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Gustavo Gindre

Caríssimo, antes de entrar no mérito da questão, cabe fazer quatro comentários a respeito de opiniões que já estão circulando na grande mídia. Em primeiro lugar, não se trata de “censura” e quem fala isso, infelizmente, não tem a menor idéia do conceito. “Joga pra galera”, apenas. Censura é a priori. Na redação fica um sujeito que, em nome do poder ditatorial, decide o que vai, ou não, ao ar. Controle é a posteriori. As regras são definidas e as emissoras são livres para segui-las ou não. Como qualquer um na sociedade (por que seria diferente com as emissoras?), estas terão que responder pelos seus atos. Se descumprirem as regras, pagarão as penas previstas na legislação.

Em segundo lugar, é fundamental lembrar que as emissoras de TV aberta trafegam por um meio que não lhes pertence. O espectro eletromagnético é um bem público e as emissoras possuem apenas uma outorga de concessão. Portanto, nada mais justo que o dono do espectro (o público), através de suas instituições democraticamente eleitas, decida qual uso deseja dar para o seu patrimônio.

Em terceiro lugar, já se tornou rotina que, uma vez ameaçados os privilégios dos donos das emissoras, apareça na grande mídia uma série de prepostos destes senhores para defende-los. Recebem salários da grande mídia, falam nos órgãos de imprensa da grande mídia, defendem os interesses da grande mídia. Mas, querem que acreditemos que estão falando em nome da sociedade. O que estas pessoas não dizem é que a definição da grade de programação das emissoras cabe, apenas, aos seus donos. Portanto, ao defender que o governo não deve determinar normas para o setor, não estão, ao contrário do que querem nos fazer acreditar, defendendo a liberdade de expressão. Isso porque não conheço uma única emissora onde jornalistas, músicos, artistas, radialistas, escritores, entre outros funcionários, tenham o direito de definir a grade de programação. Estão, isso sim, defendendo que apenas uma meia dúzia de pessoas (João Roberto Marinho, Silvio Santos, Johnny Saad, Nelson Tanure e o bispo Macedo, por exemplo) tenha o direito de definir o que e quando a população assistirá na TV aberta. Defendem a liberdade dos patrões e deviam ter a decência de assumir isso publicamente.

Em quarto lugar, é preciso fazer uma análise comparativa com outros países. Ditaduras terríveis como a Noruega, Alemanha, Suécia, Reino Unido, Itália, Espanha, França, Canadá e Estados Unidos possuem regras que limitam a propriedade cruzada (um mesmo grupo econômico ser dono de rádio, revista, jornal e etc numa mesma cidade), regulam a publicidade infantil, definem índices de produção regional, de cota de tela para filmes nacionais e de produção independente, entre outras questões. Em Pindorama, contudo, o capítulo da comunicação social da Constituição Federal espera há mais de 18 anos para ser regulado. E até hoje, nada.
Vivemos uma das mídias menos reguladas do mundo.

Dito isso, passemos à questão específica da classificação da programação televisiva. O Ministério da Justiça avisou publicamente que pretendia rever as regras de classificação da programação. Passou anos estudando o assunto. Analisou a realidade de outros países. Fez seminários. Publicou um livro com textos de vários pesquisadores. Ouviu todas as entidades interessadas (inclusive, a ABERT). Realizou audiências públicas em várias cidades do país. Promoveu uma consulta pública e recebeu sugestões.

Foi somente depois disso tudo que o Poder Executivo, democraticamente eleito, exerceu sua função constitucional e definiu as regras de classificação da programação. Seria essa conduta menos democrática do que deixar nas mãos dos (poucos) donos das emissoras o poder de definir a programação da TV aberta brasileira? Porque, ao invés de colocar suas opiniões na boca de prepostos, os donos da grande mídia não inauguram um debate em seus veículos sobre a qualidade da programação da TV aberta brasileira? Seria interessante conhecer a opinião de diversos setores da sociedade e, depois, deixar que uma população bem informada possa construir sua própria opinião. Ao negar o debate e travestir suas opiniões como se fossem a “defesa da liberdade”, estas emissoras terminam por justificar a necessidade de um controle público dos meios de comunicação no Brasil.

Gustavo Gindre
Jornalista. Mestre em comunicação (UFRJ). Na época do depoimento, Gustavo era coordenador-geral do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs). Depoimento concedido ao site do Rio Mídia, em 2007, logo após a aprovação da portaria 1.22o, sobre a classificação indicativa.

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