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O design do humano

Disciplina do curso de Design da PUC-Rio promove redescobertas nos alunos e aproxima universidade da escola pública.

Por Marcus Tavares

Os objetivos são muitos e envolvem questões tanto profissionais quanto pessoais, ligadas à constituição de valores do ser humano, muitas vezes esquecida, como o simples ato de agradecer o próximo. Esta é apenas uma das ricas aprendizagens vivenciadas no dia a dia da disciplina Projeto Básico Planejamento, do curso de Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Disciplina que poderia ser chamada de encontros. Encontros que inspiram mudanças no ser, no ter e no relacionamento com as pessoas.

No dia 1º de dezembro, na tenda montada ao lado do Solar Grandjean de Montigny, no campus da PUC-Rio, os cerca de 40 alunos, matriculados neste semestre, apresentaram os trabalhos de conclusão do semestre. Em dupla, das 9 às 21h30, mostraram o processo de aproximação, envolvimento, diálogo e construção dos produtos criados por eles para a escola pública, mais especificamente para o dia a dia da sala de aula do professor.

Formação humana, design, criatividade e escola: mas afinal que história é essa? A cada semestre, os alunos do 2º período do curso de design são instigados por um quarteto de professores – Ana Branco, Luiz Vicente, Luciana Grether e Socorro Calhau – a cumprirem uma agenda detalhada de trabalho, cujo relatório final não deixa nada a dever a um estudo de campo de um mestrado ou doutorado.

A dinâmica começa da seguinte forma: cada aluno tem que percorrer quatro escolas da rede pública municipal de escolas do Rio de Janeiro, conhecendo a experiência de quatro diferentes educadores. Num segundo momento, os estudantes, já em dupla, escolhem um dos educadores com quem mais se identificam. Os universitários então marcam quatro encontros com a escola, com o objetivo de observar o dia a dia da sala de aula do professor. A intenção é descobrir de que forma eles podem ajudar, por meio da criação de um produto, a prática do educador. “Produto não, produto é resultado da produção industrial em série. É protótipo. E espero que assim seja sempre”, corrige a professora Ana Branco. Tem razão. Trata-se de uma construção de um protótipo único, diferente, pessoal e que tenha usabilidade, aplicabilidade na prática interativa entre professor e aluno.

A princípio, quatro encontros parecem ser poucos, mas, na prática, é tempo suficiente para que os universitários se envolvam com a professora e, é claro, com os estudantes.  Aliás, “não há opção de não se envolver”, avisa Amanda Lourenço, professora do Colégio Santos Anjos, na Cruzada São Sebastião, no Leblon, Rio de Janeiro, que foi este ano escolhida por uma das duplas.



Na observação feita na sala de aula, os estudantes recolhem as palavras ditas, repetidas e que fazem parte do contexto do professor. Contabilizam, no total, cerca de 200 palavras. Depois, com a ajuda do time de educadores da PUC, elaboram frases a partir da montagem das palavras. As frases são apresentadas aos professores das escolas. Estes, por sua vez, têm de selecionar uma frase, a frase que definiria o trabalho com a turma. A sentença final torna-se, então, o briefing, o espírito do trabalho do professor, no qual os universitários devem concentrar toda a energia de ação criativa e afetiva.

E como essa afetividade transborda. “Agradeço a experiência de viver o projeto, pois mostrou que criatividade não tem limites. Ser desafiado a questionar cada detalhe e agradecer todos os dias por um aprendizado novo gerou em mim um sentimento de ter fé de que sou capaz de me tornar não somente um bom profissional, mas também um ser humano melhor. Assim como os alunos da professora Amália, termino esse semestre feliz, pois aprendi a falar e a não desistir”, disse, emocionado, Antonio Duarte, ao apresentar, ao lado de Maria Miranda, o projeto.

A frase “Turminha gosta de música, livro, filme e origami que ajuda falar e não desistir”, escolhida pela professora Amália Araújo, responsável pela Sala de Leitura, do Ciep Agostinho Neto, localizado no Humaitá, foi o ponto de partida para o trabalho de Antonio e Maria. Como combinado anteriormente, os estudantes têm de criar cerca de 20 experimentos para serem utilizados pelos professores. Ao elaborarem e observarem o impacto dos protótipos na sala de aula, os alunos recriam, identificam a usabilidade e a pertinência ou não da ideia.

Depois, a partir do jogo do quente ou frio, onde o professor indica que tipo de experimentos mais lhe agradou no sentido de contribuir para sua prática, os universitários definem um caminho mais focado e iniciam novamente o processo de criação e aplicabilidade de protótipos. Um processo de idas e vindas, de não desistir, de encontrar uma boa solução.

“Nesta etapa final, construímos cenários para ajudar os alunos a falarem, montando suas histórias. Desenvolvemos um suporte em origami na forma triangular, feito de acetato transparente. Junto dele, produzimos também um conector do mesmo material na forma retangular. Para que as crianças criassem suas narrativas, foram feitas também ilustrações dos personagens do folclore brasileiro, tema recorrente na maioria das aulas da professora Amália”, explica Antonio e Maria.

Em paralelo, os universitários têm uma agenda a cumprir na faculdade, participando de oficinas oferecidas pelo curso. Bambu, tecido, arame são alguns deles. O que se aprende pode ser replicado.

Todo passo a passo tem de ser escrito, documentado e analisado pela dupla. Ao longo do semestre, os professores da disciplina vão trocando experiências e dialogando com os estudantes. Ao final, um relatório deve ser entregue com toda a evolução. No dia da apresentação, todo o processo é descrito. Mais importante do que o protótipo, que é doado para a professora da escola, é o processo que é valorizado.

“Os alunos saem prontos para qualquer desafio. E mais do que isso: é uma nova forma de pensar o papel do designer neste mundo descartável e de consumo. Os estudantes têm de pensar, observar e produzir um protótipo que faça sentido e tenha, de fato, usabilidade e pertinência para o trabalho do professor, isso faz toda diferença”, explica a professora Socorro Calhau.

Ganham os alunos. Ganha a educação. Para a professora Amália, que já foi escolhida três vezes para participar da proposta, a aproximação da universidade é bem interessante. No primeiro momento, ela confessa que estranhou a interface entre design e sala de aula. Mas logo percebeu a riqueza e a importância do projeto. “Fico feliz de participar e de ver surgirem protótipos personalizados, destinados à sala de aula. E além disso tudo, é um grande trabalho, um grande exercício de escuta do outro”.

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