A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo

Resenha do livro de Gilles Lipovetsky
Por Roberta Nardi

“Quem fala da felicidade com freqüência tem os olhos tristes”
– Louis Aragon

Quem não deseja ser feliz? Sentir-se completo, satisfeito com a vida e usufruir de tudo o que lhe proporciona prazer? A partir deste questionamento presente em praticamente todos os indivíduos da sociedade contemporânea Gilles Lipovetsky, filósofo e pesquisador francês, remete-nos a pensar sobre os intermináveis paradoxos de felicidade que pairam sobre a sociedade do hiperconsumo em seu novo livro A Felicidade Paradoxal.

O autor divide o livro em duas partes: 1) A sociedade do hiperconsumo e 2) Prazeres privados, felicidade ferida. Na primeira parte, ele apresenta, a partir de três marcos específicos, a evolução do capitalismo de consumo e seus desdobramentos na vida moral, afetiva e social dos indivíduos. A fase I, com início por volta de 1880 e término marcado pelo fim da Segunda Guerra Mundial, é caracterizada pelo autor como a fase da distribuição. A partir do desenvolvimento dos mercados nacionais e a facilidade para escoação da produção das indústrias que evoluíam a cada dia.

A fase II, com início por volta dos anos 1950 que se estendeu até meados de 1980, é marcada principalmente pela lógica da quantidade, da produção em larga escala, o consumo de massa, com o que se chamou de “a sociedade da abundância”. A facilidade de acesso a bens e serviços, a praticidade dos eletrodomésticos e principalmente o “nascimento” do sentimento de competitividade entre as empresas, culminaram com a invenção do marketing que por sua vez, focou a atenção das corporações para as constantes necessidades e satisfação do cliente.

Após o boom do consumo dos anos 50, a fase III se caracterizou principalmente pela relação emocional do indivíduo com a mercadoria. Passado a euforia do consumo de massa característico das décadas anteriores, o consumo da terceira fase é norteado acima de tudo pela satisfação do “eu”, a busca pelo bem-estar.

Enquanto a fase II trouxe para o presente o momento de satisfação da compra, o status a partir de automóveis, eletrodomésticos, roupas, etc. Na fase III, a ostentação deixa de ser o principal motivo que induz ao consumo, dando início à era do bem-estar, onde o acesso ao conforto, satisfação dos prazeres passa a ser a principal motivação para a felicidade.

O autor traz em diversos momentos do livro comparações entre o estilo de vida norte-americano, durante o ápice do consumo de massa e a sociedade francesa, que ainda mantinha um ritmo distante do acelerado mercado de inovações e consumo dos EUA.

O consumo emocional, diferente do marketing tradicional, passa a mostrar para o consumidor a importância da experiência e das memórias afetivas ligadas à marca. A partir de experiências sonoras, odores de lojas e ambientes diferenciados, estimulam os sentidos, envolvendo o consumidor que compra não mais pela qualidade do produto, mas pelo seu conceito e visão de vida. É o imperativo da imagem a partir do imaginário da marca.

Na sociedade do hiperconsumo, não se reprimem mais os “abusos” do consumo. Pelo contrário, neste momento, os indivíduos não compram mais tão motivados pela pressão social, mas motivados pela vontade, para a satisfação do próprio prazer. Vivemos num momento de hedonismo, onde o indivíduo necessita para a visibilidade social se apresentar como pleno, satisfeito e feliz.

“Sofro, logo compro”, representa a ideia central do que Lipovetsky analisa como sendo as compras o ópio da sociedade que, quanto mais isolada e frustrada com a solidão, tédio do trabalho, fragmentação da mobilidade social, segue buscando o consolo na felicidade imediata proporcionada pelas mercadorias. A carência suprida pela compra, pelas vivências extraordinárias proporcionadas pela indústria de experiências  e dos shoppings centers, apresentados como espaços de abstração e divertimento para todos a qualquer hora.

Em suma, o consumo como forma de fazer transparecer a condição de felicidade propiciada pelas novas experiências.
Na segunda parte do livro, Prazeres privados, felicidade ferida, são apresentadas reflexões sobre como questões referentes aos desejos e frustrações provocados a partir do impacto dos valores da publicidade e do individualismo são processados pelos indivíduos. Nesta fase, a sociedade caracterizada como livre defronta-se com mais paradoxos: é livre pelo direito conquistado pelas escolhas e diversidade de opções, e ao mesmo tempo está presa pelas condições impostas pelo mercado, pelas amarras da publicidade, valores culturais e pelas frustrações que não consegue superar.

O autor aponta então o uso das “pílulas da felicidade” como sendo a medicalização a saída encontrada para resolver as síndromes, pânicos e depressões decorrentes não apenas do não saber lidar com situações de fracasso, mas também como uma forma de fuga de enfrentamento de problemas reais e aceitação social.

Por fim, o autor observa que a sociedade do hiperconsumo, assim como as fases anteriores, também tem um “prazo de validade” corrente. E que sua exaustão se dará, principalmente, a partir, da inversão dos valores atuais. Onde não mais será exaltado o “super-homem”, perfeito e sem fraquezas; e o hedonismo já não constituirá o princípio estruturante da vida. Comprar, adquirir e renovar não mais serão atos ligados diretamente ao alcance da felicidade.

Com uma importante contribuição para a compreensão do sentido da felicidade e do bem-estar nas sociedades modernas, o autor traz em seu trabalho reflexões sobre o futuro da era do pós-hiperconsumo, a produção de sentidos na contemporaneidade, sobre a sociedade da hipervalorização do “eu”. Faz-se necessário o entendimento que, embora a felicidade ainda seja o principal motivador das conquistas individuais, nem sempre poderá estar aguardando como um “fabuloso destino”. Homens e mulheres precisam aprender a sustentar e trabalhar com suas frustrações sem a necessidade imediata do ópio da mercadoria efêmera.

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