Jornal da Unicamp
Em junho de 2009, manifestações populares contra o regime ditatorial no Irã ganharam repercussão mundial e se transformaram no histórico estopim de uma revolução sem precedentes nos países árabes. As imagens impactantes das revoltas e até da morte brutal de uma jovem de 16 anos, Neda Soltani, transformada em símbolo do protesto reformista, não foram, contudo, geradas pela imprensa. As restrições impostas pelo governo iraniano ao trabalho de jornalistas foram inúteis diante de um surpreendente e avassalador fenômeno de comunicação: o de vídeos produzidos e divulgados na internet por uma legião de cinegrafistas amadores. Gravadas pela população por meio de telefones celulares, as cenas da conflagração inundaram os portais de vídeo na web e permitiram ao mundo assistir àquilo que a ditadura desejava ocultar. Mais tarde, imagens e relatos deram origem à comovente coletânea Iranian Stories, também disponibilizada pela rede mundial de computadores.
A telefonia móvel disponibilizou uma poderosa ferramenta para a produção e disseminação instantânea de vídeos sobre tudo o que esteja ao alcance das minúsculas objetivas instaladas na grande maioria dos aparelhos celulares. Seja os sangrentos protestos da denominada “Primavera Árabe”, seja o flagrante da devastação causada pela irrefreável força de um tsunami no Japão, seja o drama dos alunos de uma escola no Rio de Janeiro invadida por um tresloucado atirador. Ou ainda a aprazível viagem a um recanto turístico e até mesmo um despretensioso almoço dominical da família. Hoje, as mais diferentes, inusitadas e cotidianas situações são documentadas e compartilhadas por meio de imagens em movimento.
Para Roger Odin, professor emérito de ciências da informação e de comunicação na Universidade Paris III – Sorbonne Nouvelle, vivemos a era da linguagem cinematográfica. Ele esteve na Unicamp para falar dos estudos que desenvolve na área do cinema documentário e no campo do cinema e do vídeo amador, onde se insere seu atual interesse pelas produções audiovisuais a partir dos celulares.
“Estamos testemunhando uma grande revolução, em que a linguagem cinematográfica tornou-se um meio de comunicação usual, cotidiano. Com frequência cada vez maior as pessoas se comunicam por meio de pequenos filmes que fazem com seus celulares, substituindo a linguagem verbal pela linguagem visual”, declarou Odin ao Jornal da Unicamp.
De acordo com ele, a familiaridade do público, mesmo que de maneira rudimentar, com determinadas técnicas e jargões da produção audiovisual, proporcionada, sobretudo, pela televisão, levou a uma banalização do uso da linguagem cinematográfica.
“A imagem ocupou o lugar da palavra. Se, num passado mais recente, alguém descreveria ao telefone o local onde se encontrava ou alguma situação que estivesse vivenciando, hoje essa pessoa utiliza o aparelho para mostrar o que deseja comunicar. Servimo-nos da linguagem cinematográfica do mesmo modo como utilizamos a caneta para expressar ideias”, afirma Odin.
Para o professor, os celulares colaboraram para dar uma dimensão totalmente nova à produção cinematográfica planetária, não apenas colaborando para o incalculável crescimento do gênero classificado como filmes de família, mas também impulsionando a realização de longas-metragens, a partir de avanços tecnológicos que aprimoraram a definição das imagens geradas pelas câmeras que esses aparelhos trazem embutidos e baratearam substancialmente a produção. A Nigéria (África), segundo Odin, é exemplo de país com larga escala de longas de ficção realizados nesse tipo de suporte.
“Há uma produção local muito forte e uma grande popularização da arte cinematográfica. Os filmes não são exibidos no circuito comercial, mas comercializados em DVDs por preços muito baixos e as pessoas os assistem em casa”, explica. Ele cita ainda a Europa, a Ásia e a China como outros centros com expressiva produção cinematográfica baseada em telefones móveis, embora pondere que no continente chinês isso se tornou uma alternativa à censura que limita a produção audiovisual em circunstâncias normais.