Pesquisar
Close this search box.

conheça o programa

O direito autoral no século XXI

Sérgio Júnior, advogado da FGV-Rio, conversa sobre o tema 

6-sergio-vieira-branco-foto-de-alberto-jacob-filho.JPG

Por Marcus Tavares

Em um mundo em que crianças e jovens, cada vez mais, têm acesso a uma infinidade de imagens, sons e conteúdos através da internet; em um mundo em que a garotada tem acesso aos meios de produção da informação, sejam as câmeras dos celulares, os blogs, os softwares livres e as redes de relacionamento; e em um mundo em que o protagonismo infanto-juvenil é valorizado, como fica a questão do direito autoral?

Afinal, estamos diante de uma geração que já nasceu em uma nova ordem cultural e que não vê problema em copiar uma música do CD para o MP3 ou simplesmente baixá-la da web; em gravar programas de TV e postar no YouTube ou no blog; em rechear suas páginas no Orkut com fotos e textos que copia e cola indiscriminadamente; ou ainda em comprar um DVD pirata na esquina (lembram-se do sucesso do filme “Tropa de Elite”?).

Para as crianças e jovens dos dias de hoje, essas ações são banais, simples e cotidianas. Já fazem parte da sua normalidade. Mas para a atual legislação brasileira de direito autoral, datada de 1998, parecem ser atos ilícitos. O assunto é bastante polêmico e envolve, na verdade, toda a sociedade.

Leia a entrevista com o advogado Sérgio Vieira Branco Júnior, da Fundação Getúlio Vargas, autor do livro “Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias”.

Acompanhe:

revistapontocom – Por que se fala tanto nos dias de hoje sobre o direito autoral?
Sérgio Branco
– Há vinte anos, o direito autoral servia apenas para quem produzia cultura, ou seja, basicamente, para quem tinha uma editora, uma gravadora, uma produtora. A maior parte da população vivia sem precisar se preocupar com direitos autorais. No entanto, com o surgimento da internet, a forma de se ter acesso às obras intelectuais mudou, bem como a forma de se produzir e distribuir cultura. Qualquer pessoa hoje em dia conectada à internet pode ter acesso a praticamente qualquer obra protegida por direito autoral, bem como pode modificar essas obras, criar suas próprias obras e distribuí-las. Há, como nunca antes, a grande democratização do conhecimento.

revistapontocom – Este cenário que o senhor descreve tem tudo a ver com o dia-a-dia das crianças e dos jovens, não é mesmo?
Sérgio Branco
– Tudo a ver. Crianças e jovens são certamente a camada da população que mais acessa a internet. Ao contrário da geração anterior que estava presa ao meio físico, os jovens de hoje podem ter contato praticamente instantâneo com qualquer obra intelectual que desejem, e vão continuar fazendo isso independentemente do que diga a lei. Na verdade, o acesso à internet permite o desenvolvimento da criatividade. Além disso, creio que o processo de aprendizagem necessariamente passa por aí. Um projeto educacional atual que não inclua a internet é, na minha opinião, inevitavelmente ultrapassado.

revistapontocom – E ultrapassada então também está a atual legislação de direito autoral?
Sérgio Branco
– O direito autoral foi construído em cima de conceitos do século XIX, tanto que hoje em dia a Convenção de Berna, de 1886, serve de base para as legislações de quase todos os países. Mesmo a Convenção de Berna tendo sido atualizada diversas vezes ao longo do século XX, sua última revisão data de 1971, ou seja, quando o mundo ainda era outro. O modelo de direito autoral vigente é absolutamente incompatível com a sociedade contemporânea.

revistapontocom – O Brasil, em particular, está bastante atrasado nesta discussão?
Sérgio Branco
– Acho que estamos em um momento de crise, já que a lei antiga não serve mais e não temos ainda uma lei nova que sirva a contento. Mas esse problema não é só do Brasil. Trata-se de um problema mundial. De toda forma, há países que encontraram soluções melhores do que as nossas.

revistapontocom – O que deveria ser revisto na lei de direito autoral brasileira?
Sérgio Branco
– A lei de direitos autorais de 1973 permitia uma cópia privada de cada obra. Justo em 1998, quando já existia a internet, que facilitou muito o acesso e a cópia, a nova lei de direitos autorais (que é desse mesmo ano) passou a aceitar apenas a cópia de pequenos trechos. Isso não só não faz sentido no mundo de hoje como padece de total falta de efetividade. Acredito que a primeira medida a se tomar seria – no mínimo – voltarmos à redação da lei de 1973. Além disso, as limitações e exceções previstas na lei, ou seja, as hipóteses em que as obras podem ser livremente usadas, independentemente de autorização do autor, são absolutamente insuficientes e precisariam ser alteradas para incluir acesso a obras fora de circulação comercial, uso livre da obra para fins didáticos, para conservação, entre outros.

revistapontocom – Estamos longe dessas mudanças?
Sérgio Branco
– Mudar uma lei no Brasil é algo muito difícil. Há alguns projetos tramitando no Congresso Nacional, mas as mudanças necessárias são muitas e muito profundas.

revistapontocom – Quando as crianças e os jovens baixam uma música da internet, copiam e colam um texto ou uma foto elas estão cometendo algum tipo de crime?
Sérgio Branco
– Não. A lei de direitos autorais brasileira é uma das mais restritivas do mundo e não se encontra ajustada às novas tecnologias. De certa maneira, quando alguém “baixa” uma obra pela internet, provavelmente está violando direitos autorais – a menos que a obra esteja em domínio público ou tenha sido disponibilizada com autorização do autor. Mas isso não é crime. Se você interpretar o código penal de modo a incluir essa conduta como crime, então teremos a calamitosa situação de uma sociedade inteira que pratica crimes diariamente, e por isso entendo que juridicamente essa interpretação é inaceitável. Além disso, quando analisamos as leis de diversos outros países, podemos observar que são inúmeros os casos em que obra intelectual protegida por direitos autorais pode ser copiada na íntegra para fins educacionais, para fins de conservação, para uso em ONGS, asilos, presídios. Nossa lei não prevê nada disso. Por isso pergunto: quando a população brasileira faz cópias para uso privado, para fins educacionais ou de conservação, por exemplo, temos uma sociedade agindo à margem da lei ou temos uma lei que está à margem das demandas sociais? A resposta me parece óbvia.

revistapontocom – O que devemos/podemos fazer até a aprovação ou a adequação de uma nova lei?
Sérgio Branco
– As pessoas têm se valido mais de soluções sociais do que legais. O Creative Commons é uma ótima solução, embora dependa da adesão do autor. Além disso, novos modelos de negócio, como o tecnobrega, têm mostrado alguns caminhos que podem ser seguidos pela sociedade, já que a lei ainda é muito restritiva.

Saiba mais

– Leia o livro Cultura Livre, de Lawrence Lessig. A obra pode ser baixada gratuitamente

– Creative Commons: o que é e como funciona. Acesse o site

– Tecnobrega: a música paralela. Conheça essa história

– Blog sobre direito autoral do Ministério da Cultura

Faça aqui o seu cadastro e receba nossa news

0 0 votes
Avaliação
Subscribe
Notify of
guest
1 Comentário
Newest
Oldest Most Voted
Inline Feedbacks
View all comments
Hellem Carvalho
Hellem Carvalho
6 anos atrás

Youtubers laçam em alguns casos, covers de músicas famosas, utilizam imagens de games e filmes, fazem parodias de programas televisivos sem necessariamente pagar os direitos autorais. São considerados plagiadores?

Categorias

Arquivos

Tags

Você pode gostar