Azevedo
O Midrash Centro Cultural, localizado na Zona Sul do Rio de Janeiro, abriu suas portas, no final de maio, para um debate com estudantes, pais e educadores sobre o uso de novas tecnologias na escola. Para o encontro, foram convidados três estudantes: Luíza Aveburg, 11 anos, da Escola Eliezer Max; Daniel Ferreira, 14 anos, presidente do Grêmio Estudantil do Colégio Teresiano; e Jonathan Caroba, 17 anos, ex-aluno do Colégio Estadual José Leite Lopes/NAVE. E para dialogar com eles, a professora Regina de Assis, consultora em Educação e Mídia e ex-secretária Municipal de Educação e da Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio (MultiRio), e o jornalista Marcus Tavares, editor da revistapontocom. Juntos, eles discutiram os alcances e limites do que vem sendo realizado nas escolas, apontando caminhos e perspectivas para a integração construtiva das mídias à educação e à cultura dos estudantes e professores.
Regina abriu o encontro apresentando informações da pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Educação, recém divulgada pelo Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (Nic.br). A professora contou, por exemplo, que 86% das crianças pesquisadas possuem perfil em alguma rede social. Dessas, 69% fornecem seu sobrenome. Outro resultado do estudo é que 37% dos pais creem que não é provável que os filhos tenham problemas na internet.
Redes sociais
Depois da apresentação dos dados da pesquisa, os estudantes falaram um pouco sobre a relação que estabelecem com as mídias, em especial com a internet e as redes sociais. Luíza Aveburg, a mais nova do grupo, de 11 anos, que está no 6º ano do Ensino Fundamental, disse que hoje tem noção do que representa ter um perfil no Facebook, mas entende que nem sempre foi assim: “As crianças mais novas não têm ideia do risco que correm. Eu mesma já recebi pedidos de amizade de pessoas estranhas. Lembro de uma que entrou, disse que eu era muito bonita e começou a fazer um monte de perguntas, como, por exemplo, onde eu morava”.
Daniel Ferreira, de 14 anos, presidente do grêmio estudantil de seu colégio, lembrou que é comum uma pessoa criar um perfil falso e se passar por outra. “É muito fácil um adulto mal intencionado se passar por uma criança”, alertou.
Os três estudantes contaram que eles, no dia a dia, se comunicam muito mais pelas redes sociais, como Facebook. É nesta rede que meninos e meninas marcam seus encontros, se falam e trocam dúvidas sobre lições escolares. Passar e-mail e telefonar são coisas do passado, avisam. Segundo eles, se um pai quiser saber da vida do filho, é só entrar na rede social.
O evento, por Jonathan Caroba
A iniciativa foi mais do que interessante e deixou em evidência a necessidade de acontecer uma conversa franca e direta entre alunos, pais e professores. Percebeu-se que quando a liberdade tecnológica é concedida cedo demais, o jovem torna-se mais disperso no que diz respeito à internet. Tem menor capacidade de foco ao fazer um estudo online, leva os problemas das redes sociais para a sala de aula e prioriza o contato via internet, menosprezando o convívio social.
É claro que, se usadas de maneira correta, a rede social, a internet e a comunicação através da rede podem, sim, ajudar no desenvolvimento do aluno na escola. A grande problemática, muito discutida entre pais, estudantes e professores durante a palestra, é o modo significativo e efetivo de inserção dessas novas tecnologias no ambiente de ensino.
Os estudantes falaram muito sobre a importante missão do professor de incentivar, aconselhar e fazer com que o estudante seja não só um bom cidadão, mas também um bom profissional. De maneira objetiva, o bate-papo abordou diversos temas, deixando as discussões em aberto, discussões que podem e devem ser levadas para as salas de aula, para as conversas entre pais e filhos e para as redes sociais.
Mídias na educação
Regina citou o filósofo Michel Serres, autor do livro “Polegarzinha”, ao afirmar que a geração de adultos hoje é neta da escrita e filha do livro. E acrescentou: “Já esses adolescentes e jovens de hoje são bisnetos da escrita, netos do livro e filhos da internet”. O grupo discutiu, então, se as mesmas estratégias pedagógicas utilizadas antigamente para educar continuam válidas. Regina e Marcus citaram experiências recentes, como as das “Flipped Classrooms”, que englobam o uso da tecnologia para alavancar o aprendizado em sala de aula. Esse tipo de prática inclui aulas por vídeo e troca de informações pela internet. Nesse modelo, primeiro os estudantes levam os temas a serem estudados para casa, antes de discuti-los em sala de aula. Eles pesquisam nos livros e na internet, interagem com os colegas e, só depois, levam os resultados para a sala de aula, quando, então, interagirão com os professores. O grupo concluiu que essa era uma boa proposta, mas que precisa ser bem estudada, pois possui prós e contras.
Marcus e Regina citaram também o trabalho que vem sendo realizado pela ONG educacional The Khan Academy, que oferece uma coleção gratuita de mais de 3.800 vídeos na internet, com lições de matemática, história, medicina e saúde, finanças, física, química, biologia, astronomia, economia, ciência da computação, entre outras matérias.A Khan Academy possui mais de 200 milhões de videoaulas gratuitas. Regina alertou que a introdução das mídias integradas aos currículos e aos projetos pedagógicos das escolas precisa ser realmente bem feita. “O que importa é conhecer e saber como as linguagens das mídias audiovisuais, digitais e impressas impactam sobre os processos de construção de conhecimentos e valores dos estudantes”.
Surgiram alguns exemplos de práticas interessantes, como os benefícios da troca de informações entre pessoas de estados diferentes. Segundo os dois especialistas, como os alunos do país estão submetidos aos mesmos conteúdos, entender como cada um aprende em sua região, com certeza seria muito benéfico para o processo de construção de conhecimento e de valores.
Transtorno de atenção
Outra questão discutida pelo grupo foi a interdisciplinaridade. A questão foi colocada pelos pais que participaram do bate-papo. Será que os jovens entendem por que devem estudar determinada matéria? Será que as distintas matérias “conversam” umas com as outras para ampliar e aprofundar os conhecimentos? Os alunos veem o uso prático dessas disciplinas na vida? “Acho importante estudar todas as matérias. No Ensino Fundamental não temos maturidade ainda para decidir a profissão que teremos quando adultos. É fundamental esse conhecimento amplo, para podermos ter no futuro a capacidade de escolher”, afirmou Jonathan Caroba, de 17 anos.
O transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) também foi abordado pelos próprios estudantes. “Tem gente que usa isso como desculpa para não se esforçar. Eles falam: meu psicólogo disse que eu tenho transtorno de atenção, nem adianta estudar”, contou Daniel Ferreira. Os outros estudantes concordaram. Todos tinham casos semelhantes para contar.
A importância do espaço físico da escola também foi abordada. Sabe-se que é possível aprender em casa, com a família, com a televisão, com os celulares e a internet. Então, ainda é necessário ir à escola para aprender? Por que vamos ao colégio? Luíza lembrou-se de situações dentro de sua escola judaica onde convive com colegas católicos: “Acho legal essa troca. Com eles eu aprendo coisas que talvez nunca soubesse”, explicou Luíza, revelando a necessidade do espaço da escola para socializar e aprender a dividir. Regina acrescentou que a escola é o lugar ideal para a sistematização de conhecimentos e a convivência construtiva com uma variedade de pessoas e situações socioculturais.
O diálogo funciona mais do que a proibição
Em relação ao uso da internet em casa, o grupo reiterou a importância do diálogo com os pais. “Criança é curiosa. Se o pai proíbe alguma coisa, aí é que a gente vai querer saber. Por que ele proibiu? É melhor dizer o porquê: ‘Filha, é perigoso entrar aí porque entra vírus na máquina’”, explicou Luíza.
Em vez de proibir, os educadores devem explicar porque um site é inadequado e não confiável. Mas o diálogo tem que ser uma via de mão dupla, pois, frente a tantas novidades, os adultos também precisam estar abertos para conhecer melhor as novas mídias, de forma a serem capazes de avaliá-las criticamente.
Segundo os estudantes, os pais precisam estar mais próximos das escolas, para não passarem exemplos equivocados. Eles contaram que é bastante comum os alunos, no meio da aula, receberem ligações e mensagens dos pais por meio dos celulares: “Professor, vou ter que atender, é minha mãe!”.
No final do encontro, foi ressaltada também a importância de a universidade se colocar nesta discussão, procurando capacitar melhor os professores. “A universidade ainda ensina para os séculos XVIII e XIX. É urgente rever esses processos, pois já estamos no século XXI, que oferece ricas oportunidades de acesso e democratização de conhecimentos”, destacou Regina de Assis.
O debate, realizado no dia 27 de maio, encerrou o ciclo de palestras com especialistas das áreas de comunicação, educação, nutrição e psicologia. Nos outros eventos, realizados nos dias 6 e 20 de maio, estiveram presentes também o jornalista André Trigueiro, a publicitária Nádia Rebouças, a nutricionista Luciana Ayer e a psicóloga Laís Fontenelle. Os temas abordados, respectivamente, foram obesidade infantil e consumismo na infância. Os três encontros foram realizados pelo Midrash em parceria com o Instituto Alana, organização sem fins lucrativos, que trabalha em várias frentes para encontrar caminhos transformadores que honrem as crianças.