Por Fabricio Carpinejar
Poeta, cronista e jornalista
Artigo originalmente publicado no jornal Zero Hora (30/03/2023)
Eu estudei em escola pública. Mantive a mesma turma da primeira à oitava série (Ensino Fundamental durava oito anos na minha época). Quando um colega se mudava para uma nova cidade, era um escândalo de fofoca. Velávamos a cadeira vazia como se fosse um morto. O pânico de rodar o ano correspondia a perder a turma com que nos acostumamos desde o egresso do jardim de infância.
Estávamos ligados por um coleguismo inquebrantável, pela cumplicidade de sucessivos recreios, excursões a pontos turísticos e competições esportivas. Meus pesadelos com a repetência seguiam o mesmo roteiro: entrar na sala de aula sem conhecer ninguém.
Não escolhíamos a escola pelo método de ensino, mas pela proximidade de nossa residência. Assim, meninos e meninas das mais diferentes classes sociais conviviam harmoniosamente. Havia uma disparidade de condições financeiras que não trazia constrangimento, já que usávamos uniforme escolar.
Eu ia a pé para a Imperatriz Leopoldina. Ficava a três quadras de nossa casa. Se eu esquecesse algum livro ou caderno, ainda contava com a chance de dar meia-volta e recuperar o material. Não passava pela cabeça dos pais o luxo de levar os filhos de carro para a aula. Dezenas de estudantes apareciam caminhando, com a mochila nas costas, pontualmente, pelas 7h, numa procissão azul e branca.
Nunca questionávamos a qualidade dos professores. Podíamos gostar ou não gostar de um deles, mas de modo nenhum o desrespeitar.
– Gritar com ele, jamais!
– Discutir com ele, jamais!
– Levantar a voz, jamais!
– Ir ao banheiro sem permissão, jamais!
Saímos do lar com essas regras de ouro. Para falar, levantávamos a mão e aguardávamos sermos vistos. Atualmente, os professores são espancados, agredidos, insultados, sem segurança alguma, vítimas de enfrentamentos ideológicos e perseguições nas redes sociais.
A disciplina na minha formação acontecia não apenas por medo, temer o Serviço de Orientação Educacional e o bilhete com caneta vermelha de advertência ou suspensão que poderia ser enviado para a família, mas porque nutríamos uma devoção pela profissão.
O professor irradiava uma aura de mestre experiente, de fazedor de caminhos. Tanto que entregávamos rosas, flores, bolos e frutas para ele antes do início da aula, homenagens diárias pela vida dedicada ao nosso crescimento.
É paradoxal recordar a estratégia que os pais adotavam para estudarmos mais: a ameaça de nos colocar em escola particular. Se continuar matando os temas, indo mal nas provas, vou te matricular em colégio particular! Logo nos debruçávamos novamente nas lições para não correr risco de uma transferência. Hoje a chantagem seria exatamente oposta. Feliz tempo em que as escolas públicas eram melhores do que as particulares. É até impensável acreditar que um dia já existiu tal reverência pela educação gratuita.