Tudo pela audiência

Por Marcus Tavares
Editor da revistapontocom
Inicialmente publicado no Jornal O DIA

Ao longo dos 65 anos de existência da televisão comercial brasileira pode-se dizer que ela raríssimas vezes abriu espaço em sua programação para se autoavaliar, para gerar reflexão do outro lado da tela. Nestes raros momentos, fez uso do humor e do escracho como forma de amenizar seus defeitos, transformando e embrulhando a própria crítica em mais um entretenimento televisivo. Foi assim, na década de 80, com a ‘TV Pirata’ e, agora, com a recém-concluída temporada do ‘Tá no ar: a TV na TV’, ambos da Globo. Soma-se a este rol a atração ‘Tudo pela Audiência’, do canal Multishow, apresentado pelos comediantes e atores Tatá Werneck e Fábio Porchat.

A exemplo dos dois primeiros, a proposta do último é satirizar programas de tevê que fazem de tudo para ganhar audiência. A estratégia é a mesma: humor, mas desta vez conjugado com várias doses de palavrões e xingamentos. Não há esquetes nem dramatizações. Há situações vivenciadas pela dupla de comediantes e seus convidados — de apresentadores de programas a celebridades. Isso tudo acontece no velho e já conhecido formato de programa de auditório. Na plateia, um grupo específico de espectadores da chamada ‘Classe C’ interage continuamente. Cada episódio conta ainda com a participação de um elenco fixo: a anjinha gostosa, o travesti, o anão e marombeiros.

Há horas em que os palavrões e o caráter sexual são tão gratuitos que fica difícil suportar. A forma também, quase sempre vexatória, com que a plateia é tratada assusta. Porém, é neste cenário escatológico que o programa faz pensar. Sem nenhum tipo de requinte e se valendo de frases ofensivas dirigidas aos convidados ou à plateia, o programa é um tapa na cara na audiência. É como se tivéssemos ido ao fundo do poço do que a programação televisiva é capaz de fazer para conquistar a audiência e do que somos capazes — nós, telespectadores — de assistir por horas, dias e anos a fio.

Visto e entendido desta forma, eis um programa propositadamente raso, pobre e medíocre, mas que tem a feliz ideia de, sem subterfúgios, expor os bastidores da televisão na busca desenfreada e sem limites de uma audiência que pouco ou nada reflete sobre o que vê.

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