Por Raquel Pacheco
Dra. em Ciências da Comunicação. Autora do livro “Jovens, Media e Estereótipos. Diário de Campo Numa Escola Dita Problemática” (Livros Horizontes, 2009). Coordena o projeto e o blog de cinema e educação Media e Literacia. Participa do projeto Dream Teens – FMH. Membro do Interdisciplinary Centre of Social Sciences (CICS-NOVA).
Há mais de 25 anos a Convenção sobre os Direitos da Criança, a qual o Brasil é signatário, afirma que a participação é um direito de crianças e jovens:
Artigo 31
- Os Estados Partes reconhecem à criança o direito ao repouso e aos tempos livres, o direito de participar em jogos e actividades recreativas próprias da sua idade e de participar livremente na vida cultural e artística.
- Os Estados Partes respeitam e promovem o direito da criança de participar plenamente na vida cultural e artística e encorajam a organização, em seu benefício, de formas adequadas de tempos livres e de actividades recreativas, artísticas e culturais, em condições de igualdade[1].
A Convenção menciona o direito a participar plenamente, o que nos leva a pensar que não se resume em apenas estar a fazer parte de alguma iniciativa, como pensam muitos. Este direito tem um significado mais abrangente, significa mais do que “estar inscrito” e frequentar as aulas; a palavra “plenamente” aborda um envolvimento ativo e democrático por parte de crianças e adolescentes, e garantir este tipo de participação cidadã é uma obrigação de todos os adultos que trabalham com os mais novos. Não é apenas proporcionar uma oficina de cinema e educação, por exemplo, é pensar em mecanismos de participação do aluno dentro desta oficina, ou ainda criar junto com os alunos estes mecanismos, metodologias e dinâmicas, é ouvir o jovem, é faze-lo sentir-se representado, ou melhor, é dar ferramentas para que ele se auto represente.
Observamos que os próprios adolescentes (que participaram da nossa pesquisa) desconhecem os seus direitos e acreditam que participar é apenas fazer parte/estar presente nas aulas de cinema:
“Me sinto lisonjeada, tendo em conta que não são todas as crianças que têm essa oportunidade” (Barbara, 15 anos).
“Me sinto muito bem por participar no projeto porque a nossa turma é a única que tem direito, e o professor é muito legal” (Alexandra, 14 anos).
“Sou privilegiada” (Érica, 13 anos).
“Sinto-me contente pela oportunidade” (Fátima, 13 anos).
“Participar deste projeto de cinema é fantástico pois aprendemos numa escola mais para além da escola e estamos a aprender sobre algo que não é tão comum” (Ana Luísa, 14 anos).
Estar contente por participar de um projeto que envolve aulas de cinema é muito bom. Mas a lógica do significado de participação utilizada nas aulas de cinema é muito parecida com a utilizada pela escola clássica. Neste contexto, o aluno que participa nas aulas (aquele que é considerado um aluno participativo) é o aluno que coloca o dedo no ar quando o professor faz alguma questão e fica à espera de autorização para falar. Mas este tipo de atitude por parte dos alunos é cada vez mais raro, principalmente quando o que está envolvido é o cinema e seus mecanismos que estimulam a criatividade.
Não é levado em consideração o tempo do aluno, não se pode partilhar a experiência, a dinâmica das aulas de cinema não é construída tendo o aluno como protagonista; o protagonista é o cinema, é o projeto, são os cineastas/professores de cinema, é o professor, é o filme, mas raramente as crianças e os adolescentes. Apesar de a maior parte dos envolvidos nos projetos de cinema e educação, no Brasil e em Portugal, afirmarem em seus discursos que o mais importante é o aluno, é trabalhar o sentimento, o sentido crítico do aluno e estimular uma cidadania ativa, observamos que estes discursos são desconstruídos no dia a dia, na praxis.
Como o cinema é algo que nos surpreende constantemente, é algo que nos desnuda, temos a ideia que ensinar cinema é estar constantemente sendo colocado à prova, é lidar com o novo, com o outro, com o inesperado. A aula de cinema precisa ser algo para além de se fazer filmes ou para além de fazer os educandos decorarem os movimentos de câmara. Eisenstein, considerado por muitos como um dos grandes génios do cinema mundial, definiu o cinema como “a única arte concreta e dinâmica que permite desencadear as operações do pensamento, a única capaz de restituir à inteligência as suas origens vitais concretas e emocionais: ele demonstra experimentalmente que o sentimento não é uma fantasia irracional, mas um momento do conhecimento” (Morin, 1997:211).
[1] Fonte: http://www.unicef.pt/docs/pdf_publicacoes/convencao_direitos_crianca2004.pdf
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Leia cinema e educação – parte 2
Leia cinema e educação – parte 1