Por F. Cleto e Pina
Jornal de Notícias – Portugal
Há exatamente 80 anos, Elzie Crisler Segar desenhava pela primeira vez, numa vinheta, um marinheiro que, apesar de baixo, careca e pouco inteligente, viria a tornar-se famoso sob o nome de Popeye (“zarolho”, daí a pala preta que ostenta). Na vinheta, o devorador de espinafres mais conhecido do mundo, em resposta à pergunta “é um marinheiro?”, disparava esta curiosa resposta: “penso que sou um cowboy”, mais tarde substituída pela carismática “eu sou o que sou”. Mas as curiosidades não ficavam por aqui, já que, ao contrário de quase todos os outros heróis dos quadradinhos, a sua estreia deu-se numa série avulsa, “The thimble theatre” (teatro em miniatura), uma tira diária de imprensa, inicialmente publicada na vertical, que Segar assinava desde 19 de dezembro de 1919. Nela, de forma teatral, quase sempre em tiras autoconclusivas, foi apontando alguns dos podres da sua América, baseando-se no cotidiano da família Oyl, em que predominavam o colérico Castor, a sua irmã Olive (Olívia Palito) e o seu noivo, Ham Gravy.
A partir de 1925, a série ganhou uma prancha dominical colorida, na qual Segar pode explanar o seu sentido de espetáculo e desenvolver narrativas longas, que combinavam cenários rurais e marítimos, a sede de aventura, a superstição, a magia e o medo do desconhecido.
É na sequência de uma delas que Popeye surge, conquistando, de imediato, os leitores – chegou a ser mais popular do que Mickey Mouse -, apesar da sua falta de atributos físicos, graças às tiradas inesperadas, à força sobre-humana (de início, sem qualquer relação com os espinafres, a sua imagem de marca nos desenhos animados), à resistência a murros, facadas e tiros e, ao mesmo tempo, ao seu caráter contraditório tão humano, igualmente capaz de se dedicar inteiramente a um bebê (Swee’pea, introduzido em 1933) como a acreditar que pode resolver tudo com os punhos (o que levou alguns a considerá-lo uma má influência para as crianças).
A sua popularidade levou Segar a alterar o título da sua criação para “The thimble theatre starring Popeye”, logo em 1931. O sonhador e devorador de hambúrgueres, Wimpy; o pai, Poopedeck Pappy; o estranho animal Eugene the Jeep, a malévola Sea Hag (Bruxa do Mar), o brutamontes Brutus e tantos outros foram se juntando numa notável galeria, que Segar animou em narrativas cada vez mais surreais, até à sua morte, vítima de leucemia, em 1938. A série prosseguiu com diversos autores, com destaque para Bud Sagendorf, que lhe conferiu, entre 1958 e 1994, um caráter mais humorístico e próximo da versão animada.
Muito antes, logo em 1933, os estúdios Max Fleischer juntavam Popeye e Betty Boop no breve tempo de um desenho animado, para, em seguida, desenvolverem uma série com o marinheiro, que, até hoje, já protagonizou mais de 750 animações, na qual foi cimentada a sua atual imagem de marca: a força dependente dos espinafres (que levou Cristal City, no Texas, a maior produtora deste vegetal, a erigir-lhe uma estátua em 1937, agradecendo-lhe o aumento de 33 % no seu consumo nos EUA), a paixão pela anoréxica Olive (cuja silhueta inspirou um perfume de Moschino), a sua rivalidade com Brutus e a sua afirmação como marinheiro (“I’m Popeye, the sailor man”, cantava a música).
Nos anos 60, foi a estrela de uma série televisiva e, em 1980, chegou ao grande ecrã, numa película dirigida por Robert Altman, que teve como (único) mérito revelar Robin Williams, como Popeye, contracenando com Shelley “Olive” Duvall.
Desde o passado dia 1º de janeiro deste ano, Popeye passou ao domínio público na Europa, ou seja, qualquer um poderá utilizá-lo nos suportes que desejar, sem necessitar de qualquer autorização ou de pagar direitos. Isto acontece porque a lei europeia considera que os direitos de autor vencem 70 anos após a morte do criador. Nos EUA, é diferente, já que são considerados 95 anos após a data da criação, ou seja, a imagem de Popeye está protegida até 2024.