Adesivos de família

Uma prática contemporânea de pertencimento. Leia a matéria,

Por Romulo Orlandini
Do site ComCiência 
 
Um Brasil que segue mudando constantemente, onde o modelo tradicional de família encontra cada vez menos espaço. Este é retrato das famílias brasileiras revelado pelo Censo 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e lançado em novembro do ano passado. Os dados mostram que os casamentos civis e religiosos vão, aos poucos, dando lugar às uniões sem vínculos formais nem com a Igreja ou Estado. Em 2000, 49,4% da população estava casada. Dez anos depois o número caiu para 42,9%. Já as uniões consensuais saltaram de 28,6% para 36,4% e o número de divorciados quase dobrou.
 
A representação dessas mudanças pode ser vista em lugares distintos, como nas novelas, literatura moderna e, em um fenômeno recente, nos adesivos colados nos veículos. Em uma palestra apresentada no III Seminário Cenas da Enunciação, em dezembro de 2011, na Unesp de São José do Rio Preto, a professora Ana Raquel Motta de Souza – integrante do grupo Festa (Fórmulas e estereótipos: teoria e análise) e pós-doutoranda na PUC São Paulo – identificou a prática de colar adesivos como uma sensação de pertencimento, uma necessidade de mostrar que não está sozinho no mundo ou que, mesmo sozinho, vive bem desta maneira.

Segundo ela, cada vez mais os espaços público e privado estão se entrelaçando, gerando novas formas de discursividades – sendo os adesivos de família um exemplo disso. “Um aspecto importante é que há o estereótipo da família (da ‘família feliz’, como também vêm sendo chamados esses adesivos), que teria uma constituição pré-determinada (pai-mãe-filho(s)-cachorro) e também o estereótipo de cada um dentro dessa família (a mãe com sacola de compras, o pai com pasta de executivo, o filho com skate, a filha com laço no cabelo, entre outros)”, apontou.

Em um curto período de tempo, de acordo com Ana Raquel, os adesivos ganharam uma complexidade que está além dos estereótipos clássicos, como um homem levantando pesos ou com espeto de churrasco na mão. Foi o início do processo de customização. “Começaram a aparecer famílias com dois homens, duas mulheres, cinco gatos, sete filhos, uma mãe e uma filha, apenas uma pessoa e seus animais de estimação, dentre várias outras combinações que surgiram”, contou a pesquisadora.

Outro elemento do rompimento com a família tradicional acontece nos adesivos que contêm humor, utilizado para recriar estereótipos. “Toda recriação passa por uma dessacralização de algo que será modificado. Acredito que o humor tem um papel forte aí, nessa dessacralização da família tradicional como única possibilidade. Ao mesmo tempo, não acho que quem representa sua família como um casal de duas mulheres e cinco gatos esteja ‘brincando”’. Está (a)enunciando sua família para a sociedade”, disse Ana Raquel.

Ela explica que mesmo que o adesivo seja totalmente alusivo a imagens de humor e não represente fielmente o retratado, como zumbis, personagens do jogo Super Mario Bros ou da série Star Wars, ele está mostrando que o dono daquele carro pertence a um determinado grupo ou é adepto a uma prática social. “Como o adesivo dos automóveis funciona como ‘primeira impressão’ – assim como a roupa da pessoa ou uma tatuagem que ela tenha na pele, por exemplo – nesses casos os estereótipos sociais estão muito presentes nos efeitos de sentido entre interlocutores, pois os estereótipos ancoram nossa organização de mundo e de identidades”, explicou.

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Fernanda Santos
Fernanda Santos
12 anos atrás

Estou procurando um adesivo que retrate a minha família, mas não o encontro. Não sei se é por falta de criativiade do mercado ou de representação da diversidade. Sou negra e uso penteado black power, meu marido com traços da etnia branca e meu entiado mestiço. Será que o mercado não nos vê?????

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