O Influencer como Corpo Dócil

Por Erica Mariosa Carneiro

Por Erica Mariosa Carneiro
Doutoranda em Multiunidades em Ensino de Ciências e Matemática pelo PECIM/UNICAMP
Texto foi publicado no blog da Unicamp

É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado.” (FOUCAULT, 1987, p. 118)

O influenciador é compreendido como aquela figura pública que se utiliza de seu carisma para atrair a atenção de determinados públicos alvos e ditar tendências e costumes que beneficiem marcas ou outras figuras públicas. Está figura é utilizada como estratégia na comunicação muito antes das plataformas digitais acontecerem e o chamado “Influencer” se tornar moda.

Tendo o marketing como seu principal campo de estudo, a ideia de “viralizar” um conteúdo e garantir as recompensas financeiras não é novidade. Muitos anos de estudo, pesquisa e trabalho foram dedicados a entender como o influenciador pode ser um aliado da comunicação e, por consequência, rentabilizado.

Marketing é criar valor a produtos, serviços ou ideias e que chame a atenção de clientes gerando lucro. O marketing de influência consiste em praticar ações focadas em indivíduos que exerçam influência ou liderança sobre potenciais clientes de uma marca e o marketing de conteúdo consiste em criar conteúdos personalizados ao público alvo, baseando-se na formação de um público fidelizado com os conceitos, diretrizes e políticas da marca. Viralizar ou marketing viral se trata de explorar ferramentas das redes sociais produzir aumentos exponenciais e rápidos de visibilidade digital.

É a partir dessas medidas como o ibope (medição de audiência de TV em tempo real), o número de fãs que o segue, de curtidas, compartilhamentos, comentários e alcance que suas redes sociais atingem que o valor do retorno financeiro do influenciador é definido. E para que este trabalho continue sendo financeiramente sustentável, o Influenciador precisa se manter relevante.

Mas isso não quer dizer relevante como se define no dicionário ou de acordo com a opinião do público que o segue, mas sim de acordo com o que as plataformas digitais ditam ser. E isso significa: A conquista constante de seguidores novos e em números significativos em suas plataformas digitais; A inserção contínua e disciplinada de conteúdos novos; Seguir, reproduzir e recriar tendências; e Acompanhar a manutenção, o funcionamento e as regras de cada plataforma digital que já trabalha e as que surgem.

No último item desta lista, devo destacar ainda, a dificuldade em acompanhar a série de diretrizes sobre como as plataformas digitais trabalham a entrega dos conteúdos depositados pelos seus usuários. O destaque se dá por essas informações nem sempre serem acessíveis e claras. Além disso, são modificadas de acordo com o interesse dessas empresas e muitas vezes sem aviso prévio.

Um exemplo recente dessa mudança foi a decisão do Facebook em mudar o sistema de entrega de conteúdo em seus algoritmos a fim de privilegiar a interação entre amigos e parentes em depreciação a conteúdos de comércio e jornalístico.

Mas então, como faço para aumentar o alcance das redes sociais que trabalho? No dia a dia do trabalho do influenciador e para além das ferramentas de publicação de postagens pagas oferecidas pelas plataformas digitais que prometem automatizar e melhorar o alcance das suas postagens em troca de uma quantia em dinheiro, outras inúmeras “receitas de bolo” são divulgadas e vendidas em cursos e assessorias de comunicação digital como forma de conseguir os mesmos resultados das ferramentas pagas.

O próprio curso do Facebook “Como obter seguidores da Página” apresenta algumas dessas orientações, em “Encontre um público para sua mensagem” as lições incentivam a manter um diálogo com o público como forma de aumentar a quantidade de seguidores de sua página. Como observamos, as recomendações privilegiam a interação com o público de forma frequente:

“As pessoas têm mais probabilidade de curtir uma Página e interagir com a comunidade se a Página for ativa. Publicar conteúdo regularmente, interagir com os seguidores, responder a perguntas e sugerir novos produtos ou serviços são boas opções para que os visitantes saibam que a Página oferece valor. As empresas também podem usar as Informações da Página para ver quando os seguidores estão mais ativos online e o tipo de conteúdo que atrai mais engajamento. Assim, poderão planejar conteúdo futuro de acordo com isso.” (FACEBOOK, 2021, p.01)

Isto posto, os influenciadores que não possuem condições de investir financeiramente nas ferramentas de publicações pagas, oferecidas pelas plataformas digitais, se dispõe a cumprir uma rotina de muitas horas em produção e manutenção de seu conteúdo.

Assim, pouco a pouco, e muitas vezes sem perceber, o influenciador é colocado neste sistema de publicações que pode ser pensado a partir das relações de poder disciplinar. Isto em função de sua rotina programada a cumprir essa e muitas outras “receitas do bolo” em troca de premiações financeiras e de aumento de seguidores e alcance das postagens.

Mas não é só isso. O influenciador também se preocupar em evitar punições, como os cancelamentos e baixo rendimento das postagens, que são sempre vigiados por algoritmos que gerenciam as plataformas digitais e que também tem como função, manter você e seu seguidor constantemente conectado, produzindo e consumindo conteúdo fazem parte dessas relações.

“O poder disciplinar é com efeito um poder que, em vez de se apropriar e de retirar, tem como função maior “adestrar” (…) A disciplina “fabrica” indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. (…) é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. (…) E são eles justamente que vão pouco a pouco invadir essas formas maiores, modificar-lhes os mecanismos e impor-lhes seus processos.” (FOUCAULT, 1987, p. 143)

A disciplina para Foucault se trata de controle produtivo, convergindo a energia do ser humano em produtividade, sendo que, quanto mais obediente o ser se torna, mais útil ele é. Nas redes sociais observamos essa disciplinarização no trabalho do influenciador que busca constantemente se adequar e organizar seu corpo para cumprir os requisitos impostos pelas regras dos algoritmos.

Percebemos que através da distribuição no espaço e seu enclausuramento o influenciador se auto impõe uma necessidade cada vez maior de produção de conteúdo, mas não só em termos de frequência, este conteúdo também precisa ser feito em determinados locais, horários e formatos.

Os influenciadores de sucesso que seguem essas regras são beneficiados com o aumento crescente dos números de seguidores e alcance das postagens, inclusive recebendo premiações como funções nas plataformas que não é aberta a todos, placas comemorativas e rentabilidade financeira maior.

Já os influenciadores que não se dispõe a seguir essa rotina perde em número de seguidores e alcance de postagens a ponto de serem desconsiderados da posição de influenciadores e assim excluídos das campanhas publicitárias.

Podemos também observar o controle de atividades através da adequação e repetição de formatos. O influenciador deve não só produzir conteúdos em determinados formatos, mas também precisa seguir a última tendência que a plataforma digital impulsiona. É preciso incluir a hashtag, participar das campanhas sociais, repercutir notícias, repetir o movimento de dança que deve ser sincronizado com a música, os dizeres e o tempo.

Assim como o exemplo de um soldado em um batalhão ou da caligrafia dito por Foucault:

“O controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos; impõe a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e de rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada deve ficar ocioso ou inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido” (FOUCAULT, 1987, p. 129 – 130)

Sendo assim a quantidade de horas de trabalho dedicadas apenas a cumprir a “receita de bolo” e o constante reforço positivo e negativo que as plataforma digitais aplicam provocam no influenciador uma perda de noção de produtividade e de estima, levando-os a dedicarem ainda mais horas de trabalho, assim sendo submetido, utilizado e constantemente transformado e aperfeiçoado, ou seja, um corpo dócil.

Dessa forma o influencer como corpo dócil é rentabilizado, mas não só o seu conteúdo produzido que é vendido ao mercado como forma de publicidade, mas o seu tempo de vida.

“As disciplinas, que analisam o espaço, que decompõem e recompõem as atividades, devem ser também compreendidas como aparelhos para adicionar e capitalizar o tempo.” (FOUCAULT, 1987, p. 134)

Para finalizar este texto quero destacar que utilizo a figura do influenciador como exemplo de profissional que dedica sua vida a atender as demandas das plataformas digitais, contudo é possível notar o “corpo dócil” de Foucault em outros tantos profissionais que dedicam horas e horas do seu trabalho em plataformas digitais.

Referências

FACEBOOK. Como obter seguidores da Página: Saiba como encontrar pessoas para seguir uma Página comercial do Facebook e obter suporte para a empresa.. [S. l.]: Facebook, 11 set. 2021. Disponível em: https://www.facebookblueprint.com/uploads/resource_courses/targets/431835/original/index.html. Acesso em: 11 set. 2021.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel. Ramalhete. Petropólis, RJ: Vozes, 1987.

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