A educação na mídia

” Um outro repórter tem um pouco mais de intimidade com o tema e, mesmo assim, essa intimidade não é sinônimo de uma aproximação crítica e de fundo com as grandes questões educacionais”, destaca  Eliane Bardanachvili.

 

 

 

 

 

 

 

 

Por Marcus Tavares

Período eleitoral. Em seus espaços dedicados ao tema, a mídia destaca a importância de os  eleitores conhecerem, opinarem, discutirem e avaliarem os projetos dos candidatos para a área da educação. A mídia ratifica, avalia, indaga e cobra. Mas será que ela mesma prioriza o debate em seus veículos? Quais são o peso e o valor que ela dá ao assunto? Educação vende? Afinal, existe um jornalismo educativo?

A revistapontocom conversou com a jornalista Eliane Bardanachvili, mestre em Educação pela UFRJ. Pode-se dizer que Eliane tem uma vasta experiência na área, sim, do jornalismo educativo. Na bagagem, entre outros projetos, a edição do antigo caderno Educação & Trabalho, do Jornal do Brasil e do portal da Empresa Municipal de Multimeios da Prefeitura do Rio de Janeiro (MultiRio); e o programa de TV Educação & Trabalho.

Professora da UniverCidade e editora da revista Radis da Fundação Oswaldo Cruz, Eliane também já trabalhou como assessora de comunicação das secretarias municipal e estadual de de Educação do Rio.

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – Em tempos de eleição, a mídia enfatiza a necessidade de os projetos eleitorais priorizarem a educação. Podemos dizer que a mídia faz o mesmo em seus espaços cotidianos?
Eliane Bardanachvili
– A mídia tem aberto cada vez mais espaço à temática da educação. Sem fazer uma análise mais apurada do ponto de vista quantitativo, é possível dizer, levando em conta apenas nossa percepção como espectadores e leitores de jornais e revistas, que a educação vem ocupando mais as páginas dos veículos impressos e os espaços televisivos. E esse é um dado positivo. No entanto, sair do quase nada para alguma coisa ainda é pouco – é preciso mais, é preciso uma cobertura permanente, um espaço mais generoso nos jornais, revistas, tevês… No caso específico das eleições, foi bastante ilustrativo como a repercussão da mídia à pergunta do candidato José Serra à candidata Dilma Roussef sobre as Apaes, no debate da Band, foi pobre e plena de desinformação. Somente em alguns blogs foi possível encontrar informações mais profundas dando conta da política do Ministério da Educação de privilegiar a escola pública para todos, buscando equipá-la de forma a atender qualquer criança ou jovem, independentemente de suas características ou deficiências. Essa informação foi dada de forma ligeira e pouquíssima discutida. Uma oportunidade rica para se tratar da inclusão em seus aspectos mais profundos foi perdida.

revistapontocom – Como você avalia a cobertura da educação nos jornais impressos? Ela existe?
Eliane Bardanachvili
– A resposta a essa pergunta é uma espécie de continuação da anterior. Independentemente da (pequena) quantidade, é preciso cuidar da abordagem da educação na mídia, ainda rasa, ainda aligeirada, ainda pautada por clichês. Isso também vem melhorando, mas há muito chão a caminhar. O jornalista reflexivo, que humilde e sabiamente estuda e busca informações sobre aquilo que vai reportar – e que até é visto em setores como Economia e mesmo Cultura – não existe na Educação. São poucos jornalistas especializados que acompanham os meandros da área, que compreendem suas sutilezas, que leem as entrelinhas, que não fazem análises pontuais, mas conjunturais. Para um leitor ou espectador, conhecer a educação via mídia é ter um retrato bastante parcial – e, por que não dizer, distorcido – dela.

revistapontocom – Você acha que os jornais deveriam investir em editorias específicas para a educação? Por quê?
Eliane Bardanachvili
– Sim. Conforme já afirmei, falta um compromisso com a formação dos jornalistas que cobrem essa área. Mesmo em Saúde ou Meio Ambiente, que também não costumam contar com editorias próprias, os repórteres responsáveis pela cobertura são específicos e bastante enfronhados nos assuntos envolvidos. E são dois grandes temas que contam com espaço especial nos cadernos dos jornais, com direito a chapéu no alto da página indicando. Em Educação, com raras exceções na história, não há espaços privilegiados e/ou específicos nos jornais, ainda que semanais, para essa cobertura. Um ou outro repórter tem um pouco mais de intimidade com o tema e, mesmo assim, essa intimidade não é sinônimo de uma aproximação crítica e de fundo com as grandes questões educacionais.

revistapontocom – Por que antigos projetos, como o Educação & Trabalho, do JB, por exemplo, não vingaram?
Eliane Bardanachvili
– O caderno Educação & Trabalho, que você cita, é uma das exceções que mencionei na resposta anterior. Acredito que esse “não vingar” se deva ao peso que é dado à temática da Educação nos jornais. Os anunciantes, por exemplo (que, afinal de contas, viabilizam as publicações), aparecem em abundância naqueles cadernos editados uma vez por ano de “Como encontrar a melhor escola para o seu filho”. Educação para a maioria dos veículos e, consequentemente, para as pessoas acaba sendo isso: encontrar a melhor escola, saber como passar no vestibular… Ou, ainda, aquelas reportagens que, com um certo prazer, apontam a pior e a melhor escola da cidade, do estado, do país, em rankings que distorcem a realidade e penalizam unidades escolares que, muitas vezes, desempenham um bom trabalho, embora este não transpareça nos índices publicados no alto das listas dos jornais.

revistapontocom – Portanto, educação não vende jornal? E como explicar o case do jornal Folha Dirigida?
Eiane Bardanachvili
– Este é um caso que confirma a análise feita aqui. A mídia tem um papel educativo (sem trocadilhos…) e, à medida que oferece determinados conteúdos, passa a educar seu público a recebê-los, passa a dizer a seu público que ele pode ou vai gostar de recebê-los. Acaba parecendo aquela propaganda que indaga o que vem primeiro: é o leitor que não quer ou é o jornal que não oferece? Nesse vai-não-vai, a Folha Dirigida acabou se consolidando como um híbrido que se mantém nas bancas de jornal. O leitor compra o jornal movido por uma demanda bem pragmática de obter informações sobre concursos e ganha de presente extensas reportagens e entrevistas na área da Educação. Todo esse quadro não vem de hoje.

revistapontocom – Podemos dizer que existe um jornalismo educativo?
Eliane Bardanachvili –
Podemos dizer que deveria existir, apenas porque existem o jornalismo esportivo, cultural, econômico, investigativo etc. etc., como mostram os vários cursos livres jornalistas experientes em suas áreas oferecem em espaços variados. O fato de pouco ou nada se falar do jornalismo educacional confirma a análise já feita nas respostas anteriores. Na verdade, todos esses jornalismos têm um ponto comum que é o de o repórter conhecer (assim mesmo, grifado) aquilo sobre o que está falando, os meandros, as políticas, as grandes questões. É isso que vai fazer com que a cobertura seja abrangente, crítica e rica. E é esse o bom – ou o único – jornalismo que se deve oferecer.

Faça aqui o seu cadastro e receba nossa news

0 0 votos
Avaliação
Inscrever-se
Notificar de
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

3 Comentários
mais recentes
mais antigos Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Claudia Werneck
14 anos atrás

Ao contrário de outros tantos especialistas em educação, que de algum modo hesitam entrar no tema, Eliane Bardanachvili aborda com propriedade a implementação de um sistema público de ensino inclusivo no Brasil, conforme prevê a legislação. Parabéns pela entrevista e pela exemplaridade da adoção de um enfoque inclusivo em sua análise das políticas educacionais brasileiras. Claudia Werneck

Andréa Pessanha
Andréa Pessanha
14 anos atrás

Concordo plenamente que é necessário ter mais espaço para a editoria de educação, preocupação somente com é da área, pois o que é mais destacado na maioria das vezes são as ações políticas dos diversos governos em relação ao setor, como inaugurações de prédios públicos e investimentos que são feitos para os municípios para aquisição de materiais, entre outros recursos. Mas e as práticas pedagógicas, as discussões acadêmicas acerca do cotidiano escolar que ficam limitados às reuniôes internas entre especialistas?
E quando há pessoas interessadas em escrever sobre esses temas, não conseguem espaço, só descaso de um trabalho que poderia repercutir muito bem entre todos os atores envolvidos neste processo, como os professores, pais e os próprios alunos.

Iranildes Costa
14 anos atrás

É bom perceber que a educação vem ganhando espaço na mídia, ainda que haja muito a avançar, como mostra a análise de Eliane Bardanachvili. Sou estudante do último período de jornalismo e me interesso muito por essa área. Meu TCC será uma revista de educação e sei que encontrarei muitos desafios nessa jornada.
Sabemos que a mídia tem um grande poder mobilizador e pode, sim, colaborar para uma mudança na forma de agir da sociedade. Gostaria muito de ver na TV aberta programas voltados para o debate sobre educação, como acontece com o futebol, por exemplo. Aqui na Bahia, o Jornal A Tarde lançou a editoria “Escola Viva”, para tratar exclusivamente do tema.
Acredito que “dias melhores virão”, pois não dá mais para esperar por essa transformação…

Categorias

Arquivos

Tags

Você pode gostar