STF julga ação de inconstitucionalidade da classificação indicativa.
Quatro ministros são a favor. Debate foi suspenso para vista de processo. O que você acha?
Por Marcus Tavares
Depois de um intenso e polêmico processo de discussão nacional sobre o papel do Estado, dos pais e dos canais de televisão sobre a classificação indicativa dos programas de TV, culminado com a aprovação da portaria 1.220, em 2007, a medida que tem o objetivo de proteger a infância e adolescência está mais uma vez ameaçada. Ontem, dia 30, o Supremo Tribunal Federal (STF) só não julgou a inconstitucionalidade da veiculação dos programas de acordo com a faixa horária e etária, proposta pela portaria da classificação indicativa, porque houve pedido de vista do processo pelo ministro Joaquim Barbosa. Na prática, se a ação for aprovada, as emissoras poderão exibir qualquer programa em qualquer horário e em qualquer território nacional, que possui hoje três fusos horários.
Quatro ministros – Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ayres Britto – já tinham dado parecer favorável à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2404) ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), em 2001, muito antes de toda a discussão nacional sobre o tema, contra o dispositivo do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), especificamente o artigo 254, que classifica como infração administrativa a transmissão de programa de rádio ou televisão em horário diverso do autorizado pelo Governo Federal. Este artigo é um dos fundamentos da regulação da classificação indicativa.
Leia aqui depoimentos de especialistas sobre a portaria de classificação indicativa. Os depoimentos foram concedidos ao site do Rio Mídia – Centro Internacional de Referência em Mídias para Crianças e Adolescentes, em 2007, logo após a publicação da portaria 1.220.
Embora a ação tenha sido impetrada em 2001, em maio deste ano, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) protocolou uma petição para acelerar o andamento do julgamento da ação. Organizações da sociedade civil – como Agência Nacional dos Direitos da Infância, Conectas Direitos Humanos, Instituto Alana e Intervozes – também entraram com outra petição, defendendo a constitucionalidade do artigo 254 do ECA. No documento, as instituições alegam que a classificação indicativa, além de já ter sido incorporada como prática pelas emissoras de radiodifusão, obedece aos princípios da comunicação social previstos no artigo 221 da Constituição, que estabelece que a programação das emissoras de rádio e televisão deve dar preferência a finalidades “educativas, artísticas, culturais e informativas […] e respeitar valores éticos e sociais da pessoa e da família.”
Avaliação que vai de encontro com os pareceres, de ontem, dos quatro ministros que já julgaram a ação. Eles afirmam que a veiculação da programação da TV de acordo com a faixa etária e horária caracteriza um exercício de censura prévia. De acordo com o site do STF, os ministros que aprovaram o processo “foram unânimes ao afirmar que não cabe ao Estado interferir na liberdade da família de decidir a que programas ela ou seus integrantes devem assistir, papel que cabe aos pais. Em caso extremo, conforme assinalaram, basta que eles desliguem o televisor.
“O caráter indicativo impede o Estado de interferir e proibir a exibição fora de determinados horários”, observou o ministro Luiz Fux. Segundo ele, a classificação dos programas atribuída ao Estado tem como finalidade única a de “sugerir, aconselhar, e não o de exercer o papel de oráculo da moral”.
Para o ministro Dias Toffoli, “são as próprias emissoras que devem proceder ao enquadramento do horário de sua programação, e não o Estado. As próprias emissoras se autocontrolam”, disse. Ele acrescentou que o abuso deve ser “decidido por quem de direito. (…) A autorregulação é o meio mais apropriado para detalhar a matéria”. De acordo com Toffoli, as emissoras devem canalizar as aspirações sociais e disseminá-las
Na avaliação do ministro Ayres Brito, cabe ao Poder Público apenas manifestar-se sobre o inadequado, mas não direcionar o comportamento das emissoras. Ele afirmou que o que vale é o que está expresso no artigo 5º da Constituição que, em seu inciso IX, assegura a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação independentemente de censura ou licença. O ministro ainda questionou se cabe ao Estado proteger a família: “O Estado não está autorizado a tutelar ninguém, sobretudo no plano ético. A família é quem decide sobre a que programa de rádio ou TV assistir”.
O que diz a Portaria?
Entre outras medidas, a portaria estabeleceu a autoclassificação, por parte das emissoras, da programação veiculada. Desde então, os canais têm a liberdade de autoclassificar seus programas de acordo com a vinculação, estabelecida pelo Ministério da Justiça, entre faixa etária e horária. Segundo as normas acordadas, a programação intitulada ‘livre’ e ‘inadequada para menores de 10 anos’ podem ser exibidas em qualquer horário do dia.
Já os programas ‘inadequados para menores de 12 anos’, a partir das 20 horas. ‘Inadequados para menores de 14 anos’, a partir das 21 horas. ‘Inadequados para menores de 16 anos’, a partir das 22 horas. E ‘inadequados para menores de 18 anos’, a partir das 23 horas.
Na prática, as emissoras podem autoclassificar a programação da forma que desejarem. Porém, o Ministério da Justiça utiliza três variáveis/conteúdos para classificar as obras: cenas de sexo, drogas e violência. A autoclassificação das emissoras é endossada ou não pelo Ministério da Justiça, que tem 60 dias, a partir da estreia da produção, para se pronunciar. Programas jornalísticos e os chamados “ao vivo” não são submetidos à autoclassificação. A portaria também determinou que a autoclassificação das emissoras deve ser veiculada na forma de texto e na Linguagem Brasileira de Sinais (exceto para programas livres e inadequados para menores de 10 anos), durante cinco segundos. A informação terá que ir ao ar, simultaneamente, no início da abertura de cada programa. Os produtos audiovisuais exibidos a partir das 22 horas terão que informar ainda, se for o caso, que tipo de cenas inadequadas são apresentadas aos telespectadores.
Para publicar a portaria, o Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus), do Ministério da Justiça, criou um grupo de trabalho, formado por diversos representantes da sociedade, realizou audiências públicas nas principais capitais do país e promoveu ainda uma consulta pública. Durante as discussões, representantes das emissoras de televisão tentaram vincular a publicação da portaria com o retorno da censura no país, numa tentativa de derrubar a iniciativa.
Por sua vez, instituições civis, governamentais e ONGs se puseram ao lado do Dejus com o objetivo de fortalecer a causa e conseguir implantá-la. Passados quatro anos, a classificação indicativa já faz parte do dia a dia dos telespectadores e ainda gera polêmica, principalmente, quando uma nova novela ou um reality show estreiam ou quando o horário de verão começa a vigorar no país. Especialistas dizem, inclusive, que a fusão de quatro para três fusos horários brasileiros, aprovada em 2008, pelo Senado e com a sanção do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi fruto da pressão das emissoras de televisão, que são obrigadas, pela portaria, a respeitar os diferentes fusos horários. Com a aprovação do STF, o respeito ao fuso horário será desconsiderado.
Acho a incoerência incrível !
Se a “posse” do canal de televisão é concessão do Estado e o pessoal da Abert sugere auto-regulamentação, como parceiro das emissoras cabe ao Estado intervir e regulamentar também!
Cadê o Estado ? A quem ele representa ?
A Abert não me representa – e nunca representou nem representará !!
Será que os 5 meses de salário que o cidadão abre mão para pagar os salários desse “bando” que diz nos representar não justifica que o povo seja ouvido e tenha seu pedido acatado nessas horas ?
Que eu saiba, quem paga as contas, dita as regras.
E não é a Abert quem paga as contas.
Ou será que é ??
Considerando que haveria a possibilidade de exibição de qualquer programa em qualquer horário, em contrapartida o público deveria ter mais acesso à informação da classificação indicativa e dos tipos de cenas inadequadas, ou seja, a informação deveria ir ao ar não apenas no início da abertura de cada programa, mas em determinados intervalos de tempo (por ex., a cada 10 ou 15 min) durante a exibição, por meio de legendas.
Uma vez que não haveria mais vinculação entre a inadequação por faixa etária e o horário de exibição, o espectador não teria um referencial eficiente para orientar o menor sob sua responsabilidade. Daí a necessidade de ter a informação veiculada não só no início mas também no decorrer do programa.