Desigualdade, violência, paz, consumo e política. Com o objetivo de dar vez e voz às crianças e jovens, a revistapontocom inaugura mais um espaço neste sentido: o Fala Jovem. Nele, vamos publicar textos escritos por crianças e jovens sobre diversos assuntos. A ideia é promover a ‘fala’ destes cidadãos e ao mesmo tempo possibilitar que os adultos conheçam e ouçam suas histórias, sentimentos, comentários, avaliações sobre temas do nosso cotidiano.
Hoje, publicamos três textos. Trata-se de uma produção textual apresentada, pelos estudantes da Escola Sá Pereira, no I Fórum Nacional de Cultura Infância, realizado nos dias 23 e 24 de setembro, no Rio. Eles foram instigados a refletirem sobre a política cultural voltada para crianças e jovens, pelo governo brasileiro.
Confira:
Quem somos, o que pensamos, o que sabemos, o que queremos
Produção coletiva dos alunos do nono do Ensino Fundamental.
Um dia, em um bairro pobre, brotou do chão um conjunto de madeira com folhas. Conforme toda aquela casca crescia, os planos dos moradores sobre o que fazer com aquele corpo também tentavam alcançar as alturas. João via plantada no chão uma cadeira, Maurício jurava que aquilo ia virar papel, mas provavelmente ia acabar tudo como carvão – como dizia Pedro. De fato, ninguém via ali o que realmente era aquela junção de madeiras e folhas: uma árvore. Assim também são a infância e a adolescência: a árvore que ninguém percebe que produz sombra e frutos. (clique aqui e leia na íntegra).
Precisamos de um guia
Produção coletiva dos alunos do nono ano do Ensino Fundamental
Eu fico com a pureza das respostas das crianças. É bonito domingo ensolarado, passar a manhã na praia e de tarde ir ao cinema, É bonito ir a uma peça. É bonito dar um abraço no pai, seguido por uma história, história de criança, inventada ou verídica, que enche a cabeça de criatividade e imaginação. É bonito sair de tarde e de noite, a beleza de ser um eterno aprendiz.Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento? (clique aqui e leia na íntegra).
Manifesto – entre a luta e a poesia
Produção coletiva dos alunos do nono ano do Ensino Fundamental
A juventude não é algo construído por aqueles que já foram jovens um dia. Existe, sim, NÃO como simples etapa de formação do ser humano, mas como um ciclo infinito que se renova a cada geração. Cada juventude tem características próprias de seu tempo e características de outras juventudes que deixam a sua história. Mas sempre é algo completamente diferente e único. Então, deixem-nos nos construirmos. Deixem-nos construirmos a própria cultura. (clique aqui e leia na íntegra).
Postura radical ou sensata?
“Deixem as crianças serem infantis: não lhes permita o acesso a TV, jogos eletrônicos e computadores com internet”, Valdemar Setzer
Por Marcus Tavares
O que ele diz é polêmico, pois está na contramão de tudo o que muitas propostas pedagógicas defendem: o uso integrado da mídia à educação. Professor titular aposentado do Departamento de Ciência da Computação, do Instituto de Matemática e Estatística da USP, Valdemar Setzer é um crítico feroz da mídia, em especial da televisão. Desde 1995, ele mantém um site onde publica seus artigos e ensaios sobre os malefícios da mídia no dia a dia da audiência infanto-juvenil. “Deixem as crianças serem infantis: não lhes permita o acesso a TV, jogos eletrônicos e computadores com internet”, é a mensagem que abre o seu site. A revistapontocom ouviu o professor que tem pontos de vista bastante radicais para os parâmetros do cotidiano familiar e escolar do início do século XXI. Ao publicar suas ideias, a revista cumpre o papel de provocar o debate sobre questões que dizem respeito à educação com ênfase na comunicação, questões que dizem respeito à interface midiaeducação. Acompanhe:
revistapontocom – Em sua avaliação, as crianças não deveriam ter acesso aos meios de comunicação eletrônicos. Por quê? Valdemar Setzer – Uma das principais razões é que os meios eletrônicos produzem um desenvolvimento intelectual e emotivo indevido. Com isso, crianças e adolescentes perdem uma parte essencial da sua infância e juventude. Metade da humanidade é diariamente colocada em estado de sonolência e é bestificada pelo aparelho de tevê e pelos programas transmitidos. Assim, parece-me que a TV foi a maior tragédia que já ocorreu para a humanidade. Todas as pessoas podem ser contra armas e guerras, pois veem a destruição e sofrimentos que elas causam. No entanto, pouquíssima gente está vendo os problemas de saúde e sociais, bem como a destruição da vontade, dos sentimentos e do pensamento, que a TV provoca, pois os resultados não são imediatos, e muitos são psicológicos ou psíquicos, invisíveis fisicamente. Existe um verdadeiro ataque da TV no sentido de destruir a humanidade. Esse ataque vai ser cada vez pior. Veja a introdução recente de canais transmitindo conteúdo específico para bebês entre zero e dois anos, como é o caso do horroroso canal Baby TV. Assisti a um vídeo contendo programas desse canal. Fiquei chocadíssimo com o que vi. Como sempre, figuras grotescas, nada artísticas, balbuciando em lugar de falar, como eu tinha ouvido dizer do programa Teletubies. Bebês devem ouvir muito a fala correta, para a desenvolverem; pais jamais deveriam imitar a fala dos bebês com seus filhos bem pequenos – não é isso que eles devem imitar e aprender. Não bastava o ataque da TV às crianças, aos adolescentes e adultos, até os bebês estão agora sendo atacados. O que é preciso fazer para conscientizar os pais que eles estão cometendo um verdadeiro crime com seus bebês ao colocarem para assistir a tais programas?
revistapontocom – Em que o senhor se fundamenta para defender esta questão? Valdemar Setzer – Estudos e observações e, principalmente, na conceituação e na prática da Pedagogia Waldorf, existente com sucesso desde 1919. Uma das consequências dos meios eletrônicos, e em particular da TV, é uma aceleração do desenvolvimento, principalmente mental. Infelizmente, muitas pessoas acham que essa aceleração é desejável, quando ela é, na verdade, altamente prejudicial. O problema geral da aceleração precoce deve-se ao fato de que o ser humano é um todo, é um ser holístico. Qualquer desenvolvimento unilateral significa a produção de um desequilíbrio. Em educação, há idade para tudo. E é esse um dos princípios fundamentais da Pedagogia Waldorf, que é uma das principais fontes de seu sucesso. Nela há um cuidado extremo em não acelerar o desenvolvimento das crianças e jovens, com especial ênfase ao cuidado de não haver um desenvolvimento intelectual precoce. Por isso, nessa pedagogia, as crianças só aprendem a ler, e muito vagarosamente, a partir dos seis anos e meio ou sete anos de idade. Visite um jardim de infância Waldorf (prefiro essa linda e tradicional denominação em lugar de Educação Infantil) para entender o que quero dizer com a preservação da infantilidade. Estou para encontrar uma única pessoa que não se entusiasme com o que é feito nesses jardins e que não reconheça que, sob esta pedagogia, as crianças são muito mais felizes e infantis.
revistapontocom – O senhor não está sendo muito radical com relação à mídia? Valdemar Setzer – A educação sempre foi radical, evitando qualquer coisa que faça mal às crianças. Não existe meio termo: se algo é prejudicial ou perigoso às crianças ou adolescentes, deve ser evitado. A grande diferença entre mim e a quase totalidade de pais e educadores é que estou ciente dos males causados pelos meios de comunicação, em especial a TV, principalmente com crianças e adolescentes. Não estou totalmente sozinho, se bem que muitas vezes me sinto clamando no deserto. Há outros autores e muitas pesquisas científicas que comprovam o que estou afirmando.
revistapontocom – Por exemplo, quais seriam os males da televisão? Valdemar Setzer – Há uma lista de questões: excesso de peso e obesidade; riscos de doenças; problemas de atenção e hiperatividade; agressividade e comportamento antissocial; medo e depressão; intimidação a colegas (bullying); indução de atitude machista; dessensibilização dos sentimentos; indução de mentalidade de que o mundo é violento e violência não gera castigo; prejuízo para a leitura; diminuição do rendimento escolar; prejuízo para a cognição; confusão de fantasia com realidade; isolamento social; problemas de relacionamento; aceleração do desenvolvimento; prejuízo para a criatividade; autismo; vício; indução ao consumismo; condicionamento e não informação; paralisia mental; indução de mentalidade de competição; destruição da vida familiar; falta de ritmo e sono saudável; massificação; indução de impulsividade e negatividade; indução de admiração pelas máquinas; e indução de mentalidade materialista. Todos esses pontos estão justificados, com citações de pesquisas científicas que os comprovam, em meus artigos A TV antieducativa e Efeitos negativos dos meios eletrônicos em crianças e adolescentes.
revistapontocom – No mundo tecnológico, como evitar que as crianças assistam à TV? Valdemar Setzer – O mais fácil é não ter o aparelho. Com isso, corta-se o mal pela raiz, evitando problemas de controle de uso e a luta interior para resistir à tentação de vê-la. Isso é especialmente benéfico para as crianças, pois elas não conseguem entender por que alguns programas fazem mal, ou mesmo que ver TV é um mal em si, como mostro em meus artigos. O problema com elas ainda se agrava quando os pais assistem à TV e dizem que elas não devem assisti-la. Em alguns casos, alguém da família acha absolutamente necessário ter um aparelho, para assistir a algo específico. Nesses casos, o aparelho de TV não deve estar disponível. Não instalar o aparelho de TV no espaço onde são feitas as refeições também é importante. As pessoas também não deveriam instalar, de modo algum, um aparelho de TV no quarto das crianças. Relatório da Associação Americana de Pediatria sobre crianças, adolescentes e televisão recomenda, explicitamente, a remoção das televisões dos dormitórios das crianças. Defendo também a não instalação de TV a cabo, pois as tentações serão ainda maiores. É comum o argumento de que restringir o uso da TV, entre crianças e adolescentes, é introduzir a censura dentro de casa. Acontece que não se deve confundir censura para adultos com censura para crianças e adolescentes. Esta sempre existiu e deverá existir.
revistapontocom – E o uso da TV na escola? Como o senhor analisa esta interface? Valdemar Setzer – Qualquer uso da TV na escola antes dos 13 ou 14 anos deve ser evitada. Em particular, fico extremamente chocado ver em várias creches mantendo tevês ligadas o tempo todo. Os responsáveis certamente não estão cientes do crime que estão cometendo com as crianças. A partir dos 13, 14 anos, se um professor achar importante mostrar ilustrações do que está sendo ensinando, por exemplo em Geografia, usando um DVD, o trabalho será muito mais rico do que simplesmente projetar dispositivos ou mostrar livros. Só que é necessário levar em conta as características do aparelho de TV e o estado normal de sonolência do telespectador. Assim, o vídeo deve ser mostrado em períodos de tempo muito curtos, de poucos minutos. Após esse período, deve ser desligado e o professor deve discutir com os alunos o que eles viram, em seguida repetir o trecho visto. Assim evita-se o pior efeito da TV: induzir um estado de sonolência, semi-hipnótico, no telespectador. Podemos ir além da questão da TV. Hoje muitas escolas disponibilizam, para seus alunos, computadores e internet. Professores estão pedindo para seus alunos fazerem trabalhos usando a internet. Eles estão cometendo um crime educacional. Em particular, a internet é extremamente perigosa para crianças e adolescentes, pois eles são todos ingênuos, como bem salientou Gregory Smith em seu livro Como proteger seus filhos na internet, cuja edição brasileira está para ser lançada pela editora Novo Conceito, baseada em parecer meu muito favorável. Crianças e adolescentes só querem brincar com os meios eletrônicos, não os usam para coisas sérias. Numa pesquisa do Datafolha, constatou-se que, de três mil usuários, apenas 1% usava a internet para estudo. Se forem contabilizados somente crianças e adolescentes, essa porcentagem seria muitíssimo menor. Pesquisas já mostraram que quanto mais o computador é usado, pior é o rendimento escolar dos alunos.
revistapontocom – Então as experiências entre mídia e escola não podem ser benéficas para a constituição dos alunos? Valdemar Setzer – Os prejuízos são infinitamente maiores do que os benefícios.
revistapontocom – Qual é o papel da escola neste mundo midiático? Valdemar Setzer – Alertar os pais e alunos para que não usem os meios eletrônicos. O problema é que os professores ignoram os males que eles produzem, e embarcam na onda de alta tecnologia, como se ela fosse educacionalmente benéfica, quando a realidade é a contrária.
revistapontocom – Qual é o papel dos pais (na educação de seus filhos) neste mundo midiático, neste mundo de nativos digitais? Valdemar Setzer – Estudar e observar os males que os meios eletrônicos fazem e, chegando às mesmas conclusões que eu, evitar que seus filhos crianças e adolescentes os usem, como eu fiz com meus filhos e minhas três filhas estão fazendo com meus seis netos.
fonte:revista pontocom-site.