Pesquisar
Close this search box.

conheça o programa

Guia do uso seguro da web

Alunos da Escola Eliezer, Zona Sul do Rio, constroem documento. Coordenadora Marcia Stein conta detalhes do projeto.

Por Marcus Tavares

Como usar a internet e as redes sociais de forma responsável? Parte dos alunos do Ensino Fundamental da Escola Eliezer, Zona Sul do Rio, já respondeu à pergunta e criou, inclusive, uma espécie de estatuto, com dicas e regras definidas em comum acordo. O trabalho foi desenvolvido durante o segundo semestre do ano passado. A proposta partiu da equipe pedagógica, mas foi muito bem recebida pelos pais.

Coordenadora pedagógica do Ensino Fundamental, a jornalista e professora Marcia Stein, autora do livro Ensinar e aprender no século XXI, conta que o trabalho, desenvolvido em dois meses, foi apenas um pontapé inicial, que contou também com a participação dos professores. “Esse projeto envolveu alunos do 4º ao 6º anos, ou seja, crianças de 9 a 12 anos. Nos surpreendemos positivamente com a maturidade com que muitas crianças argumentaram, mostrando que não são tão ingênuas como às vezes pensamos que são”.

Acompanhe a entrevista concedida pela professora para a revistapontocom:

revistapontocom – A relação das crianças com a internet/com as redes sociais deve ser um tema a ser trabalhado na e pela escola? Por quê?
Marcia Stein – Sem dúvida. Cada vez mais, a escola é chamada para dividir com a família a responsabilidade de mediar as interações de crianças e jovens com a arte, a cultura e os meios de comunicação, de modo a orientá-los e ajudá-los a desenvolver recursos de expressão, pensamento crítico e autonomia para fazer escolhas responsáveis e criteriosas, ao selecionar o que acessar e como ‘ler’ conteúdos.

revistapontocom – As famílias dos estudantes estão atentas a esta relação criança/internet/redes sociais? Deveriam? Como as escolas podem cooptá-las, se for o caso?
Marcia Stein – Generalizar é sempre perigoso, há famílias e famílias. Na nossa experiência, considerando um contexto de escola particular, na Zona Sul do Rio, com um público-alvo de classe média alta, o que aparece é uma comunidade atenta e preocupada, querendo estar presente – mais do que podendo ou sabendo como fazer isso. Pedem respostas e soluções prontas que não existem. Respostas e soluções que todos nós, famílias e educadores, estamos sendo convocados a construir em parceria. O projeto que propusemos envolvia essas premissas: parceria e ação conjunta em casa e na escola, com o objetivo de conversar com a garotada sobre as oportunidades que a internet oferece, mas também os desafios e mesmo os perigos. Falamos sobre critérios de qualidade, critérios de busca e seleção de conteúdo, adequação ou inadequação do conteúdo, abuso, propaganda, persuasão, e chegamos a abordar abertamente temas difíceis como pedofilia, bullying e violência. Foram conversas abertas, embora sempre cuidadosas, sem que quiséssemos dizer “isso é bom e isso é ruim” ou “façam isso e não façam aquilo”. A ideia era motivar a pensar, questionar, agir com respeito e responsabilidade, escolher com autonomia.

revistapontocom – Quais são os principais ‘problemas’ que o uso da internet/redes sociais pelas crianças impactam o dia a dia da escola?
Marcia Stein – No nível da aprendizagem e da construção de conhecimentos, a pretensa e ilusória ‘facilidade’ que a internet promete: conteúdos infinitos, entretenimento fácil e rápido. O mundo e a escola em que nós adultos, hoje com mais de 40 anos, crescemos, embora já com a realidade da televisão e da comunicação de massa, ainda oferecia muitas possibilidades de acesso a conteúdo denso, profundo, e demandava uma postura mais ativa e reflexiva do consumidor de informação. Atualmente, o “corta e cola” seduz e a mensagem é clara: para que pesquisar, ler livros e produzir conteúdo original se está tudo pronto a um clique de distância? No âmbito social, os próprios alunos, já a partir de oito, nove anos, queixam-se muito de postagens desrespeitosas dos colegas. O termo da moda, bullying, está na boca da meninada, que agora ganhou uma palavra para definir seus incômodos e impasses no campo das relações sociais.

revistapontocom – O que motivou a coordenação do Ensino Fundamental da escola a propor a criação do estatuto do uso responsável e seguro das redes sociais?
Marcia Stein – Esse sentimento de que as redes sociais virtuais, em seus bons e maus aspectos, são uma realidade importantíssima na vida das novas gerações e, como tal, representam um desafio a enfrentar, compreender e aproveitar, para pais e educadores. Escolhemos os três movimentos: enfrentar: colocando nossos limites e regras claras; compreender: refletindo em conjunto com pais e alunos sobre desafios e oportunidades trazidos pela internet; e aproveitar: construindo, em equipe, estratégias pedagógicas que permitam entender os computadores, celulares, ipads, games e redes sociais como aliados de uma escola dinâmica, atual e muito mais divertida, desafiadora e interessante para os alunos.

revistapontocom – Mas foi uma demanda da própria escola ou dos pais?
Marcia Stein – Inicialmente, foi uma iniciativa nossa, mas desde o primeiro momento muito bem recebida e comemorada pelos pais, que querem e precisam de ajuda, de orientação, pois declaradamente não estão sabendo como lidar com esse desafio.

revistapontocom – Como foi realizado o trabalho?
Marcia Stein – Durante cerca de dois meses, estabelecemos encontros semanais com cada turma. Num primeiro momento, realizamos uma pesquisa individual, percebendo e identificando a relação das crianças com a internet e com as redes sociais. Depois, começamos a discutir questões gerais, como horas livres na web, segurança na internet e bullying. Os temas acabavam surgindo sem que tivéssemos que impor o debate. A partir das discussões, começamos a construir o guia. Em grupos menores, as crianças foram instigadas a pensar e a refletir sobre o uso responsável e seguro. Uma das questões que mais nos chamaram a atenção foi o fato de que as crianças acreditam que sabem lidar com todos os desafios e ou problemas que a rede pode proporcionar. Além disso, verificamos também como a atual geração de crianças tem um discurso muito forte de privacidade. Crianças de seis, sete anos falam que não precisam da ajuda de pais e ou responsáveis. E mais: que precisam de privacidade, o que fica claro na não divulgação da senha de acesso às redes sociais. Estamos fazendo uma revisão no documento, no guia, mas tão logo fique pronto, vamos divulgá-lo em nosso site.

No guia, as crianças dizem como acham que os pais podem ajudá-las na navegação na web. Por exemplo: criar para as crianças perfis em redes sociais, ter acesso às senhas dos filhos, baixar atualizações de anti-vírus e impor limites.

Na seção”o que está proibido na internet”, a garotada, entre outros pontos, lista: postar fotos inadequadas, estragar a imagem dos outros, fazer bullying, xingar os amigos, se expor fisicamente e fazer ameças a amigos.

revistapontocom – Como os professores, os alunos e os pais avaliaram o projeto?
Marcia Stein – Foi um embrião, uma primeira etapa. Sabíamos que em dois meses não atingiríamos o aprofundamento necessário, por isso apresentamos a proposta como um pontapé inicial de um processo que precisa ter continuidade. Feita esta ressalva, a avaliação foi bastante positiva para a maioria dos envolvidos, entre alunos, professores e famílias.

revistapontocom – Ao elaborar o estatuto com as crianças, a escola espera controlar o que crianças e jovens fazem na internet dentro e fora da escola?
Marcia Stein – Como estava dizendo, queríamos provocar reflexão e debate. Vamos seguir com esses propósitos. Não queremos controlar, acreditamos que promover o amadurecimento e a conquista da autonomia por parte dos alunos usuários das mídias digitais (ou das mídias em geral) é protegê-los de modo bem mais eficaz e duradouro do que por meio de sanções, proibições ou censura.

revistapontocom – Em sua avaliação, o que seria o uso responsável e seguro da internet/redes sociais?
Marcia Stein – Ser um internauta consciente, autônomo e crítico. Saber construir seus próprios critérios de qualidade, de seleção de conteúdo. Saber buscar e pesquisar com paciência e determinação. Saber construir sua própria pauta de interesses. Saber que nem todo site é confiável, nem todo conteúdo é adequado. Entender que não se deve expor sua vida pessoal nem a de seus amigos na rede. Que é preciso se preservar e não se aproximar de desconhecidos na rede. São alguns critérios, entre outros tantos.

revistapontocom – O que a coordenação do Ensino Fundamental do Eliezer vem aprendendo com este trabalho?
Marcia Stein – Esse projeto envolveu alunos de 4º ao 6º ano, ou seja, crianças de 9 a 12 anos, e foi possível surpreender-se positivamente com a maturidade com que muitas crianças argumentaram, mostrando que não são tão ingênuas como às vezes pensamos que são. Eles nos mostraram que sabem muita coisa sobre o universo virtual e que podemos aprender com eles. Por outro lado, conseguimos mostrar a eles que todo cuidado é pouco se queremos continuar usar esse recurso fantástico de nosso tempo de modo a potencializarmos seus benefícios e minimizarmos seus riscos e perigos. O caminho é longo, e queremos ir em frente, lado a lado com alunos e suas famílias. Afinal, não esse um dos compromissos da escola, o de preparar os jovens cidadãos para extrair o melhor dos recursos tecnológicos de seu tempo?

Faça aqui o seu cadastro e receba nossa news

0 0 votes
Avaliação
Subscribe
Notify of
guest

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

2 Comentários
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Josefina
Josefina
11 anos atrás

Matéria muito bom. Vai de encontro aquilo que penso sobre o uso das redes e internet na atualidade. As crianças inseridas neste universo desde cedo, recebendo informações sobre o uso destes meios, começa a interagir de forma mais saudável e segura, o que diminui a tensão com relação “ao perigo” a que estão expostas. A pesquisa coloca a criança num patamar de inteligencia, autoria e autonomia bastante pertinente, pois a criança da atualidade recebe muitas informações, de diferentes meios, e desta forma, ela constroe sua critica. O importante é a escola dar voz e vez a criança, com projetos que coloque-na como autor e não mero ouvinte.

Thelma Polon
Thelma Polon
11 anos atrás

Sem dúvida, um trabalho que precisa ser continuado e ampliado para demais segmentos escolares. Parabéns, Marcia Stein e pessoas da escola que ajudaram nisso!

Categorias

Arquivos

Tags

Você pode gostar