Conheça a Rebrinc

Por Desirée Ruas
Consciência e Consumo

Gabriel vem da capital de Rondônia, Cristhiane da cidade baiana de Teixeira de Freitas, Leo de Florianópolis e Raquel de Brasília. Em São Paulo, os quatro se juntam a outras pessoas que têm o mesmo objetivo: fortalecer a Rede Brasileira Infância e Consumo, Rebrinc. O 6º Encontro da Rede, realizado nos dias 25 e 26 de julho, reuniu cerca de 50 pessoas de todas as regiões do Brasil, no Centro de Eventos São Luís, na capital paulista.

Para todos, vale o esforço para participar dos debates e da troca de experiências com pessoas que atuam pela mesma causa. Com a missão de “sensibilizar, mobilizar e articular pessoas e organizações para a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes frente ao consumismo e às relações de consumo”, a Rebrinc nasceu em junho de 2013, data da primeira reunião do grupo. Há pouco mais de um ano, a Rede Brasileira Infância e Consumo vem sendo construída de forma horizontal e colaborativa. Por ter uma estrutura sem hierarquia, as decisões são tomadas em conjunto, em encontros periódicos realizados em São Paulo. O principal compromisso é fortalecer as ações individuais que já eram realizadas anteriormente pelos membros e dar visibilidade à causa da proteção da infância frente aos apelos do mercado. Grupos de trabalho, sendo eles Comunicação, Educação, Alimentação, Políticas Públicas e Vínculos Humanos Essenciais, também planejam ações próprias para levar o problema crescente do consumismo na infância a famílias, meios de comunicação, escolas, governo e mercado.

Fazem parte da Rebrinc pais, mães, educadores, médicos, nutricionistas, jornalistas, publicitários, artistas, advogados, membros de instituições ligadas à infância, ao meio ambiente e ao direito do consumidor, centros de pesquisa e universidades. A cada dia, novos membros entram no debate sobre infância e consumo por meio do grupo da Rede Brasileira Infância e Consumo no Facebook que possui mais de 600 membros. No sexto encontro presencial, o grupo discutiu, além de temas ligados à infância e ao consumo, questões operacionais e o planejamento das próximas ações da Rede.

Atores da Rebrinc

Também integrante da Rede, Mariana Sá, de Salvador, diz ter encontrado a sua turma. “A Rebrinc é a congruência de diversos atores de disciplinas e atuações diferentes com um mesmo interesse: uma infância mais bacana.” Mariana é  uma das criadoras do Movimento Infância Livre de Consumismo, Milc, e, para ela, “os atores da Rebrinc suprem necessidades do Milc como estudos, pesquisas, advocacy, produção de documentários, realização de eventos e de articulações nacionais.” Ativo na Internet e fora dela desde março de 2012, o Milc defende o envolvimento de mães e pais no debate sobre a  publicidade infantil e sobre a relação entre mídia e infância.

Leo Nogueira Paqonawta, pedagogo, mestre e doutorando em Educação, acredita no poder do coletivo para mudar a atual realidade. “Faço parte da Rebrinc porque unidos somos mais fortes na defesa dos direitos da criança, em especial frente à sua relação com a publicidade e a propaganda, assim também na proteção da infância como espaço/tempo especial na formação do ser humano”, conta o autor do site Descobrincante, que reúne textos sobre os direitos da infância na escola. Defensor de uma mídia democrática e responsável, Leo utiliza instrumentos de comunicação em seu processo educativo com seus alunos em Florianópolis, que produzem conteúdos que refletem sobre a realidade em que vivem.

Acostumada com a dinâmica da comunicação mercadológica, a publicitária e consultora, Nádia Rebouças, do Rio de Janeiro, defende mudanças na forma como o mercado vem atuando. Ela acredita na importância de uma rede sobre infância e consumo nos dias de hoje porque chegou a hora de mudar. Ela conta que “cada mudança vai passando por um processo de amadurecimento na sociedade e que, às vezes, nem percebemos, mas de repente tem uma massa crítica que se coloca a favor dessa mudança. Caminhamos para isso nos últimos anos porque o consumismo cresceu avassaladoramente e até as crianças foram se transformando em objeto e em mercadoria e avançou o ativismo pela causa.” Para ela, mais discussão e maior enfrentamento fazem parte do processo até a mudança. “A sociedade e o planeta não suportam mais”, desabafa com relação ao consumismo.

Uma das criadoras da campanha Põe no Rótulo, a advogada Cecília Cury, também está na Rede. Ela acredita “na urgência de se garantir espaço para o consumo consciente, especialmente quando consideramos as reais necessidades das crianças.” Preocupada com a saúde do seu filho, Cecília se uniu a outras mães na campanha #poenorotulo, criada em fevereiro deste ano, na Internet, por um grupo de famílias de alérgicos com o objetivo de divulgar a necessidade da rotulagem correta de alimentos alérgenos, como leite e soja, dentre outros.

Regina de Assis, consultora com experiência em educação e mídia, também atua na Rebrinc. Regina acredita que a Rede Brasileira Infância e Consumo é importante para o país “pois é tecida na rica diversidade de seus representantes, que trabalham comprometidos com os direitos das crianças brasileiras de viverem livres do consumismo”.

Para o grupo que compõe a Rebrinc, culpar os pais pelo consumismo infantil representa uma visão injusta e simplista do problema já que as famílias estão em desvantagem na relação aos múltiplos apelos do consumo sobre as crianças que são muito vulneráveis a tais mensagens. “É preciso repensar a pressão do consumo sobre a infância porque além de produtos e serviços, a publicidade e os outros conteúdos da mídia vendem valores e modos de agir e pensar nem sempre construtivos”, enfatiza Desirée Ruas, do Movimento Consciência e Consumo, de Belo Horizonte.

Nos planos da Rede Brasileira Infância e Consumo estão a promoção de ações de combate ao consumismo como feiras de troca de brinquedos, realização de debates sobre consumo e alimentação saudável, o incentivo a políticas públicas que priorizem o tema e estímulos para uma infância mais simples e menos materialista, dentre outros. Na discussão que a Rebrinc vem estimulando com pais, escolas e todos os interessados, entram temas como obesidade infantil, adultização da infância e erotização precoce, estímulo à violência, distorção de valores, o papel da escola e o entendimento da responsabilidade conjunta  da família, da sociedade e do Estado em assegurar a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes, incluindo mantê-las “a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, como determina o artigo 227 da Constituição Federal.

Liberdade de expressão

Durante o encontro da Rebrinc em São Paulo, as advogadas da organização não governamental Artigo 19, Camila Marques e Karina Quintanilha, falaram sobre a diferença entre os conceitos de liberdade de expressão e liberdade de expressão comercial. “A liberdade de expressão é um direito do indivíduo e não de empresas e restrições legítimas podem acontecer para a defesa de outros direitos”, explicou Camila. A classificação indicativa de conteúdos audiovisuais que existe hoje no país foi citada como um exemplo de um parâmetro criado com o objetivo de proteger crianças e adolescentes. A apresentação contribuiu para o debate da legitimidade de ações que buscam traçar limites à comunicação mercadológica dirigida à criança. Como defende o jurista Dalmo Dalari, em seu artigo “Publicidade danosa à criança”, publicado originalmente no Jornal do Brasil, “o controle da publicidade dirigida à criança vincula-se à questão da liberdade de comércio e não à liberdade de expressão, que é um direito fundamental da pessoa humana. Essa distinção é essencial, pois retira a base jurídica dos que, interessados prioritariamente no comércio, tentam sustentar a alegação de inconstitucionalidade das normas legais e regulamentares que fixam diretrizes para a publicidade dirigida à criança”.

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