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O estudo da narrativa do século XXI

Julia Stateri coordena o projeto e-storias, aberto aos interessados na internet

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Por Marcus Tavares

Cinema na era digital, comunidades virtuais, jornalismo online, videogames e literatura. Estes são alguns dos campos de pesquisa do grupo de estudos e-storias. O objetivo principal é discutir, pesquisar e refletir sobre as narrativas que hoje são desenvolvidas face ao mundo digital. Vinculado, inicialmente, à Universidade Presbiteriana Mackenzie, o grupo hoje está aberto para a participação, via internet, de qualquer pessoa interessada no tema.

“Estudar as narrativas nos ajuda a compreender um pouco mais de nós mesmos, nossas histórias, a origem do que somos e a necessidade de pertencer a algo que compartilhamos com cada um de nossos semelhantes. Todo o processo narrativo vem explicar porque e como nos expressamos”, explica Julia Stateri, fundadora e coordenadora do grupo.

Acompanhe a entrevista:

revistapontocom – O que é o e-storias? Qual é o objetivo do projeto?
Julia Stateri
– O e-storias é um grupo de pesquisa. Suas atividades começaram no segundo semestre de 2008 e continha, dentro de si, um grupo de estudos com o mesmo nome. Este grupo era vinculado à Universidade Presbiteriana Mackenzie e tinha o professor Wilton Azevedo, como coordenador. Os membros se reuniam a distância. Contávamos também com alguns pesquisadores do Rio de Janeiro e de São Paulo. Por meio de fóruns, foram produzidos alguns esboços de artigos sobre narrativas digitais nas mais diversas áreas, como jornalismo, direito e hipermídia. Paralelamente a esse trabalho, entrevistamos profissionais que, de alguma forma, contribuíram para a pesquisa sobre hipermídia ligada às narrativas. Tudo isso resultou no DVD multimídia do e-storias. Hoje, o grupo, devido ao vínculo que tive com o Mackenzie durante o curso de mestrado, já não existe mais. Entretanto, ele continua de maneira independente, contando com participações e discussões através de um grupo no Google (http://groups.google.com.br/group/e-storias_narrativasdigitais) e com publicações no site www.e-storias.org. Nosso objetivo continua o mesmo: pesquisar as novas expressões das narrativas no meio digital, seu impacto no comportamento individual e social, sempre buscando orientar as discussões para um propósito construtivo, produzindo conhecimento.

revistapontocom – Neste sentido, o que o grupo vem percebendo sobre o impacto da  web na narrativa dos dias de hoje?
Julia Stateri
– As mídias influenciam nossas vidas. Desde a própria comunicação oral – inclusive os boatos (que durante muito tempo foram o único meio de transmissão de notícias) – até os videogames, passando pelo livro, pelo rádio, televisão e internet. A melhor maneira de mensurar o impacto da internet em nossas vidas é nos imaginarmos hoje sem ela. Algumas pessoas chegam a se sentir totalmente dependentes dos seus perfis virtuais e de suas atividades online. Mais especificamente, quando se trata das narrativas, foram numerosas as mudanças decorrentes das inovações tecnológicas ao longo dos anos. Quando surgiu a escrita, como recurso de memorização, a nossa fala pôde ganhar profundidade e, mais tarde, quando os livros impressos se popularizaram, fomos capazes de compartilhar os pensamentos expressos pelos mais diversos autores. A internet faz parte do mesmo processo. Atualmente, não apenas somos capazes de compartilhar das mesmas ideias e compreender os pensamentos expressos pelos autores textuais, visuais ou multimídia. Hoje, nos tornamos também co-autores e autores. Podemos formular ideais e disponibilizá-los para que qualquer pessoa possa contemplá-los. Em muitos casos, estas pessoas podem ainda alterar o que deixamos expresso, se tornando co-autoras numa grande narrativa coletiva.

revistapontocom – Os jogos eletrônicos também participam dessa nova dinâmica de narrativa?
Julia Stateri
– No caso dos games é raro termos a chance de criar jogos para outros jogadores poderem jogar, como se tudo isso fosse muito simples. De fato, tudo depende de um código, como um dia dependemos da apreensão do código escrito para ler e nos comunicarmos dessa forma. Mas os jogos de videogame também expressam as narrativas de um grupo: aquele que o compôs. Algumas vezes, a narrativa está ali oculta sob uma série de funcionalidades, mas ela está lá. Particularmente o ponto chave da narrativa nos videogames que me interessa é aquele no qual o jogador pode se tornar também um autor. Mas isso é ainda bastante controverso, já que soluções paliativas são apresentadas o tempo todo. Até agora não existe realmente um videogame que permita a criação narrativa por parte do jogador de modo que ele possa se expressar e encontrar, em jogo, respostas adequadas aos seus anseios. Se você pensar na tecnologia que temos disponível atualmente, tudo ainda é feito de forma muito rudimentar.

revistapontocom – Esse impacto se dá mais na narrativa das crianças e dos jovens ou de todos nós?
Julia Stateri
– Somos todos influenciados pelas modificações nas narrativas. As crianças e os jovens sentem um pouco menos essa atualização, pois fazem uso destes novos meios ao mesmo tempo em que aprendem os códigos tradicionais da escrita. Já os adultos e idosos sentem, claramente, um pouco mais as diferenças por estarem acostumados aos códigos tradicionais e precisarem se atualizar em interfaces inteiramente novas com seus respectivos códigos. Piaget já nos explicou que tanto os adultos quanto as crianças possuem uma necessidade de apreensão surgida pelo desejo de conhecer, o interesse por alguma coisa (seja um jogo ou algum outro conhecimento). A diferença está na maneira como a criança apreende informações, ainda sem barreiras construídas pelas experiências negativas ou pela noção do certo e errado. Essa noção e essas barreiras vão se construindo até a adolescência, quando o caráter ainda está em formação. É somente quando nos tornamos adultos que temos noções firmes. É com essas noções que construímos nossas respectivas barreiras (algumas herdadas dos modelos sociais aos quais fomos expostos). Para as crianças e jovens, é mais fácil, portanto, aprender, pois não existe um condicionamento de que errar é algo ruim. Ao nos tornarmos adultos, acabamos instituindo que errar é algo vergonhoso, tanto que raramente admitimos que desconhecemos algum assunto por temer que isso seja um sinal de fraqueza. Na nossa velhice, essa característica tende a se acentuar ainda mais.

revistapontocom – É possível descrever o que é narrativa digital? Quais são as suas características?
Julia Stateri
– A dificuldade está mais em definir o que é narrativa do que delimitar o meio digital. As narrativas estão presentes na vida dos seres humanos desde o instante em que eles passaram a buscar significação para sua própria existência, compondo uma ordem que lhes desse a sensação de interação. Assim, as narrativas digitais nada mais são do que uma etapa da expressão dessa narrativa que já foi oral, textual, visual e sonora. Talvez a maior característica da narrativa digital seja justamente o fato de que ela pode se apresentar em uma mídia que traduz todas essas expressões, como é o caso da hipermídia, que ainda possibilita a conexão entre outros objetos de expressão. Não necessariamente as narrativas digitais precisam apresentar todas essas expressões para receber esse nome. Algumas são puramente textuais, embora estejam num ambiente virtual, o que ainda possibilita uma facilidade em sua modificação e atualização de sentido (se o autor assim desejar).Mesmo assim, o texto passa a ser visto de uma nova forma, digitalmente, dadas as ferramentas que envolvem sua composição. Estas ferramentas tornam simples e dinâmico o processo de construção coletiva e atualização de sentido. Coisa que há alguns anos era feita apenas através de manuscritos enviados pelo correio.

revistapontocom – Essa narrativa digital vem ocupando, aos poucos, outros espaços, como a escola, o trabalho, as relações humanas?
Julia Stateri
– Com certeza. O meio digital possibilitou que as narrativas fossem compostas para os mais diferentes propósitos, inclusive para o aprendizado. Entretanto, embora se tenha acesso a uma grande parte de informação para formar o repertório da narrativa, nem sempre esta informação provém de uma fonte confiável. Isso afeta diretamente a maneira como o professor leciona, dada a necessidade de se instituir, desde muito cedo, nos alunos um pensamento mais crítico. Os professores ainda precisam tomar cada vez mais cuidados na correção de trabalhos compostos em ambiente virtual, para evitar questões de plágio. No caso dos relacionamentos, as narrativas têm sido usadas para contar verdadeiras histórias sobre a vida pessoal de muitas pessoas, graças a facilidade de acesso das comunidades virtuais. Enquanto que as comunidades possibilitam a aproximação das pessoas, esta aproximação muitas vezes se dá fundamentada em informações fictícias das quais o autor lança mão para compor seu perfil virtual, quase como se estivesse desenvolvendo uma personagem ou um avatar para representá-lo. Não é de hoje que as narrativas contam histórias ficcionais ou defendem ideologias mentirosas. Os livros mentem. Essa é uma constatação que ainda hoje é muito difícil de ser aceita por grande parte das pessoas. Livros são escritos por pessoas, com suas ideologias e aspirações, com seus pontos de vista. A verdade apresentada num livro pode não ser a verdade defendida por outras pessoas. Como poderia então a narrativa digital fugir desta característica ideológica herdada de outras narrativas? O problema está no fato das pessoas acreditarem no que é disposto como verdade e investirem seu tempo e esforço para se relacionar com alguém ou algo que acreditam ser crível. Tudo exige um pouco de exercício crítico por parte dos receptores dessas informações.

revistapontocom – Por que é importante estudarmos esse tema?
Julia Stateri
– Estudar as narrativas nos ajuda a compreender um pouco mais de nós mesmos, nossas histórias, a origem do que somos e a necessidade de pertencer a algo que compartilhamos com cada um de nossos semelhantes. Todo o processo narrativo vem explicar porque e como nos expressamos. Acompanhar este processo nos permite seguir as modificações de nossos anseios, sejam eles funcionais, individuais ou políticos. Primeiramente, o poder da narrativa era relegado aos oradores e aos escritores, conquistar a autonomia nesses códigos resgata a nossa subjetividade. Atualmente, esses códigos encontram-se em transição para o meio digital. Dificilmente os códigos anteriores desaparecerão um dia. Continuaremos falando, escrevendo, publicando livros (talvez em outros suportes, mas sob a mesma forma). Mas é só pararmos para analisar um instante a situação da democratização da informação para vermos que continuamos enfrentando a mesma gama de problemas. Ainda existem pessoas que não sabem ler e por isso estão limitadas a uma esfera social bastante restrita. O nosso problema é a compreensão do código. E o meio digital instituiu muitos. Assim, compreender as narrativas digitais nos ajuda a compreender o processo pelo qual lutamos para exercer autonomia na Era da Informação.

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