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Baía de Guanabara, semimorta, não causa indignação

Foto Capa: Marcelo Fonseca

O Estado de São Paulo/24.08.2020 – João Lara Mesquita

A baía de Guanabara tem uma área de aproximadamente 400 km2 e contém cerca de 3 bilhões de m3 de água. Dos 55 rios que nela deságuam, 50 tornaram-se esgotos a céu aberto. Nove milhões de pessoas vivem no seu entorno (estima-se que um terço resida em favelas, e outro terço em áreas com condições precárias de urbanização e saneamento). E a situação, que já era ruim piorou em 2019.

De acordo com matéria do G1, e baseado em dados do Instituto Estadual do Ambiente (Inea),“as amostras do espelho d’água com qualidade péssima ou ruim subiram 75%, até o fim de 2019. Rios e canais também apresentam índices piores. O monitoramento do espelho d’água da baía é feito através da análise de 15 parâmetros físico-químicos e biológicos. Mas as ações de controle foram interrompidas em março por causa da pandemia do novo coronavírus.”

“De acordo com os dados de 2019, do total das amostras de rios e canais, 81% eram das piores categorias (43% péssima e 38% ruim). Não houve aumento das estações com amostras boas, entre 2016 e 2019: seguiram em 3,6%.”

De acordo com o boletim consolidado de 2016, das 55 estações de amostragem da região hidrográfica, 73% foram classificadas como péssimas (32%) ou ruins (41%).”

“No boletim de 2016-2017, a baía tinha 38% das amostras de estações classificadas como péssimas ou ruins. O percentual passou para 66,6% em 2019, uma alta de 75%.”

“De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), foram tratados 31,3% do esgoto gerado no estado do Rio de Janeiro em 2018, taxa menor do que os 36,5% de 2010.”

Pobre Brasil.

Não se iluda, nem fique indignado ‘apenas’ com as baixarias do exterior
Recente imagem do mar de Santo Domingo, República Dominicana, causou comoção nas redes sociais. Foram replicadas, comentadas e discutidas. As pessoas ficaram chocadas. Mas não se iluda. Provocamos a mesma catástrofe em nosso icônico cartão  postal, a baía de Guanabara, seja por ação, ou por omissão da opinião pública.

E nem por isso a degradação provoca comoção nos brasileiros. Saiba como a baía de Guanabara se tornou esta macabra sucursal de um lixão, e nos ajude a compreender por que não ficamos horrorizados com esta situação.

Duas refinarias, três portos, e estaleiros…
Existem duas refinarias dentro da baía de Guanabara: a Duque de Caxias, da Petrobrás, inaugurada em 1961; e outra privada, Manguinhos, que era do Grupo Peixoto de Castro. Posteriormente, o controle foi adquirido pelo Grupo Andrade Magro.

E ainda três portos e diversos estaleiros.  No seu entorno há milhares de oficinas clandestinas. O esgoto doméstico é jogado in natura. Uma frota de automóveis poluentes circula em seu redor. E mais: assoreamento dos rios, ocupação desordenada das bacias hidrográficas e 16 municípios em volta.

Ocupação desordenada
Este é o motivo da poluição: a ocupação desordenada, e o pouco caso de sucessivos governos que nunca investiram em saneamento básico, e coleta e tratamento de lixo. A Baía de Guanabara é um exemplo emblemático de como nossa geração foi capaz de destruir uma linda formação da natureza.

Baía de Guanabara: 15 mil litros de esgotos não tratados por segundo
O resultado do descaso é que todos os dias 15 mil litros de esgotos não tratados são despejados por segundo  nas águas do ‘cartão postal’ do Brasil. Os dados são de Eliane Canedo de Freitas Pinheiro, autora do livro “Baía de Guanabara“.

A ironia da história é que os Tamoios, seus primeiros habitantes, a batizaram de ‘Guanabara’ porque significa “seio de onde brota o mar”. Pior que isso, se é que é possível, de acordo com denúncia do Movimento Baía Viva, “um bilhão de litros de chorume são despejados todo ano.

A degradação do entorno
Além do desmatamento, todos os rios que deságuam na baía tiveram seus cursos ratificados. Isso contribuiu para maior correnteza e consequente aumento dos sedimentos. A maioria ficou totalmente assoreado. Estas obras começaram no século 19, passaram pelo seguinte, e seguem até hoje. Inutilmente.

Navios limpam seus porões dentro da Baía de Guanabara

Em 2006 quando o Mar Sem Fim produzia sua primeira série de documentários  estivemos em Copacabana, no posto seis, onde fica uma das últimas colônias de pescadores artesanais. Na época entrevistamos seu presidente, Ricardo Mantovani.

Ele denunciou, entre outros absurdos, que navios limpam seus porões e contêineres dentro da baía, piorando ainda mais a situação, e fazendo com que ninguém queira comprar o pescado que fica “impregnado com o cheiro do óleo diesel”. O descaso das autoridades cariocas é tão grande que até um crime como este, limpar porões dentro da baía, acontece sem que se tomem providências.

Próximo à ilha do Fundão um cemitério de navios dentro da baía de Guanabara
Naquela visita, a bordo do veleiro Mar Sem Fim, navegamos para a Ilha do Fundão. No fundo dela outra cena sinistra: uma espécie de cemitério de navios. São imensos cascos, alguns ainda com o convés de pé, antigos, abandonados, adernando enferrujados à espera da morte.

Como é caro desmontá-los,  eles ficam ali, aguardando não sei qual desastre para se desintegrarem de vez, provocando mais um problema ecológico na maltratada Baía de Guanabara.

Estudo para despoluição da Baía de Guanabara
Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) teve ajuda internacional. Ele foi assinado em julho de 1991. Previa a cooperação técnica entre os governos brasileiro e japonês.

Além do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), houve investimento do Japan Bank for Internacional Cooperation (JBIC). Estivemos no Instituto Baía de Guanabara, à época coordenado por Dora Hess de Negreiros, para entender o porquê do fracasso desta ação.

Dora saiu da Feema durante o segundo Governo Brizola e, desde então atuava na ONG procurando produzir e divulgar informações. Além de participar em fóruns oficiais, como o Conselho Gestor da Baía de Guanabara, vinculado ao Governo do Estado (Desde o início do Governo de Rosinha Mateus, em 2003, não foi feita nenhuma reunião). Dora Hees de Negreiros faleceu, em 2016, sem ver realizado seu sonho de limpar recuperar e preservar a Baía de Guanabara.

Ela nos informou que depois de lançado o movimento, foi iniciado um estudo para o qual vieram técnicos do Japão que haviam participado da limpeza da baía de Tókio.

Projeto de despoluição tinha objetivo de tratar 60% do esgoto. Hoje mal chega a 25%
O projeto, conhecido como “Programa de Despoluição da Baía de Guanabara”, tinha o objetivo de tratar cerca de 60% do esgoto lançado. Índice que mal chega hoje aos 25%. Passados tantos anos, sequer a primeira etapa foi concluída. Dora, triste pela situação de abandono, declarou:

As obras começam e param. Não há continuidade por parte dos sucessivos governos. Dos 16 municípios, vários não têm nem mesmo água encanada. Sem água encanada não há tratamento de esgotos domésticos

12 mil toneladas de lixo
Os números são cavalares. Vão parar na baía resíduos de 12 mil toneladas de lixo dos aterros sanitários próximos. Estima-se que estes 16 municípios produzam algo como 450 toneladas de esgoto que também têm destino certo, a mesma baía.

E ainda há derramamento de óleo, através da poluição difusa produzida pela frota de automóveis do Rio. Além de acidentes ocasionais na refinaria Duque de Caxias, ou com navios e barcos (o último derramamento, por parte da Petrobrás aconteceu no ano de 2000, quando cerca de um milhão e duzentos mil litros de óleo vazaram).

Novo derramamento de óleo em 2018
Em 2018 novos derrames. Em dezembro deste ano, milhares de litros vazaram de um duto da Transpetro, em Magé, região Metropolitana do Rio. As investigações apontam para acidente decorrente de uma tentativa de furto de combustível a aproximadamente três quilômetros da foz do Rio Estrela. Fechando a lista, temos ainda algumas toneladas de metais pesados, fruto dos efluentes industriais. Um massacre ambiental.

Nem as Olimpíadas do Rio conseguiram sucesso na despoluição da Baía de Guanabara
Quando o Rio foi escolhido como sede das Olimpíadas de 2016, houve um sopro de esperança. Esperava-se que os governos municipais das várias cidades do entorno, e o governo estadual, tocassem finalmente as obras. Ledo engano.

Desde o primeiro evento teste, em 2014, a situação já mostrava que não seria fácil. De um lado o Comitê Rio assegurava que os 320 velejadores de 34 países encontrariam condições adequadas para a disputa; do outro,  biólogos duvidavam. Mário Moscatelli, biólogo que há mais de duas décadas luta contra a degradação da Baía alertava que o Brasil passaria muita vergonha:

 Das sete usinas de tratamento prometidas pelo governo do estado, só uma está funcionando.

No período, o Comitê Rio garantiu “condições adequadas” para todos os velejadores que estivessem classificados para a disputa por medalhas. Como providência, o Comitê preparou míseros três ‘ecoboats’ – embarcações adaptadas para recolher lixo nas águas – e prometia que o número saltaria para 24 embarcações. Puro blá-blá-blá.

Compromisso de despoluir 80% da baía quando o Rio foi escolhido sede das Olimpíadas
Moscatelli advertia que a solução era meramente paliativa e não resolveria o problema mesmo para o evento-teste. Nem mesmo a pressão internacional funcionou. Em Maio de 2014 o News Yor Times: “não caia na água do Rio”.

Um ano depois o então secretário estadual do Meio Ambiente do Rio de Janeiro, André Corrêa, afirmou que desistia da meta de sanear 80% da Baía de Guanabara até os Jogos Olímpicos de 2016. O compromisso foi assumido pelo governo Sergio Cabral (PMDB) durante a campanha para a escolha do Rio como cidade sede da competição. Hoje, como se sabe, o homem está na cadeia…

R$ 10 bilhões para universalizar o saneamento básico
Pelos cálculos da secretaria do Ambiente, seriam necessários R$ 10 bilhões somente para universalizar o saneamento básico dos municípios no entorno da Baía de Guanabara. E assim a situação persiste até hoje.

(Foto de abertura: BBC)

Fontes:
https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/08/14/quatro-anos-depois-dos-jogos-rio-2016-qualidade-da-agua-da-baia-de-guanabara-esta-pior-aponta-inea.ghtml?fbclid=IwAR1HwxVRlUDTM6OUltFfbzHX-DzK3Mj0nwNk3ECVmLH2NllO3bdq-agq8vQ.

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