Por Marcus Tavares
Qualquer exposição, biografia ou entrevista sobre Heitor Villa Lobos não consegue dar conta de sua obra e importância no cenário brasileiro e mundial. Villa Lobos foi e é um dos grandes compositores internacionais, trazendo à tona toda a riqueza do folclore do país. Muitos de nossos familiares, aqui do Rio e de São Paulo, puderam conhecer de perto sua proposta de ensino. O canto orfeônico que reunia milhares de estudantes em estádios do Rio era o símbolo máximo de um projeto que tinha o objetivo de integrar a música à formação cidadã de crianças e jovens.
Villa Lobos também é lembrado por ter derrubado a dicotomia entre a música popular e a erudita, um ranço do século XIX. Por ter escrito obras genuinamente nacionais e outras tantas para o público infantil, o que é pouco conhecido. E ainda por ter influenciado uma legião de compositores e músicos brasileiros. Até bem pouco tempo, ele era o maior detentor de direitos autorais [musicais] do país.
No dia 17 de novembro, celebram-se os 54 anos de morte do compositor. Para homenageá-lo e conhecer um pouco de sua história a revistapontocom republica a entrevista concedida por Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio, ambos do Museu Villa Lobos, no Rio de Janeiro. Valdinha é responsável pelas atividades educativas e Luiz Sampaio é assessor técnico do espaço.
Acompanhe:
revistapontocom – Quem foi Heitor Villa Lobos?
Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio – O mais importante compositor de música brasileira do século XX e reconhecido mundialmente como um dos grandes mestres. Devido ao tamanho, originalidade e diversidade de sua obra, Villa Lobos acabou exercendo uma enorme influência sobre todo o gênero musical brasileiro. Tomando como base o folclore nacional, ele deixou um legado para todos os demais compositores nacionais. Não é à toa que Tom Jobim dizia que devia toda a sua obra a Villa Lobos. Ele talvez tenha sido a figura mais importante na história da música brasileira.
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revistapontocom – E antes de Villa Lobos?
Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio – Antes dele, há uma série de compositores que podem ser chamados de pioneiros. Há o Padre José Maurício, primeiro compositor brasileiro, ainda na fase do Brasil Colônia. Temos o Carlos Gomes, considerado, nas Américas, o maior compositor de óperas do século XIX. Há ainda Alberto Nepomuceno, Francisco Braga, muito amigo de Villa Lobos, e Leopoldo Miguéz. Antes de Villa Lobos, já havia, portanto, um movimento de música brasileira. Mas a chegada de Villa Lobos é uma espécie de furacão.
revistapontocom – Por quê?
Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio – Ele é nitidamente um compositor brasileiro. O som dele é o som do Brasil. Foi, inclusive, por essa razão que ele recebeu críticas. Ele não fazia composições como os europeus. Sua diferença estava exatamente nas raízes brasileiras em que inspirava para compor. Além disso, Villa Lobos conseguiu derrubar a dicotomia que existia entre a música popular e a erudita, um ranço do século XIX. Um ranço tão forte que levou, por exemplo, o então Instituto Nacional de Música [hoje Escola Nacional de Música, da UFRJ], a não admitir em seu curso o compositor Ernesto Nazareth. O primeiro show de Villa Lobos é exatamente dedicado a Nazareth. Hoje qualquer gênero musical brasileiro tem o seu espaço.
ouça trechos de algumas obras do compositor
revistapontocom – A educação musical também é um forte legado de Villa Lobos?
Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio – Sem dúvida. Mas isso acontece mais tarde, na década de 1930, quando Villa Lobos, já famoso, volta da Europa. A convite de Anísio Teixeira, então Secretário de Educação do Distrito Federal [Rio de Janeiro], assume a Superintendência de Educação Musical e Artística (Sema), período no qual é instituído o ensino obrigatório de música e o canto orfeônico nas escolas. Para Villa Lobos, o ensino de música nas escolas fazia parte de uma educação cidadã de crianças e jovens. Era necessário que os jovens soubessem cantar e conhecer a música e o folclore de seu país. Era uma questão de cidadania e identidade. Para que isso saísse do papel, como de fato aconteceu, Villa Lobos realizou um grande projeto de capacitação de professores e de implantação de condições básicas nas escolas para que o ensino pudesse ser desenvolvido. É desta época a criação do curso de Pedagogia de Música e Canto Orfeônico, ministrado por ele mesmo. Era um projeto grandioso. Villa Lobos pensava grande. Alguns pesquisadores dizem que ele foi usado pela ditadura do Governo de Getúlio Vargas. Creio que foi ao contrário: Villa Lobos aproveitou a própria ditadura, o nacionalismo, o populismo, para dar vazão ao seu projeto musical.
revistapontocom – A organização do Guia Prático, contendo 137 canções folclóricas, é um dos projetos de Villa Lobos para subsidiar o ensino musical?
Valdinha Barbosa e Luiz Paulo Sampaio – Era uma espécie de material didático para os professores. Era uma coletânea de todo o cancioneiro infantil daquela época. Um trabalho primoroso. Villa Lobos fez todo o arranjo das músicas para o canto, para o canto acompanhado, para banda e piano. Uma obra que está até hoje e que inclusive acaba de ser reeditada pela Academia Brasileira de Música e pela Funarte. É curioso: Villa Lobos é um dos compositores mundiais que mais importância deu para as crianças. Ele tem um conjunto enorme de obras voltado para elas. Brincamos sempre com isso, dizendo que Villa Lobos tinha, dentro dele, uma grande criança. Afinal, dizem que gênio é aquele que mantém a capacidade criativa da criança.
visite o Museu Villa Lobos
Gênio imortal! Sua obra é perene!
Amo música.