Filme luso-brasileiro ganha prêmio

Do Jornal da Unicamp

Antes mesmo de ter conquistado o prêmio Best International Format Awards na categoria de melhor formato multiplataforma, o filme luso-brasileiro O Castigo Final já havia sido escolhido como estudo de caso da dissertação de mestrado do pesquisador Edvaldo Acir. Ele analisou a eficácia comunicativa de conteúdos audiovisuais desenvolvidos para dispositivos móveis. O trabalho foi apresentado este ano no Instituto de Artes, da Unicamp.

A produção foi importante para compreender a questão da narrativa da complementaridade dos conteúdos para celular. Os resultados surpreenderam até mesmo Acir, ao mostrarem que um produto com tudo para ser consumido individualmente acabou estimulando o consumo audiovisual em grupo, por meio do compartilhamento em rede de conteúdo e pela interação com o espectador, que é convidado a participar de atividades como “ajude a salvar essas detentas” ou “descubra esse enigma”. “O produto tem um viés de socialização”, diz o pesquisador.

Captar, produzir, contemplar e transmitir imagens. A mudança de comportamento causada pela linguagem audiovisual transmidiática (que reúne várias plataformas) também já é notável. Ao procurar um novo celular, o consumidor não prima somente pela qualidade na microfonia ou cobertura da rede, mas por um conjunto de recursos multimídia que permita navegar, fotografar e compartilhar. A procura por vídeos curtos é trocada pelo prazer em assistir desde programas de TV a filmes pela web. O prêmio conquistado por O
Castigo Final ratifica essa afirmativa. “Os usuários que assistem a vídeos na internet passaram do estágio em que assistiam apenas a vídeos curtos para assistir a programas de televisão ou filmes pela web”, enfatiza.

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Na opinião de Acir, cada vez mais os consumidores de produtos audiovisuais se relacionarão com programas, conteúdos e shows individuais do que com os canais ou agregadores que os transmitem. “Os usuários vão descobrir o conteúdo de forma proativa, vão recomendá-lo e assisti-lo em seu próprio tempo e no dispositivo de sua preferência, e não por meio de uma programação predeterminada”, diz Acir. Tal mudança de comportamento levou empresas da área a desenvolver aplicativos que permitam exibir o conteúdo em vídeo na TV ou em dispositivos portáteis.

O sucesso das produções, na opinião de Acir, depende da eficácia comunicativa de conteúdos audiovisuais, desenvolvidos segundo um modelo de produção dirigido aos dispositivos móveis e que atuam conforme uma lógica de complementaridade em face de uma publicação na TV e na web. A aceitação do filme O Castigo Final mostra que a linguagem audiovisual está no caminho certo e, na opinião de Acir, em pleno processo de metamorfose e adaptação diante dos novos meios que possibilitam a reprodução de conteúdo audiovisual.

Diante disso, o estudo teve como principal objetivo repensar as formas e as técnicas com as quais o conteúdo é reproduzido. Para se adequar à nova “oferta” é preciso vencer certos desafios, como a falta de conhecimento do meio e do usuário que a produção atingirá. “Para superar essas barreiras deve se investir em conhecimento tecnológico para a pesquisa de novos formatos comunicacionais no celular, como mídia pessoal e móvel”, ressalta Acir. Quando o aparelho de visualização tem a dimensão reduzida como a do celular, as adaptações se fazem necessárias, acrescenta.

Convergência

Capacidade de convergência midiática e portabilidade estão entre os atrativos dos novos celulares. Por meio desses aparelhos, produtos culturais se transformam em vetores de contato, de testemunho jornalístico e políticos sobre diversas situações cotidianas, de acordo com o autor. O próprio roteiro de O Castigo Final exige a utilização de várias mídias, permitindo ao espectador incidir na evolução do enredo. Os episódios exibidos na televisão apresentavam um documentário editado por uma jornalista, que teve acesso a imagens capturadas por câmeras de segurança com as quais ela montou o documentário como se fosse para contar aquela história. Na narrativa do seriado, a jornalista fazia parte de um grupo de pessoas poderosas que conseguem manipular o sistema judiciário e penal, para reunir as oito mulheres no presídio. A jornalista pegou parte desses vídeos, editou alguns trechos e espalhou na internet. Segundo Acir, é possível o público encontrar as cenas no YouTube, na internet e no celular.

O celular entra como recurso audiovisual no momento em que as mulheres entram no presídio. Cada uma relata seu crime a um psiquiatra e, depois de filmadas, o material é editado com outras imagens do seriado. O objetivo era permitir ao usuário conhecer um pouco mais de cada uma das personagens. No final de cada vídeo, havia um endereço eletrônico para que o usuário pudesse efetivamente saber para onde ir a partir dali. Além disso, o usuário podia baixar ou assistir aos episódios para celular no portal WAP do seriado. Os conteúdos audiovisuais apresentados no celular eram vídeos de 38 segundos, tempo estabelecido pela operadora OI para ter uma maior cobertura de aparelhos.

Os hackers também foram convidados para a produção. O grupo chamado Black Lords, que na verdade era formado por personagens do seriado, uma entidade controlada pela produção denominada puppet master, conduziu boa parte da história. São eles que conseguem hackear a vigilância do presídio e descobrir que morre uma das oito presidiárias por dia. A produtora também fez acordos com blogueiros para divulgar a história. A organização do projeto foi soltando as informações por fases, isso tudo com cronograma criado por antecipação avisando que determinada notícia ia ser publicada.

Segundo Acir, havia também uma escala de envios de SMS com determinadas pistas. “Tudo era estruturado com bastante antecedência para ser enviado para as pessoas ou solto na internet e no celular em um determinado tempo do cronograma. A última notícia falava que o presídio tinha perdido o contato com o mundo exterior”, explica o pesquisador. Havia uma premiação para os usuários que descobrissem, durante o terceiro episódio, a senha que abre a ala onde as presidiárias estão reclusas. Para avançar, os jogadores tinham que resolver enigmas e procurar pistas nas mais diversas mídias, jornal impresso, televisão, rede e ruas.

De acordo com Acir, a dinâmica proposta se baseia em um conceito chamado ARG (Alternate Reality Game), um tipo de jogo eletrônico que combina as situações de jogo com a realidade, recorrendo às mídias do mundo real, de modo a fornecer aos jogadores uma experiência interativa. Neste ARG, o ponto de partida é uma história de mistério, com vários personagens, originada na internet, acrescenta o pesquisador.

De acordo com a dissertação, a primeira experiência do tipo foi realizada em 2001, nos EUA, em um trailer veiculado na internet do filme Inteligência Artificial, de Steven Spielberg. “Um nome que aparecia nos créditos causou estranhamento: Jeanine Salla, terapeuta de máquinas sensitivas”, ressalta.

Em um Alternate Reality Game, a história só pode avançar de acordo com a participação dos jogadores. E foi possível, segundo ele, ver o interesse do público. Ele acrescenta que já existe no Brasil um grupo de jogadores que cria comunidades no Orkut para cuidar de cada ARG que é lançado no mercado brasileiro. Uma das primeiras experiências comerciais realizadas no país foi o jogo “Vivo em Ação”, promovido pela operadora de celular Vivo, que teve uma edição em 2004 e outra em 2005 e, segundo os organizadores, conquistou um público de mais de 1 milhão de pessoas em cada, a maioria dos jogadores entre 15 e 25 anos.

No seriado O Castigo Final, os usuários precisaram procurar por pistas espalhadas em dezenas de sites, perfis em redes sociais como orkut, facebook, blogs, flickr e twitter, além de matérias em sites de notícias, a fim de descobrir a senha necessária para salvar as detentas. O Black Lordes tinha as informações certas para soltar nos momentos certos e ir semeando e respondendo as interações que ocorriam com o público.

Como parte final deste Alternate Reality Game, a OI TV transmitiu em 24 de novembro de 2009, um documentário criado com imagens a partir das câmeras de vigilância do presídio. Neste documentário, o público descobriu o que realmente aconteceu dentro da cadeia.

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