Por Marcus Tavares
Antes de saírem à noite, eles se reúnem na casa de um dos integrantes do grupo. Bebem uma coisa aqui e outra ali. Prontos, partem para os barzinhos e baladas. Às vezes, a festa acontece em casa mesmo, no próprio quarto, com bebida liberada e farta e, dependendo, com o aval dos pais. A cena é mais comum do que se pensa e só reforça o que várias pesquisas vêm constatando: os jovens estão consumindo bebidas alcoólicas cada vez mais cedo e em maior quantidade.
De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil aparece em terceiro lugar, na América Latina, no consumo de álcool entre os adolescentes. A pesquisa foi feita com estudantes do Ensino Médio e incluiu 347.771 meninos e meninas, de 14 a 17 anos, do Brasil, da Argentina, da Bolívia, do Chile, do Equador, do Peru, do Uruguai, da Colômbia e do Paraguai. Entre os brasileiros, 48% admitiu consumir álcool.
“A propaganda dirigida ao público jovem é mais intensa hoje e existem produtos desenvolvidos especialmente para essa faixa etária. Um exemplo são as sodas alcoólicas que, apesar de aparentemente fraquinhas, contêm teor alcoólico muito mais elevado do que a cerveja. Por outro lado – e outro motivo de grande preocupação –, alguns pais permitirem que os filhos bebam porque não vêem problema na bebida. A justificativa é que, afinal, todos os adolescentes bebem. Por isso, aceitam como normal o fato de os filhos começarem a consumir álcool cada vez mais cedo. Hoje, é comum os adolescentes se reunirem na casa de um deles para o “esquenta”, ou seja, para beber alguma coisa e chegar meio alcoolizados à festa. Se não for assim, parece que a festa não tem graça”, afirma Maurício Lima, coordenador do Ambulatório de Filhos de Mães-Adolescentes do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em entrevista a Drauzio Varella.
“É importante destacar essa ideia de que, no Brasil, muitos pais acham normal os garotos de 14 anos beberem grandes volumes. Isso não acontece em países como os Estados Unidos, por exemplo, onde 21 anos é a idade mínima que a pessoa precisa ter para comprar bebida alcoólica, porque se chegou à conclusão de que o consumo precoce de álcool, além de aumentar o risco de acidentes, facilita o uso de outras drogas. E lá a lei não ficou só no papel. Seu cumprimento passou a ser rigorosamente acompanhado por fiscais que controlam a venda de bebida para menores. Nos últimos 20 anos, graças a essa fiscalização efetiva, caiu muito o número de acidentes relacionados com o “beber e dirigir” naquele país”, destaca Ronaldo Laranjeira, médico psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, em entrevista a Drauzio Varella.
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Audiência pública
No dia 9 de abril, o coordenador da Área Técnica de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas da Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori Kinoshita, participou de uma audiência pública no Câmara dos Deputados, a pedido da Comissão de Seguridade Social e Família para discutir o consumo de álcool por adolescentes. Na ocasião, ele apontou que a melhor forma de reduzir a iniciação de adolescentes no consumo de álcool é interferir nos chamados “rituais de passagem” para a idade adulta.
Segundo Kinoshita, técnicas que interferem nesse processo, como discussão desses temas com grupos de jovens na escola e dentro das famílias, reduziram o consumo de álcool e outras substâncias em 30% nos países europeus. “Essas técnicas levam também a melhor desempenho escolar, menor índice de evasão, redução da violência nas escolas, e de gravidez na adolescência”, destacou.
Kinoshita afirmou que o Ministério da Saúde está discutindo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) estratégias para trazer essas técnicas para o Brasil. “Nossa expectativa é que no ano que vem já sejam amplamente divulgadas”, sustentou.
Escola e álcool
Há dois projetos em tramitação na Câmara dos Deputados que visam promover essa discussão na escola. Um determina a inserção de advertência nos livros didáticos distribuídos à rede pública de ensino para alertar crianças e adolescentes sobre os malefícios de bebidas alcoólicas, inclusive de cigarros e drogas. A medida está prevista no Projeto de Lei 4535/12. A argumentação da proposta se baseia em pesquisa realizada, em 2009, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com adolescentes do 9º ano do Ensino Fundamental. De acordo com a Pesquisa Nacional da Saúde do Escolar (Pense), 71,4% dos estudantes ouvidos já haviam experimentado álcool alguma vez. O projeto tramita em conjunto com o PL4468/12, que tem caráter conclusivo e será analisado pelas comissões de Educação e Cultura; de Seguridade Social e Família; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.
O segundo projeto – PL 4453/12 – obriga escolas públicas e privadas a ter atividades pedagógicas sobre prevenção ao consumo de drogas legais e ilegais. Segundo a proposta, os currículos de formação para professores também deverão incluir aulas sobre drogas com medidas de prevenção e intervenção. Além disso, o Ministério da Educação deverá divulgar, em seu portal na internet, práticas de prevenção de drogas adotadas em escolas estaduais e municipais e diretrizes do Conselho Nacional de Educação (CNE) e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). A proposta tramita em conjunto com o PL 434/99, que será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e pelo Plenário da Câmara.
O poder da propaganda
Restringir a propaganda de álcool é uma estratégia importante? Para Ilana Pinsky, integrante da Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), sim. Em seu artigo A propaganda de bebidas alcoólicas no Brasil, ela afirma que estudos recentes mostram associações importantes entre a propaganda de bebidas alcoólicas e o consumo de álcool entre os jovens. Uma das pesquisas mais interessantes investigou por vários anos e comprovou o impacto que apreciar propagandas de cerveja aos 18 anos tinha sobre o consumo de álcool e o comportamento agressivo relacionado ao uso de álcool aos 21 anos. Outro estudo dirigindo-se à faixa etária dos 10-17 anos, identificou que muitosj jovens sentiram que as propagandas de álcool os encorajavam a beber, especialmente os meninos de 10-13 anos, que aceitavam as propagandas como realísticas. Acesse aqui o artigo na íntegra.
No Brasil, a propaganda de bebidas alcoólicas, no rádio e na TV, pode ser veiculada das 21 às 6 horas. No entanto, uma orientação do Conselho Nacional de Autoregulamentação publicitária, aprovada em 2008, indica aos anunciantes que tal propaganda deva ser veiculada somente entre 21h30 às 6 horas. Além disso estabelece uma série de pontos que deve ser atendida na produção do comercial, com o objetivo de proteger crianças e adolescentes e induzir o consumo responsável. Acesse aqui a resolução completa do Conar com relação às bebidas alcoólicas.
Curso virtual para os pais
Dividido em 19 módulos, o projeto Pais Conectados, realizado pela Universidade Federal de São Paulo, é uma forma de auxiliar os pais a evitar que crianças e adolescentes iniciem o uso e o abuso de substâncias psicoativas. Conheça o programa em: http://www.paisconectados.org/