Por Marcos Vinícius Gomes
Professor
Aqui é o Oriente Médio? foi a pergunta feita pelo metalúrgico Severino Filho, em entrevista ao site G1 em 31/10/2009. O metalúrgico é pai da universitária hostilizada publicamente na universidade onde cursa Turismo, em São Bernardo, SP, por estar usando um vestido curto. A resposta à pergunta deste pai constrangido pela intransigência da sociedade é o ponto-chave da análise deste impasse. Mas este ponto-chave foi ignorado pela maioria da imprensa e da população em geral.
O caso foi destaque na mídia – internet, televisão (a moça chegou a dar entrevista a um programa sensacionalista da TV Record, o Geraldo Brasil), jornais. Augusto Nunes, um dos príncipes de Veja, escreveu que se fosse na universidade onde estudou ela seria cantada em verso e prosa. Já outro jornalista da Veja, Reinaldo Azevedo, saiu em defesa da aluna, dizendo que mesmo se moça fosse prostituta não mereceria tal ultraje e, evidentemente não perdeu a oportunidade de ser “Reinaldo”: culpou a universidade e a expansão do ensino superior pelas ofensas à estudante, chamando instituições não tradicionais de “unisupletivos”. Faltou apenas a TFP se pronunciar sobre ocaso.
O mais lamentável de toda essa polêmica é que no final, o motivador, que deveria ser dissecado nesta lamentável história onde aproveitadores da tragédia alheia despejam seus arsenais de convicções, não foi analisado. A força motriz desta discussão que fez tanto setores reacionários ou então progressistas da sociedade brasileira mostrarem apenas a “sua verdade” não foi vista, devida à paixão do confronto de idéias, devido ao provincianismo. O motivador – o machismo – saiu ileso.
“Combato o feminismo exagerado”
Mesmo que houvesse inúmeros discursos de defesa da estudante universitária ao direito de usar as roupas que lhe aprouvesse, embasados na “emancipação feminina” tão decantada ultimamente, mas pouco visualizada na prática social, os resquícios de machismo ainda são notórios. O linchamento sofrido pela estudante em São Paulo reflete algo corriqueiro dentro de um país que cerceia liberdades, faz vistas grossas à degradação sofrida por inúmeras mulheres brasileiras.
É uma vergonha um país que tem mulheres muito mais qualificadas que os homens e que, entretanto, paga 25% a menos de salário a elas em relação ao sexo oposto. É uma vergonha um país que tem forte exploração sexual feminina, seja para o “mercado interno” ou então atrelada ao tráfico internacional de mulheres para a prostituição na Itália, Suíça, Espanha, entre outros destinos da Europa. É uma vergonha uma nação que vitimiza suas mulheres, encobrindo a violência doméstica, praticada principalmente por maridos e namorados, que não acordou ainda para a importância de assegurarmos os direitos da mulher à dignidade e à vida.
Alguém poderá dizer que há exagero, que as mulheres são respeitadas e valorizadas pela sociedade brasileira. Vejamos um exemplo muito interessante de conservadorismo machista vindo de uma parte que teoricamente deveria opor-se ao sexismo, defendendo a igualdade de direitos.
É o caso do juiz mineiro Edilson Rumbelsperger Rodrigues que foi citado em reportagem da Folha de S.Paulo de outubro de 2009 por recusar-se a aceitar pedidos de medidas contra homens que agrediam suas mulheres ou então as ameaçavam. O magistrado disse em nota que não iria “desigualar homens e mulheres naquilo em que são rigorosamente iguais, ou seja, nas demais espécies de violência que um pratica contra o outro sem qualquer diferença” (para o juiz, talvez o número de mulheres agredidas fosse equivalente ao de homens agredidos por suas companheiras, fato improvável, sabendo-se como está enraizado o machismo no Brasil). Rumbelsperger usa o argumento de que algumas disposições da lei têm “caráter vingativo”. Ele diz:. “Combato, assim, o feminismo exagerado – consubstanciado em parte da Lei Maria da Penha – e que dela se aproveitou para buscar compensar um passivo feminino histórico, com algumas disposições de caráter vingativo.”
Sociedade não respeita nem valoriza a mulher
Ele termina sua defesa com a seguinte argumentação, que até que se prove o contrário, tem alto teor patriarcal-machista: “Se eu voltasse atrás num único pensamento expressado em quaisquer de nossas decisões, eu o estaria fazendo por mera covardia, apenas para tentar me livrar da angústia desse embate.” Ou em outras palavras, o juiz demonstra que se angustiasse pouco ou não se angustiasse em nada no embate, não seria varonil; se recuasse em suas declarações infelizes contrárias à lei que defende o direito básico das mulheres de serem respeitadas e protegidas, talvez fosse menos forte, quiçá, menos homem. Um típico argumento machista.
A Constituição garante a liberdade de pensamento, de expressão. Porém, argumentos sexistas vindos de alguém que deveria insurgir-se contra a secular violência masculina que vitimiza a mulher no Brasil têm um que de desdém. Têm uma simbologia que ainda reina entre nós, em todas as classes, grupos do país – a simbologia do desrespeito à mulher e aos seus mais básicos direitos como cidadã. Tanto na opinião do juiz e em suas atitudes enquanto magistrado, quanto no linchamento moral registrado na semana passada contra a estudante que estaria em “trajes inapropriados” para o ambiente acadêmico, repousa a indiferença de uma sociedade que ainda não aprendeu a respeitar e valorizar a mulher. Não a mulher de plástico, tipo exportação que vive no imaginário coletivo nacional, a mulher objeto das passarelas, tampouco a mulher idílica cantada em verso e prosa em nossas músicas. A mulher referida aqui é a mulher que luta diuturnamente contra um sistema injusto, excludente. A mulher que quer ser verdadeiramente valorizada, ter seus direitos assegurados e independência.
Lamentavelmente parece que temos que concordar com o cidadão Severino, pai da universitária em sua pergunta retórica: Aqui é o Oriente Médio? Sim, parece que estamos no Oriente Médio
Fonte – Observatório da Imprensa
É. Aqui é o Oriente Médio. E olha que o Brasil investe pesado na erotização, da dança da garrafa à mulher-garrafa, das novelas com longas cenas com closes de muitos beijos, olhares e respiração ofegante que levam a imaginação do telespectador ao gozo virtual. É tudo uma grande hipocrisia. Uma unviersidade que forma profissionais com esta visão marchista, estereotipada, pequena. Mas será que foram só os homens que participaram dessa execração e apedrejamento em um espaço de construção de conhecimento??? A mídia detonou, ampliou, usou, vendeu, jogou fora. Vai ser duro apresentar um diploma datado com o ano da “Minissaia na Unibam ou Unitalibã”…