Por Ana Miranda
Escritora e romancista
Artigo publicado originalmente no jornal O Povo (25/03/2023)
Um leitor perguntou-me se eu estava fazendo propaganda comunista, quando escrevi que na China um sistema de bosques urbanos plantou cem milhões de árvores. Ele achou absurdo, e foi pesquisar. Voltou surpreendido. A China é o país maior plantador de árvores do mundo. Bilhões foram plantadas nas últimas décadas, e querem plantar setenta bilhões nos próximos anos. Bilhões aqui, ali, ele sempre falava em bilhões.
Fui olhar. Vi desertos que se transformaram em florestas. Árvores nativas, de madeira de lei e medicinais. Em 1978 surgiu uma Lei que obrigava os chineses com mais de onze anos de idade a plantar ao menos três árvores em terra seca: álamos, bétulas brancas, abetos, pinheiros. Eles se tornaram plantadores de árvores. Assim, estão criando a Grande Muralha Verde, florestas gigantescas para combater a destruição climática, proteger habitats, animais silvestres, minorar problemas causados por desertos.
O país tem oito desertos: a “bacia de areia” Kubki, que há cem séculos era uma floresta exuberante, com lagos e rios; o deserto de Gobi, o mais implacável do planeta, quarenta graus abaixo de zero à noite e o oposto, de dia, com dunas que chegam a oitocentos metros de altura; a duna sussurrante, Mingsha Shan, que parece um dragão com um rastro sinuoso; o deserto Taklamakan, um dos mais traiçoeiros, o nome significa: “se você vai, não vá”! Os desertos derramam toneladas de areia em tempestades constantes, aquecem o ar, detêm chuvas. Como acabar com eles? Plantando árvores!
No deserto Kubuqi, por exemplo, multiplicaram a cobertura vegetal. Plantaram florestas na província de Hebei, ao noroeste; em Qinghai, no platô tibetano; e no deserto de Hunshandake, nordeste da região autônoma da Mongólia. No Maowusu eliminaram 860 mil hectares de areia movediça. Não é fácil florestar o deserto, é preciso plantar relvas que segurem a areia, depois perfurar com um berbequim. Assim, produzem frutas e hortaliças em estufas. Estão criando fontes de energia limpa. Fecham fábricas que poluem.
Trabalham para tornar os rios mais transparentes e as montanhas mais verdes. As chuvas aumentaram, o clima ficou mais fresco, a poeira diminuiu. A vida de agricultores e pastores melhorou, famílias saíram da pobreza. Penso no Ceará, com nossos quase desertos. Se plantássemos bilhões de árvores…
Além desse título de maior plantador de árvores do mundo, o que gosto na China são as danças, músicas que harmonizam as emoções, sua pintura insubstancial, a seda pura, a delicadeza ritualística, os olhos oblíquos. O amor pela tradição. O profundo respeito por professores. Os cata-ventos. O chá. A medicina… Nunca fui ao continente, mas passei uma temporada em Macao entre belas ruínas jesuíticas, pressenti a alma chinesa. Há milhões de coisas maravilhosas na China, mas, milhões assustadoras.
Lula vai chegar à China nesta semana para conversar com Xi Jinping. Os temas serão o desenvolvimento, a tecnologia, as questões de clima, energias e o combate à fome. Esperamos que traga duas das joias mais valiosas do mundo: o plano de plantar florestas; e o de acabar com a pobreza. Chénggõng!