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Boneca, bola…celular

Jovens representam um quarto dos usuários nas 11 maiores capitais do país. O celular pode auxiliar novas formas de ensinar e aprender?

Por Marcus Tavares
Jornalista. Professor. Editor da revistapontocom

Coloridos, sonoros e cheios de tecnologia. Desde que entraram no mercado brasileiro, de forma mais efetiva no início da década de 1990 com a privatização do setor de telefonia, os aparelhos móveis de comunicação – os celulares – tornaram-se acessórios de crianças e adolescentes. De acordo com pesquisa divulgada pelo Ibope, jovens de 16 a 24 anos representam aproximadamente um quarto dos usuários nas 11 maiores capitais do Brasil. Em abril deste ano, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) divulgou que o número de aparelhos chegou à impressionante casa dos 210 milhões de unidades.

No mundo globalizado, o celular é, para muitos pais, símbolo de segurança e controle. Para os filhos, veículo de comunicação e fonte de entretenimento e informação. E não é para menos. Pode-se afirmar que o celular ‘atropelou’ todas as mídias, inclusive a web. Cada vez mais populares, eles tiram fotos, gravam voz e imagem, editam voz e imagem, enviam e recebem mensagens multimídias, funcionam como rádio, tevê, videogame, acessam a internet e, acredite, também servem para que nos comuniquemos à distância.

É ou não é invejável como as crianças e adolescentes manipulam, em frações de segundos, os celulares, muitas vezes apenas com o polegar? Como, em poucos minutos, dominam todas as funções oferecidas e ainda acham graça de nossa admiração. A facilidade com que os aparelhos passaram a integrar o dia a dia da garotada é instigante. O entrosamento vem possibilitando novas formas de interação com a sociedade. Novas formas de adquirir conhecimento. E, avisam os estudiosos, novas formas de pensar e raciocinar.

E a escola o que diz disso tudo? Algumas concordam com as recentes leis promulgadas tanto pela Câmara dos Vereadores da Cidade do Rio de Janeiro quanto pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) que proíbem o uso de celulares na sala de aula. A justificativa é que muitos estudantes deixam de prestar atenção na aula, prejudicando, como afirma o texto do projeto da Alerj, “o rendimento no processo de aprendizagem”. Escolas que optam pela proibição porque, simplesmente, não sabem como lidar com o celular e suas inúmeras possibilidades na sala de aula.

Veja alguns depoimentos de professores:

“Peguei o celular desta estudante porque ela estava conversando com outra aluna da sala em frente. Não sei o que vou fazer. Agora, parece que os alunos já não conversam apenas entre eles na sala. Eles conversam entre-paredes, entre-salas”.

“Veja como as coisas andam: uma mãe me procurou dizendo que atrasou o pagamento desse mês porque seu filho era o único na sala que não tinha celular. Ela resolveu comprar um aparelho esse mês. A mãe passou a ser inadimplente porque seu filho disse que todo mundo tinha celular e ele não”.

“J, aquele aluno da 5ª série, gravou, com o seu celular, os palavrões de G. Fez isso para me provar que G. também fala palavrão e não somente ele, conforme a queixa da professora de Português”.

“Esta aluna estava passando cola para o colega com torpedos”.

“Peguei um aluno com esses dois celulares atrapalhando minha aula”, disse uma professora. A outra pergunta: “Ele estava com os dois celulares? De quem é o outro?” Retruca a professora: “Os dois celulares são do mesmo aluno! Um ele usa e o outro ele empresta para os colegas jogarem”.

“Quando estávamos executando a atividade, percebi que um aluno tinha tirado um retrato meu com os alunos que estavam trabalhando. Parece que estamos bastante vulneráveis”.

Todas as situações vivenciadas acima foram narradas por professoras de escolas públicas e privadas da cidade do Rio de Janeiro e se transformaram em objeto de pesquisa da professora Solange Castellano Fernandes, que lecionou na Escola Municipal Telêmaco Gonçalves Maia, localizada na Zona Norte do Rio. O trabalho da professora é de 2005. Sim, antigo, mas revela exatamente o que ainda hoje ocorre nas salas de aula.

Passados seis anos, ainda são poucas as escolas que resolvem incorporar a mídia, neste caso os celulares, no cotidiano escolar. As que topam o desafio investem em um trabalho pedagógico articulado, refletindo sobre a realidade local, o encantamento da mídia e o universo escolar do aluno. Veem o celular como mais uma possibilidade de ensinar e pensar. A professora Solange Castellano Fernandes, hoje aposentada, fez isso em 2005. Criou o projeto “Torpedário: o celular na sala de aula”. Com base em um texto de sua autoria, no qual observa mudanças no dia-a-dia escolar após a chegada dos celulares, Solange propôs a outros professores da escola que encarassem a nova tecnologia não somente como obstáculo ao andamento das aulas, mas também como uma ferramenta pedagógica. O trabalho, que começou com o auxílio dos professores de Língua Portuguesa e Ciências, ganhou o apoio dos professores de Geografia e História da 5ª a 9ª séries.

As múltiplas utilidades dos aparelhos, os diferentes modelos e a tecnologia empregada serviram de gancho para as mais variadas discussões. O trabalho começou com uma das primeiras formas de comunicação humana, as pinturas rupestres. Solange percorreu o longo caminho da história da comunicação, passando pela escrita, a publicidade e, finalmente, as mensagens recebidas e enviadas pelos celulares, os chamados torpedos.

A questão do acesso aos aparelhos ganhou força com o depoimento de uma aluna que disse ser muito fácil ter um, bastando abrir um crediário e não pagar.  Além disso, discussões sobre ética, cola na escola, violência urbana, desigualdade social e regras de uso surgiram ao longo do ano. Foram abordados temas como influência das propagandas, consumismo, juros, inadimplência. No processo de trabalho, o professor de História traçou um paralelo entre a propaganda usada durante o nazismo e a propaganda atual; o professor de Ciências organizou uma pesquisa sobre a energia utilizada nos celulares e outras formas de energia; a professora de Geografia tratou das diferenças regionais brasileiras a partir dos meios de comunicação. Os alunos confeccionaram um livro sobre a utilização do celular, projetaram um aparelho do futuro e utilizaram os torpedos como meio de comunicação para estimular a economia de energia e a preservação do meio ambiente.

“Proibir o uso do celular talvez elimine as inúmeras possibilidades de se fazer emergir novas formas de ensinar e pensar. Além de ser um aparelho de fácil acesso, o celular vem se transformando num recurso multimídia que pode facilitar, sem dúvida, a inclusão social”, palavras da Solange na época do projeto.

Acho que já foi dito tudo, não?

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