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Pelo Direito à Cidade

Jailso de Souza, fundador do Observatório de Favelas, conversa com a revistapontocom sobre o entendimento de ordem urbana, que deve ser revisto.

Por Marcus Tavares

Promover encontros na diferença. Diferença que não fortaleça estigmas, preconceitos e desigualdades, mas que permita que cada pessoa se reconheça na outra. O que pode parecer apenas um pressuposto teórico é, na verdade, a prática diária das ações do Observatório de Favelas.

“O Observatório de Favelas cumpriu um papel significativo no sentido do reconhecimento da importância de se (re)conhecer as favelas e seus moradores a partir de novas referências, novas representações. Isso implica a compreensão de que a favela é constituinte da cidade e elemento central nela, em todos os sentidos. A partir da difusão desse pressuposto, foram construídos um conjunto de projetos, tecnologias sociais e metodologias voltados para a ampliação do Direito à Cidade e ao conjunto dos moradores da cidade”, destaca o fundador do projeto, Jailson de Souza.

Em entrevista à revistapontocom, Jailson fala sobre as principais ações do programa. Comenta sobre a dicotomia histórica, e na sua visão conservadora, sobre asfalto e favela. Destaca que o entendimento de ordem urbana deve ser revisto. E defende por meio do trabalho do Observatório o Direito à Cidade. Reflexões para todos nós.

Acompanhe:

revistapontocom – Passados dez anos, os objetivos do Observatório são os mesmos do início?
Jailson de Souza – Hoje, o Observatório de Favelas se define como uma organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção coletiva do conhecimento e à proposições sociais e políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. Buscamos construir e afirmar uma agenda de Direitos à Cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas. De forma concreta, isso quer dizer que a vontade do Observatório, por meio de nossos projetos e ações, é de fazer com que as favelas sejam encaradas, cada vez mais, como espaços complexos e heterogêneos (inclusive entre si) – ao contrário da histórica representação dominante que se faz sobre elas, em especial no que diz respeito às percepções compartilhadas por gestores públicos e planejadores urbanos. É claro que uma década é sempre um marco a partir do qual qualquer instituição com perfil parecido com o nosso tende a se reavaliar. Só que no nosso caso, estamos sempre pensando em como nos identificamos e como isto impactará a caminhada em direção ao que queremos. O grande objetivo permanece: a construção de um projeto de cidade mais justa e fraterna. Contudo, os caminhos que nos conduzirão a esse ideal têm de ser constantemente pensados e repensados, já que as mudanças de conjuntura de diferentes ordens são inevitáveis. De qualquer forma, os dois eixos centrais de nossa intervenção no mundo continuam nos pautando: a busca de uma polis marcada pelo encontro, reconhecimento e legitimação da diferença entrelaçada, e inseparável, a luta pela igualdade no plano da dignidade humana, em toda a sua historicidade.

revistapontocom – Nestes dez anos, o que de fato foi conquistado?
Jailson de Souza – O Observatório de Favelas cumpriu um papel significativo no sentido do reconhecimento da importância de se (re)conhecer as favelas e seus moradores a partir de novas referências, novas representações. Isso implica a compreensão de que a favela é constituinte da cidade e elemento central nela, em todos os sentidos. A partir da difusão desse pressuposto, foram construídos um conjunto de projetos, tecnologias sociais e metodologias voltados para a ampliação do direito à cidade ao conjunto dos moradores da cidade. Os projetos visavam, como descrito acima, ao reconhecimento das possibilidades de encontro presentes na diferença. Diferença que não fortaleça estigmas, preconceitos e desigualdades, mas que nos permita nos reconhecermos no outro. Nestes dez anos, a subjetividade criativa e cognitiva foi fundamental para o desenvolvimento de ações e projetos que tiveram um impacto significativo na ocupação e ressignificação dos territórios. São nos espaços urbanos que se fazem visíveis algumas das mudanças mais profundas e desconcertantes de nossas sociedades contemporâneas. Vivemos a emergência de novas sensibilidades, somadas às empatias tecnológicas, sociais e econômicas. Assim, projetos como o Conexões de Saberes, Rio Democracia, Escola Popular de Comunicação Crítica, Imagens do Povo, Rotas de Fuga, Programa Nacional de Redução da Violência Letal e muitos outros buscaram produzir conceitos e difundi-los de forma sistemática e ordenada em espaços do Rio de Janeiro e outros territórios brasileiros.

revistapontocom – E o que falta ser conquistado?
Jailson de Souza – Nos anos 2000, década em que o Observatóqrio aparece, a favela se consolidou como figura central de vários dos debates sobre o urbano. Mas, ao contrário do que possa parecer, isso não se traduziu de forma total em políticas que visassem integrar estes espaços à cidade. A favela, apesar de foco das discussões sobre o futuro da urbe, foi ainda assim objeto de disputas em torno de seu significado. Ou seja, havia e ainda há profundo dissenso quanto ao “o que é favela?” e qual é a melhor forma de lidar com estes espaços. Há, por exemplo, grupos para os quais a favela é, por definição, o espaço do caos e da precariedade. Para estes, é perfeitamente justificável que comunidades inteiras sejam destruídas e seus antigos moradores expulsos. O fantasma das políticas remocionistas, que pensávamos já superadas, só vem assombrar neste momento de chegada dos grandes eventos. Isso porque iniciativas como essa continuam se sustentando no paradigma segundo o qual as favelas são espaços de carência e precariedade e, por isso mesmo, sua destruição é uma benfeitoria – inclusive para seus moradores. Este é um exemplo bastante evidente de que muito ainda falta a ser conquistado.

revistapontocom – Onde se conquistou mais: no fortalecimento da comunidade/favela ou na mudança da postura do “asfalto”?
Jailson de Souza – A própria pergunta é bastante reveladora sobre em que pé estamos neste momento. Este binário (favela/asfalto) marca justamente uma percepção da cidade existente desde que as favelas surgiram na paisagem urbana, mas, celebrizada entre os anos 1980 e 1990. A questão, entretanto, não é abandonar os termos e sim a forma dicotômica de interpretá-los. Isto é, começar a enxergar nestas duas palavras a complexidade que é própria do diálogo. E é por isso que insistimos tanto no encontro entre indivíduos oriundos de diferentes contextos sociais, porque ele é que permitirá estas “contaminações mútuas”. Hoje, fica cada vez mais evidente que o “asfalto” não partilha uma visão única sobre as favelas – e isto não quer dizer que deixamos de reconhecer que há discursos dominantes acerca das periferias urbanas. Entendo que fora ou dentro da favela, outras representações da cidade estão pipocando e isso é parte de um processo histórico. De forma objetiva, podemos falar que houve avanços de ambos os “lados” e que um reforçou o outro: temos hoje intelectuais nas periferias que superaram a primazia do discurso sobremaneira “exterior” a esses territórios. Esse discursos influenciaram a produção de novos discursos sobre o direito à cidade; sobre os vínculos entre os seus territórios e os direitos fundamentais dos seus moradores, independente do seu lugar de moradia. Esse encontro e construção de novas formulações teóricas, práticas, discursivas foi a principal conquista dos últimos dez anos. E temos orgulho de ter contribuído nesse processo de interlocução e ressignificações.

revistapontcom – Para o Observatório, a comunicação é…
Jailson de Souza – Comunicar foi e continuará sendo algo muito mais difícil e amplo que informar, é tornar possível que seres humanos reconheçam outros seres humanos em duplo sentido: reconheça seu direito a viver e pensar diferente, e reconheçam a si mesmos nessa diferença e na capacidade do diálogo, ou seja, que estejam dispostos a lutar, a todo momento, pela defesa dos direitos dos outros, já que nesses mesmos direitos estão contidos os próprios. A comunicação, em nossa perspectiva, contribui para desvelar a relação entre diferença cultural e desigualdade social e, nos permite trabalharmos para diminuir o espaço de ‘reprodução das indignidades, das práticas que alimentam a desigualdade de construção da essencial dignidade humana para todo. Comunicação é educação, é diálogo – e, necessariamente, poder. Mais do que transferência do saber, estimulamos o encontro de sujeitos interlocutores que buscam, a todo tempo, a significação dos significados e de ampliar as formas de contato com o outro no mundo.

revistapontocom – Portanto, para o Observatório, o respeito, a paz, o encontro das diferenças são possíveis num mundo, num Rio de Janeiro, cada vez mais caótico?
Jailson de Souza – Ordem e caos, atualmente, são figuras que parecem orientar várias das políticas voltadas para a cidade. É só observarmos a série de “choques de ordem” recentemente empreendida pelo poder público em nossa cidade. Dizer que o Rio é caótico, sem contextualizar esse diagnóstico, é perigoso porque pode ser uma reafirmação da avaliação a partir da qual se julga que a cidade necessita de “ordem”, ou melhor, de “choques de ordem”. Não quero com isso dizer tudo está perfeito, mas alertar que a metáfora do caos para se referir ao Rio, neste momento, é apropriada com o objetivo bastante claro de impor uma concepção de ordem cara a um grupo pequeno, porém poderoso. Talvez a sensação de que estejamos sob a égide do caos e de que isto seja um dos grandes impedimentos para o encontro dos diferentes seja, de alguma forma, produto desta noção conservadora de ordem com a qual nos deparamos. Nesse sentido, o nosso desafio é construir uma nova concepção de “ordem”, que não tenha como referência apenas as hierarquias, o poder do Estado sobre o Cidadão; a lógica autocêntrica onde a Ordem é vista como expressão do poder de uns sobre os outros. Uma ordem cidadã, democrática, que envolve o conjunto dos sujeitos da cidade, que define uma agenda centrada, sempre, no Direito à diferença e à dignidade humana. Essa “nova ordem” é necessária e urgente.  A partir dela, o caos deixará de ser o que é hoje: uma forma de legitimação das hierarquias em planos diversos sobre a maioria dos cidadãos.

revistapontocom – Quais são os planos para os próximos dez anos?
Jailson de Souza – O Observatório tem como missão a elaboração de conceitos, projetos, programas e práticas que contribuam na formulação e avaliação de políticas públicas voltadas para a superação das desigualdades sociais. Para serem efetivas, tais políticas têm de se pautar pela expansão dos direitos, por uma cidadania plena e pela garantia dos direitos humanos nos espaços populares. Nossos passos/projetos estão orientados pelas quatro dimensões humanas que visualizamos: dimensão subjetiva/singular de cada um; dimensão particular/social que caracteriza pertencimentos e inserções; a dimensão humana/genérica que caracteriza nossa ligação com os povos e redes sociais; e, por fim, dimensão global/vital que nos faz sentir parte da natureza pulsante, do planeta vivo que permite com que nos encontremos para além da fronteira do mundo em que vemos. Essa concepção de ser social, assim como a de mundo social, já expressa, é que irá continuar nos norteando. Nesse processo, nossos projetos e ações estão divididos em três vertentes: Desenvolvimento Territorial; Direitos Humanos e Comunicação e Cultura.

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Joel Batista de Souza
Joel Batista de Souza
12 anos atrás

Excelente o Projeto do Observatório de Favelas, já era tempo de aparecer mais pessoas, ONG`s,Ministéro Público, enfim ,preocupados e atuantes junto às favelas, porque somente somando é que chegaremos a algum lugar; basta das bastardas críticas e tão somente é preciso mais ação, e é essa a prática do Observatório de Favelas, meus parabéns de coração, espero que o governo encampe estes projetos para a satisfação do povo da favela e também do asfalto, pois afinal tudo é Cidade !

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