Está em tramitação na Assembleia Legislativa da Bahia o Projeto de Lei nº 16.724/2007, do deputado João Carlos Bacelar, do PTN, ex-secretário municipal de Educação, que tem o objetivo de proibir o uso de dispositivos eletroeletrônicos nas escolas do estado, pública ou privadas. De acordo com o texto do projeto, “a regra valerá para celulares, câmeras digitais, tablets, notebooks e aparelhos reprodutores de som e vídeo, a menos que sejam usados para fins pedagógicos”.
Somente na capital baiana, há 463 escolas da rede pública municipal, 220 privadas e 44 da rede pública estadual. Cerca de 200 mil alunos fazem parte da privada. Na rede municipal, são cerca de 146 mil alunos. Na estadual, o quantitativo chega a 1 milhão.
Representantes do colegiado de cultura digital da Secretaria da Cultura do Estado da Bahia divulgaram, há alguns dias, um manifesto de repúdio ao Projeto de Lei. Segundo o grupo, formado por especialistas e professores, como Lynn Alves, Mary Sales, Nelson Pretto e Obdalia Ferraz, “proibir a utilização dos dispositivos móveis no ambiente escolar é negar às crianças e aos adolescentes o exercício da autonomia, da liberdade, da escolha e o desenvolvimento da maturidade necessária, que dê condições as esses sujeitos de identificar os espaços e tempos produtivos destes artefatos culturais, os quais têm um grande potencial pedagógico, visto que podem contribuir, diretamente, nos processos de construção e difusão do conhecimento”.
Os interessados em apoiar esse movimento contrário ao PL podem enviar um e-mail para [email protected] afirmando que concordam com o teor da carta aberta ou podem ainda assinar a petição on-line.
Leia, abaixo, o manifesto na íntegra:
Salvador, 11 de setembro de 2013
À Assembleia Legislativa do Estado da BahiaEstamos acompanhando, através da mídia, a tramitação, nesta Assembleia, do Projeto de Lei (PL) 16.724/2007, de autoria do deputado João Carlos Bacelar (PTN), que visa proibir o uso de dispositivos eletrônicos durante as aulas.
Embora o referido projeto faça a ressalva de que estes dispositivos possam ser usados para fins pedagógicos, nós, representantes das Instituições de Ensino e Pesquisa do Estado da Bahia, responsáveis pela formação dos professores que atuam na rede pública e privada, e que, ao longo dos últimos vinte anos, desenvolvemos pesquisas, formamos e criamos espaço para debate e discussão acerca da importância das tecnologias, especialmente as digitais e telemáticas, para formação dos estudantes, vimos, juntamente com a sociedade civil, nos posicionar contrários ao proposto nesse Projeto de Lei.
Assim nos posicionamos, por entendermos que estes agenciamentos sociotécnicos podem se constituir em espaços/recursos de aprendizagem que poderão potencializar o desenvolvimento de competências comunicativas dos sujeitos em formação, bem como suas habilidades cognitivas, sociais, afetivas, as quais têm sido ampliadas, agora, pelos dispositivos móveis.
Os dispositivos móveis estão presentes no cotidiano de crianças, adolescentes e adultos, constituindo-se em espaços para comunicação, entretenimento, aprendizagem e geolocalização, podendo, desse modo, possibilitar a emergência de novas culturas e novas práticas pedagógicas na sala de aula.
Considerando essas possibilidades, a escola não pode se fechar para o que acontece ao redor do mundo e, mais uma vez, ficar alheia aos desejos e demandas dos seus estudantes. Ao contrário, o espaço escolar precisa ser ressignificado, mudando sua forma de ensinar para que professores e alunos possam acompanhar as mudanças sociais. Portanto, atentos às atividades cotidianas dos alunos com o uso do celular, os docentes precisam, ao invés de abominá-los, enfrentar o desafio de ensinar com esses recursos tecnológicos digitais, na intenção de atrair a atenção de seus alunos, tornando o ensino mais lúdico.
Compreendemos que é fundamental estabelecer limites de uso desses dispositivos em determinadas situações de aprendizagem; esses limites serão aprendidos e internalizados a partir da mediação dos adultos, sejam os pais ou os professores que, juntamente com os estudantes, devem construir sentidos para o uso dessas tecnologias, identificando os seus potenciais, bem como os espaços e tempo para interação, os limites em relação a esse uso, de forma responsável e dialogada.
Proibir a utilização dos dispositivos móveis no ambiente escolar é negar às crianças e aos adolescentes o exercício da autonomia, da liberdade, da escolha e o desenvolvimento da maturidade necessária, que dê condições as esses sujeitos de identificar os espaços e tempos produtivos destes artefatos culturais, os quais têm um grande potencial pedagógico, visto que podem contribuir, diretamente, nos processos de construção e difusão do conhecimento.
Oportunamente, é importante lembrarmos que, dentre as ações do MEC, estão as distribuições de tabletes para a rede pública, a fim de possibilitar aos alunos e professores a interação com aplicativos, jogos, web, e-book, enfim, uma diversidade de linguagens com o objetivo de mediar a aprendizagem. Essas ações já foram iniciadas em Salvador, desde de 2012, através do Núcleo de Tecnologia Educacional 17, da Secretaria Municipal da Educação, estando, inclusive, presentes nas classes hospitalares.
Os dispositivos estão aí, não podemos negar o seu potencial, não podemos proibir a interação dos sujeitos com tais aparatos, assim como não podemos negar que a educação, na sociedade atual, transcende os muros da sala de aula e se abre para as linguagens e as práticas do mundo contemporâneo. Temos, sim, que educar os sujeitos para (re)significar os melhores tempos e espaços de interação, e isso é papel, também, da escola.
Temos que repensar o enfoque até então dado ao processo ensino-aprendizagem e à formação docente, buscando consolidar ou redimensionar perspectivas e práticas. Temos, por fim, que problematizar, refletir, investigar e interpretar o uso desses dispositivos sociotécnicos, além de viabilizar ações que estabeleçam uma aproximação entre educação e as necessidades e expectativas dessa sociedade que, dinâmica e sob influências de várias naturezas, também se encontra em processo de digitalização.
O Projeto de Lei (PL) 16.724/2007, nega isso à escola e aos atores que constroem, diariamente, o fazer pedagógico. Colocamo-nos, portanto, à disposição para um debate mais aprofundado sobre o tema.
Atenciosamente,
Representantes do colegiado de cultura digital da Secretaria da Cultura do Estado da Bahia