Guerra: como falar sobre o assunto com as crianças?

Por Mariana Wechsler
Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Texto publicado no site Papo de Mãe.

Hoje, elas chegaram da escola assustadas, ouviram sobre a guerra que está acontecendo nesse momento na Ucrânia. O amigo da sala está inconsolável, os avós, primos e familiares estão em meio aos bombardeios. Não sabendo onde encaixar tamanha incompreensão, questionaram qual seria nossa parte. O que poderíamos fazer? Quais atitudes poderiam fazer a diferença?

Ser agente de transformação influenciando positivamente o ambiente que vivemos é uma pauta diária em nossa casa. Eu considero a maternidade como algo potencialmente revolucionário, não somente pelas possibilidades que eu tenho de ensinar outros seres humanos, mas principalmente pela necessidade que tenho de aprender com as crianças.

No budismo, aprendemos que toda força para transformar um ambiente está dentro de qualquer indivíduo. E esse sentimento é contagiante, como uma gota que propaga ondas ao cair num lago. Todo mundo quer um mundo melhor, eu ouço isso o tempo inteiro. Esse é um bom começo para a mudança, já que tudo começa com um pensamento. Desse pensamento, avançamos em novos discursos e iniciamos novas ações. Pensamentos, palavras e ações alinhadas com o objetivo de propagar e solidificar o humanismo, a empatia.

É raro escutar pessoas falando sobre a sua própria responsabilidade na construção desse mundo. Acho que a gente vive numa cultura que nos coloca nesse lugar de espectadores, de um mundo que é grande demais para ser mudado. Que basta passar para próximo stories e tudo ficará bem.

Eu acredito profundamente em micro revoluções. Dessas que a gente faz porque quer e com o que tem, todo dia um pouquinho. Dessas que pedem mais coragem do que você imagina. Eu acredito em mudanças simples de linguagem, mudanças de comportamento que acolhem o outro. Acredito na micropolítica, naquilo que a gente faz todo dia, no corpo a corpo, na força da tentativa, muito no processo de mapear uma ferida, e agir, de novo e de novo.

Mudar um hábito nocivo é mais difícil do que doar para uma instituição de caridade. É aí que nos tornamos agentes de transformação, nessas pequenas revoluções. Nós temos que acreditar – ter fé – nessa responsabilidade, mesmo que pareça não dar em nada, e é por isso que vai dar em muita coisa. É uma responsabilidade mais perto do “conte comigo”, “quero te ouvir”, e bem longe do que “você deve ser“…

Para isso precisamos ser aliados desse coletivo chamado sociedade. Precisamos aprender a respeitar genuinamente pessoas diferentes daquelas que estamos acostumados a conviver. Você se considera aliado de alguma minoria? Você se considera aliado de alguém que tem uma vivência bem diferente da sua?

Provavelmente você vai responder que sim, mas você já parou para pensar no que isso realmente significa? Ser uma pessoa aliada não é apenas uma vontade, é um sentimento, é uma prática. É um exercício de aprendizado contínuo, bonito e transformador.

Ser aliada de verdade é extremamente desafiador, significa reconhecer nossos preconceitos, nossos privilégios, reconhecer-se como alguém potencialmente violento diante do outro quando impõe uma realidade, uma condição ou um mérito. E ainda segurar a onda da culpa, que não serve para quase nada, e transformar tudo isso em responsabilidade. É sobre entender que o mundo que exclui sistematicamente a existência de muitas e muitas pessoas fala sobre todos nós, porque nós somos esse mundo.

A gente tem essa mania de exteriorizar o mal e colocar ele como algo inalcançável ou que não nos pertence. Porém, nossa sociedade é preconceituosa e sua estrutura é violenta – duas figuras tão grandes que a gente consegue se esconder no meio delas. Ser aliada é assumir o lugar que é seu na conversa e acolher os incômodos. É romper sua zona conhecida e ter conversas desconfortantes para você.

Quanto maior o seu acesso ao conhecimento, quanto menos violência você sofre por ser quem você é, quanto mais lugares e posições você ocupa, mais você tem pra dar como pessoa aliada. Não dá pra ser aliado na passividade, nunca vai se resumir em hashtags, em campanhas na internet. É sobre respeitar a outra pessoa no dia a dia, respeito é o mínimo diante de outra pessoa.

A gente precisa estar disposto a se expor, a interferir contra o mal, a apoiar, a ser escudo de enfrentamento mesmo que na nossa perspectiva não seja diretamente sobre a gente. É agir com intencionalidade em direção ao outro, é escutar muito e falar quando a nossa voz puder ser ponte, e ninguém ficar de fora dessa conversa.

Até você que já se sente aliado a uma narrativa, será que você está se propondo a ser aliado a narrativas de outras existências diferentes da sua? Respeito seletivo não nos tira do lugar, não nos coloca em ação. O que acontece com a pessoa do nosso lado também nos diz respeito. O certo é urgente.

Educação sem ação é uma potência estancada, não garante a consciência da nossa humanidade. Pensamento, palavras e ações alinhadas com um único objetivo: propagar e solidificar o humanismo, a empatia.

O que vamos construir hoje para que o amanhã seja viável para todos? Para fazer parte de uma rede que vai garantir que os futuros sejam inclusivos, que não existam narrativas que diminuem pessoas por terem uma aparência ou pertencerem a uma cultura.

Nossa sociedade se conforta na homogeneidade e se conforta na ideia de filhos perfeitos, que de preferência se pareçam com os pais, como se isso fosse uma qualidade necessária. Na nossa sociedade, as diferenças tendem a ser eliminadas, ou geram um tremendo sofrimento para as famílias, numa dinâmica de educação que vai podar ou punir as características plurais.

Essa disponibilidade de questionar e alargar a fronteira da nossa humanidade por meio das maternidades diversas que celebram aquilo que é humano é uma ação poderosa.

Toda vez que educamos uma criança construímos futuros. De uma forma ou de outra, geramos transformações coletivas a partir dessas micro revoluções feitas com base no diálogo e no acolhimento.

Assim, falar sobre a guerra para a criança não precisa entrar nos detalhes do que está nesse momento acontecendo. Explique que a guerra é o resultado da ausência de diálogo e o desejo incontrolável de um lado querer se sobrepor ao outro.

Você, sozinha ou não, é capaz de mudar a história de toda a Humanidade, oferecendo empatia, amor e carinho para esse fruto que você colocou no mundo. Comece acreditando que é possível, e empodere o seu próprio poder de Criar.

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