Por Marcus Tavares
No país em que muitos jovens nunca foram ao cinema e que pouquíssimas produções retratam de fato suas realidades, a proposta da cineasta Rosane Svartman é, no mínimo, oportuna. Desde o início do ano, Rosane vem dialogando com estudantes do Ensino Médio sobre o seu próximo longa: Desenrola, o filme. De sala em sala, ela lê com os adolescentes o roteiro da obra. Apresenta os personagens e a trama. Abre espaço para discussões e opiniões. O roteiro original já se foi. A cada escola, novas interpretações e orientações. A cada escola, um novo texto.
“Não temos, aqui no Brasil, uma tradição de produzir longas para os jovens, para uma faixa etária dos 13 aos 18 anos. O nosso filme é exatamente para este público. Sentimos então a necessidade de conversar com este grupo. Não dá para falar com esta garotada sem escutar o que ela tem para dizer, sem entender o que ela pensa. Daí surgiu a ideia de ler o roteiro com os jovens”, explica Rosane.
Pelas contas da diretora, mais de vinte escolas – do eixo Rio-São Paulo – já foram visitadas. Geralmente, Rosane conversa com uma turma, colhendo análises e observações. O material é rico, diversificado e autêntico. “Já tivemos sugestões de novos direcionamentos de conteúdo e de personagem. Algumas coisas batem com que já tínhamos em mente, outras não. Por isso, o processo é bastante instigante e interessante”, destaca.
Processo que deve ganhar mais colaborações. Aproveitando-se das potencialidades da internet, a equipe de Rosane acaba de colocar no ar um site sobre o filme que tem o objetivo de continuar escutando e recebendo as opiniões dos jovens sobre o roteiro. Desta vez, o adolescente de qualquer canto do país poderá fazer valer sua voz. “Quero que o jovem se identifique com o filme antes mesmo de ele chegar às telas”, explica a diretora.
Desenrola, o filme – cujas gravações devem começar em julho – fala sobre as ‘primeiras vezes’ dos adolescentes: a primeira vez no campo do sexo, do estudo, da carreira, do emprego, das responsabilidades etc. Segundo Rosane, o longa foi inspirado na série de TV Quando éramos virgens, que deu origem, inclusive, ao livro homônimo, editado pela Casa da Palavra.
Alunos do NAVE opinam sobre o filme
A turma de roteiro do Colégio Estadual José Leite Lopes, do NAVE (Núcleo Avançado de Educação), foi uma das que já leu e opinou sobre a história do filme da diretora Rosane Svartman. A revistapontocom conversou com alguns alunos. Eles gostaram da proposta de participar do processo, que julgaram oportuno e, de certa forma, bastante marketeiro. “Foi muito legal. A gente pôde opinar, discutir e sugerir. Com certeza, isso fará com que os jovens queiram assistir ao filme quando estrear. Essa escuta não deixa de ser também um marketing para atrair a nossa atenção”, analisaram as estudantes Yasmin Getirana G. Moreira, Stella Ferreira da Silva, ambas de 15 anos; e Lorena Lima Coelho, de 16.
Segundo as jovens, os filmes brasileiros estão carregados de clichês, de estereótipos. Na opinião delas, o enredo é sempre o mesmo: violência e pobreza, muitas vezes tendo como pano de fundo a favela. “Tudo bem que isso faz parte da nossa realidade, mas não há outras histórias para serem contadas?”, também indaga Rafael Leon Medeiros de Melo, de 16 anos.
Para os estudantes, o cinema pode até trabalhar com estereótipos, mas seus produtores e diretores não devem esquecer o quanto suas histórias influenciam as pessoas. “É preciso que se tenha responsabilidade social”, dizem em coro.
Como crítico da sétima arte, o grupo vai ainda mais fundo em suas análises. Os jovens questionam o fato de as produções terem como público-alvo as crianças ou os adultos, raramente os adolescentes, que, segundo as pesquisas, são os que mais vão ao cinema. “A gente não se vê na tela. Para os adolescentes, só há filmes estrangeiros. É uma realidade que não é nossa”, destaca Lorena Lima Coelho.
Para Yohanna de Moraes Guimarães, de 16 anos, se os produtores e diretores quiserem ganhar dinheiro, basta rodar filmes bem estereotipados e cheios de clichês. “Mas se querem inovar, devem fazer algo mais interessante e instigante para a nossa geração”, completa.
A teoria e a prática na sala de aula
A professora Patricia Aguiar, que ministra aulas de projeto de produção no NAVE e coordena as oficinas integradas, destaca que a troca de experiências entre os alunos e os profissionais do mercado de trabalho é rico para ambas as partes. “Não foi a primeira vez que profissionais do grande mercado estiveram na escola dialogando e trocando experiências. Isso é bastante interessante, pois os estudantes acabam percebendo que os ensinamentos que passamos na sala de aula estão ligados diretamente com a prática diária. É mais uma oportunidade que eles têm de tirar dúvidas, levantar questões e aprender”.
A leitura do texto do longa, por exemplo, rendeu muito mais do que um simples encontro com a roteirista. De acordo com Patricia, os alunos propuseram a leitura de todo o roteiro nas aulas seguintes, o que possibilitou novas questões, discussões e aprendizagens.
“Trabalhar no NAVE é uma experiência interessante, pois trata-se de uma escola onde os alunos têm a oportunidade de trabalhar, em horário integral, sobre e com as novas tecnologias que estão na pauta do nosso dia-a-dia. Estudantes que têm a oportunidade de investir em carreiras de ponta”, destaca Patricia.
Desenrola, o filme
– Roteiro
Rosane Svartman e Juliana Lins
– Colaboradores
Diego Miranda
Gustavo Bohrer
Lucas Waltenberg
– Consultoria
Paulo Halm
Só para dizer que a experiência de leitura no NAVE, até por serem alunos de roteiro, foi especialmente instigante.Várias das observações influenciaram objetivamente o processo do roteiro, especialmente a discussão sobre gravidez na adolescência. Fiquei impressionada com as colocações tão lúcidas e as sugestões, ótimas. Obrigada.Outra coisa interessante, mas aí é sobre as leituras de modo geral, é perceber as diferenças, mas principalmente as semelhanças entre jovens de escolas públicas, privadas, de São paulo e do RIo. Mais, perceber a semelhança entre gerações, me identifiquei com muitas das opiniões e relatos dos alunos nesse período de tantas descobertas.
Basta estarmos abertos ao que os adolescentes tem a dizer para reconhecermos, em nós mesmos, a “adolescência” que ficou pra trás, contudo, as influências dessa fase marcam o nosso presente como “adultos”.
E quem sabe, a partir dessa olhada no espelho, não reconstruimos a imagem que temos do adolescente, que carrega até no nome o estigma do ado(les)cer, do patológico, do problema; isso tudo associado à característica do crítico, do que questiona o real estado de coisas, e portanto, incômodo!
Construir a capacidade de se relacionar com a diferença é um aprendizado que retiramos dessa experiência. Temos muito a aprender com os adolescentes, a ensinar também…
Podemos mudar o mundo mudando uma geração de adolescentes!
Vamos ouví-los, abrir vez, construir juntos.
Alexandre Nascimento – Niterói / RJ
[revisando o comentário anterior…]
Pude acompanhar a leitura do roteiro no CEJLL/NAVE e foi interessante perceber o quanto ele se mostra interativo para o jovem da faixa etária proposta. Mesmo não tendo tido a oportunidade na ocasião de conhecer o roteiro na sua inteireza, eles apresentaram alternativas e soluções para os conflitos apresentados.
Parabéns à Rosane e à Patricia pela iniciativa, e que venha o filme!
Tive a oportunidade de acompanhar a leitura do roteiro no CEJLL/NAVE e foi interessante perceber o quanto ele se mostra interativo para o jovem da faixa etária proposta. Mesmo não tendo tido a oportunidade na ocasião de conhecer o roteiro na sua inteireza, eles apontaram soluções e apresentaram soluções para os conflitos apresentados. Parabéns à Rosane e à Patricia pela iniciativa, e que venha o filme!
Muito interessante a construção de uma mercadoria para ser vendida aos jovens desinformados.