Popularidade pode destruir a fotografia

Leia o artigo de Suart Jeffries, do Guardian.

Por Stuart Jeffries
Reproduzido da Folha de S.Paulo, 25/12/2013, tradução de Paulo Migliacci.
Ttítulo original: “Popularidade pode destruir a fotografia, dizem especialistas”

“A fotografia nunca foi tão popular, mas está sendo destruída”, diz Antonio Olmos. O fotógrafo mexicano radicado em Londres refletiu sobre sua arte há algumas semanas, quando a imagem da primeira-ministra dinamarquesa Helle Thorning-Schmidt tirando foto dela mesma (selfie) com Barack Obama e David Cameron no funeral de Nelson Mandela foi reproduzida no mundo inteiro. A imagem parecia exemplificar o narcisismo das fotos tiradas com smartphones. Com um porém: a foto do trio foi capturada por Roberto Schmidt, fotógrafo da agência France Presse, usando uma câmera profissional. A cena também inspirou um debate no qual os psicólogos argumentaram que existe um “efeito redutivo da fotografia”. “Se as pessoas dependem da tecnologia para suas recordações, dedicando menor atenção ao evento, pode haver um impacto negativo sobre a qualidade da lembrança”, afirmou a psicóloga Linda Henkel, da Universidade Fairfield (Connecticut).

“Gente tirando fotos de comida no restaurante, em vez de comê-la”, diz o premiado Olmos, de 50 anos. “Tirando foto da Mona Lisa em lugar de olhar o quadro. O iPhone afasta as pessoas da experiência.” Mas existe um motivo mais forte para que Olmos diga que a fotografia está morrendo. “O iPhone tem uma lente péssima. Você tira uma foto linda e, quando a amplia para impressão, fica horrível.”

Mas quem precisa de impressão num mundo sem papel? “Para mim, a versão em papel é a expressão última da fotografia”, diz. “Quando dou cursos, faço os alunos imprimirem suas imagens – em muitos casos, pela primeira vez. A ideia é forçá-los a criar fotos, e não só tirá-las.”

Profundidade

Eammon McCabe, fotógrafo do Guardian, concorda. “Mesmo com o risco de parecer um daqueles chatos que defendem disco de vinil, creio que a foto impressa tenha uma profundidade que não se consegue com a digital.” Ele recentemente olhou a cópia em papel de uma foto que tirou da escritora Doris Lessing, vencedora do Nobel, que morreu no mês passado. “Era uma imagem em preto e branco que registrei com uma Hasselblad, um tripé e muita janela. Isso me fez recordar os dias em que a fotografia não causava preguiça.” Por que a fotografia digital é preguiçosa? “Você chuta para todo lado. Bate muitas fotos, imaginando que uma funcionará, e não se concentra em capturar a imagem.”

Já Nick Knight, fotógrafo de moda britânico, fez dois trabalhos com o iPhone – um livro de 60 imagens sobre Isabella Blow, editora de moda morta em 2007, e uma campanha para a marca Diesel. Para Knight, a revolução democratizante propiciada pelas câmeras de celular é tão radical quanto a ocorrida nos anos 1960, quando o britânico David Bailey, ícone da fotografia, largou o tripé e começou a trabalhar com uma câmera de mão. “Isso deu liberdade a ele e mudou o que a fotografia era, artisticamente. O mesmo vale para mim e o iPhone.”

Mas e quanto à lente do aparelho? “É absurdo que as pessoas pensem que todas as fotos têm de ter alta resolução. O que importa, em termos artísticos, é se a imagem funciona. A maquinaria com a qual se cria arte é irrelevante”, afirma o fotógrafo. Nem tanto. O iPhone mudou a fotografia de Knight, e ele sabe disso. “Posso curvar uma imagem, reduzir o valor do branco. Não sei como funciona, mas me deslumbra.”

Ele vem pesquisando imagens de bandas punk. “Não há muitas imagens, e são quase todas de palco. Compare com o que temos agora: num show de Kanye West, há um mar de câmeras, e isso cria um banco de dados.”

A caminho de casa

Tirar fotos incessantemente não nos faz esquecer, como dizem os psicólogos? “Bobagem”, diz. “Como aquela lenda de que se sentar perto da TV vai contaminá-lo por raios-X. Qual é o problema de tirar uma foto de um quadro de Matisse para olhar no ônibus, a caminho de casa? É ótimo que as pessoas queiram fazê-lo.”

Mas é difícil fotógrafos profissionais não se sentirem ameaçados. “Há menos empregos”, diz Magda Rakita, 37, fotógrafa em Londres. “Mas os avanços permitem que fotógrafos distribuam seu trabalho e contem histórias de formas inovadoras.”

E quanto a pagar contas? Para ela, “criar um público é essencial num modelo financeiro que depende cada vez mais do crowdfunding”. “Sobreviverei na profissão porque sou competente”, diz Olmos. “Não basta ter um computador e um programa de texto para ser escritor. E não basta ter Instagram para ser um grande fotógrafo.”

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