Por Marcus Tavares
Um grande cavalo de madeira como presente. Em seu interior, um exército pronto para invadir e dominar a cidade. Pirâmides: estruturas monumentais construídas com mais de dois milhões de blocos de pedra e estrategicamente posicionados. Em solo marciano, robô humano canta samba brasileiro para dar boas-vindas. A história confirma: a criatividade humana não tem limites. Em qualquer povo, tempo e espaço não faltam exemplos de como homens e mulheres foram capazes de criar para se proteger, defender, vencer, descobrir e curar. Criar para libertar, degustar, extravasar, superar. Criar para viver.
Quem estuda o assunto diz que a produção criativa não pode ser atribuída exclusivamente a um conjunto de habilidades e traços da personalidade do criador. É preciso levar em conta o contexto social, histórico e cultural que influencia a capacidade inventiva. Para Mihaly Csikszentmihalyi, professor de Psicologia e Educação da Universidade de Chicago, é mais fácil desenvolver a criatividade das pessoas mudando as condições do ambiente, do que tentando fazê-las pensar de modo criativo.
Membro da Academia Nacional de Educação e da Academia Nacional de Ciências do Lazer dos EUA, Csikszentmihalyi diz que a criatividade não está dentro dos indivíduos, mas é resultado da interação entre os pensamentos do sujeito e o contexto sociocultural. Ele afirma que a criatividade deve ser compreendida não como um fenômeno individual, mas como um processo sistêmico. Na sua avaliação, é um processo que resulta da interseção de três fatores: o indivíduo, que traz uma bagagem genética e experiências pessoais; o domínio da cultura ou de parte dela, que se traduz num conjunto de regras e procedimentos simbólicos estabelecidos entre os pares de uma comunidade; e o campo, ou seja, a sociedade, que tem a função de decidir se uma nova ideia ou produto é ou não criativo.
A concepção encontra eco na Psicologia do educador Lev Vygotsky. Para o teórico russo, o processo de constituição do sujeito é, inexoravelmente, social. Neste sentido, a atividade criadora é mediada pelo entorno histórico, social e cultural. O indivíduo é capaz de criar a partir dos/nos encontros que estabelece com outros sujeitos, encontros mediatizados pelas possibilidades e limites das relações sociais em cada momento histórico.
De acordo com Vygotsky, a atividade envolve diversos processos psicológicos, entre os quais se destacam: a percepção de determinados aspectos da realidade e a acumulação, pela memória, dos elementos mais significativos; a reelaboração desses elementos por meio da fantasia, processo no qual estão presentes tanto a cognição quanto a vontade e o afeto; e a objetivação do produto da imaginação, que, ao materializar-se na realidade, traz consigo uma nova força, que se distingue por seu poder transformador frente à realidade da qual partiu.
Para o sociólogo italiano Domenico De Masi, hoje mais do que nunca, o ser humano tem mais tempo para desenvolver sua criatividade, já que dispõe de uma infinidade de tecnologias que substituem o trabalho. “Em Atenas, na era de Péricles, havia 40 mil homens livres, 20 mil estrangeiros naturalizados e 350 mil escravos. Cada homem livre tinha, entre escravos, esposas e donas de casa, oito ou nove pessoas à sua disposição. Atualmente, para fazer o que essa gente toda fazia, temos lava-louças, máquinas de lavar, elevadores, telefones…”, afirma.
É neste mundo globalizado e mediado pelas tecnologias que a criatividade dos indivíduos vem cada vez mais sendo requisitada. Seja em casa ou no trabalho, se busca de todas as maneiras novas formas de agir, de pensar e de atuar. Ser criativo é pré-requisito no amor, no trabalho, na criação dos filhos, na escola, na relação interpessoal, na vida. Às vezes, é a chave para conseguir sobreviver num mundo caótico e de poucas oportunidades. Não é à toa que as livrarias oferecem livros de auto-ajuda que ensinam o caminho para potencializar a criatividade. Sim, há dicas – e várias – de como o indivíduo pode maximizar o seu poder de criação.
Há quem diga que num mundo saturado de imagens, textos e sons, a criatividade vem da desinformação e da deformação. Outros questionam se a originalidade é necessária. É possível ser criativo a partir do que já aconteceu ou existiu? Carlos Drummond de Andrade ensinava, ironicamente, que o desenvolvimento da originalidade possui algumas etapas, a primeira das quais é imitar os modelos clássicos, e a última: imitar-se a si mesmo até a morte!
No campo da produção artística, o debate é polêmico. Ainda mais quando envolve a questão da propriedade intelectual. Na sociedade contemporânea, na qual, em principio, todos os indivíduos têm a oportunidade de produzir, reconstruindo e reinterpretando as narrativas, e onde se convive com a sensação de que tudo já foi criado, como ser criativo? Quem é o autor? De onde vem a criatividade?
A criação se torna mais fácil? Mais desafiante? Para estas questões, sem dúvida alguma, há respostas que levam a outras indagações. O debate é instigante e provocativo.
E para você: o que é ser criativo?
Qual é a sua avaliação?
Ser criativa é conseguir traduzir a linguagem das coisas e respondê-las…
Gostei do texto e da citação do cavalo de Troia. Adoro essa história!
criatividade inerente ao homem provoca superação crescimento avaliação refazer recriar
o desequilíbrio inerente como criatividade
liana
A velha resposta ainda ‘e a mais apropriada. Criatividade ‘e novas respostas para velhas perguntas.
Muito pertinente esse questionamento atualmente. Para mim um modo de ser criativo é se reinventar todos os dias. É também solucionar e propor questões de forma inovadora. E tantas outras definições.
Seria ótimo termos um debate com teóricos e pensadores para buscar mais definições, mesmo que saibamos que seja para não se estabecer nenhuma verdade definitiva.
Sou professor de Criação Publicitária em uma faculdade no Rio de Janeiro e longe de mim me arvorar no direito de dizer que entendo mais de criatividade que outros professores e estudiosos sobre o assunto. Criatividade é inerente ao homem, mas matéria-prima para o publicitário. Concordo com Csikszentmihalyi: há muito menos possibilidade de ser criativo em um ambiente onde não se favorece a criatividade. Já quanto ao “Ócio Criativo”, de De Masi, é válido desde que você esteja preparado para aproveitar o seu tempo. E se isso não for ensinado às pessoas desde pequenas, elas não vão saber usar o tempo criativamente. Mas de qualquer maneira, confunde-se muito criatividade com originalidade. Nem sempre uma depende da outra. Pode-se ser criativo não sendo original (a publicidade está cheia de exemplos), mas geralmente a originalidade tem muito de criativo (idem). Criatividade é a possibilidade de se descobrir que se pode fazer comparações, através de metáforas, estabelecendo-se proximidades entre os termos comparados. Já originalidade é se estabelecer essas proximidades de um modo que ainda não foi feito ou novo na visão do decodificador. Espero ter ajudado no debate.
Adorei a matéria. Além de ser pertinente à disciplina que ensino, Arte, sempre falo que a criatividade não é algo que é importante só para arte, mas para tudo na vida. Se temos um problema e só achamos uma saída, esta pode ser a pior,mas ,se somos criativos e encontramos várias soluções podemos escolher a melhor. Apesar de respeitar tudo que De Masi representa, discordo dele quando diz que a tecnologia vem para nos deixar com o tempo mais livre, não é o que vem acontecendo. Acho que chegará o dia em que o homem irá trabalhar até dormindo, ligado a um máquina.