Brincadeira sem graça

Por Marcus Tavares

Bullying. A palavra já faz parte do dicionário de muitas escolas e famílias brasileiras, mas muitas ainda não sabem lidar com suas causas e conseqüências. E basta um novo caso ser divulgado para que as dúvidas e incertezas voltem à tona. Na última semana, o caso do menino australiano Casey Heynes, de 15 anos, ganhou o mundo, depois de ter um vídeo seu divulgado no You Tube. Nas imagens, Heynes aparece brigando com seu colega de escola, Richard Gale. Em entrevista a uma emissora de TV, Heynes contou ser vítima de bullying há três anos. A cena é forte. Heynes dá socos em Richard e em seguida o joga no chão.

Assista ao video de Casey Heynes

Os pais de Heynes desconheciam o que se passava na escola. Ficaram contentes com a reação do filho, mas não aprovaram a violência. A entrevista, já vista por mais de 228 mil pessoas, não ouviu nem consultou a escola, palco onde aconteceu o episódio. Em 12 minutos, a reportagem resgata, com uma certa dose de sensacionalismo, a história de Heynes. Ontem, vítima. Hoje, herói.

No Brasil, o conteúdo do vídeo foi tema de debate entre professores e pais. Virou, inclusive, gancho jornalístico para telejornais e revistas eletrônicas, como o Fantástico, da Rede Globo, que recebeu cerca de cem telefonemas de telespectadores narrando agressões sofridas na escola. E quase todas com uma mesma característica: as crianças sofrem as agressões, mas não contam para seus pais.

“Bullying é toda violência que ocorre em território escolar, e para ser bullying tem que ser intencional, ela tem que ser repetitiva, no mínimo três vezes, e a pessoa que sofre, a vítima, tem que estar sempre em uma situação desfavorável para fazer frente a essa agressão. E as agressões são difíceis de detectar. E 90% das crianças que sofrem bullying não falam para os pais”, aponta Ana Beatriz Barbosa Silva, psiquiatra.

Confira outras histórias de vítimas de bullying

Quem sofre

A pesquisa “Aprender sem medo”, realizada pela ONG Plan Brasil, revela que o bullying é mais comum nas regiões Sudeste e Centro-Oeste e que a incidência maior está entre os adolescentes na faixa de 11 a 15 anos de idade, especialmente os estudantes da sexta série do Ensino Fundamental.

A pesquisa avaliou a incidência, as causas, os modos de manifestação, o perfil dos agressores e das vítimas, e as estratégias de combate aos maus tratos e ao bullying no ambiente escolar. Também foram realizados quatorze grupos focais com 55 alunos, 14 pais/responsáveis e 64 técnicos, professores ou gestores de escolas localizadas nas capitais pesquisadas

O levantamento mostra que é maior o número de vítimas do sexo masculino: mais de 34,5% dos meninos pesquisados foram vítimas de maus tratos ao menos uma vez no ano letivo de 2009, sendo 12,5% vítimas de bullying, caracterizado por agressões com frequência superior a três vezes.

Segundo a maioria dos entrevistados, a principal consequência recai sobre o processo de aprendizagem. Os dados indicam que tanto vítimas quanto agressores perdem o interesse pelo ensino e não se sentem motivados a frequentar as aulas. Embora gestores e professores admitam a existência de uma cultura de violência pautando as relações dos estudantes entre si, as escolas não demonstraram estar preparadas para eliminar ou reduzir a ocorrência do bullying.

Os alunos não conseguem diferenciar os limites entre brincadeiras, agressões verbais relativamente inócuas e maus tratos violentos. Tampouco percebem que pode existir uma escala de crescimento exponencial dessas situações.

O papel da escola e dos pais

O estudo conduzido pela Plan Brasil destaca que as escolas não estão preparadas para evitar o bullying, muito menos para estabelecer os limites entre brincadeira, agressão ou as formas de convivência que garantam a socialização e o respeito mútuo.

A pesquisa afirma que a gestão escolar e as competências dos docentes e técnicos do sistema de ensino não contemplam procedimentos de prevenção, controle e correção da violência. Mais do que uma omissão ou carência de capacitação e de instrumentos apropriados, parece existir uma tendência a considerar que este tipo de problema e sua solução não fazem parte da natureza ou da missão de uma instituição de ensino.

Os procedimentos adotados pelas escolas são as tradicionais formas de coação ao aluno, como a suspensão (culpabilização do aluno) e a conversa com pais (culpabilização da família), medidas, que segundo especialistas, são claramente insuficientes para a abordagem do fenômeno.

“A escola ainda se utiliza de ferramentas talvez adequadas para coibir os antigos casos de indisciplina, cuja causa estava localizada nas particularidades de uma família, de uma criança e de um contexto específico. O que este estudo traz para o debate atual é a constatação de que não se trata de um fenômeno de natureza individual. Os maus tratos entre pares e o bullying são fenômenos que ocorrem no ambiente da escola, mas atingem a coletividade e ao mesmo tempo revelam seus padrões de convívio social. É interessante perceber que, com raras exceções, a pesquisa revelou que a escola está  muito longe de reverter tal situação e não apresenta nenhuma ação de mais amplo alcance”, destaca a publicação da pesquisa.


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O que fazer?

1 – É fundamental estabelecer laços, proximidades e comunicações entre todos, entre escola, professores, pais, funcionários e estudantes, no sentido de promoverem ações voltadas para redução e eliminação da violência no ambiente escolar. É a comunidade que tem condições de planejar ações, identificar necessidades, falhas, desejos e, principalmente, propor soluções. Os gestores da educação devem ser capazes de estimular e facilitar tais processos, fortalecendo a gestão democrática nos sistemas de ensino.

2 – As escolas devem criar procedimentos preventivos e formas de reação ágeis para evitar a ocorrência de situações de bullying e quaisquer outras manifestações de violência entre estudantes. As normas devem ser claras, objetivas, aplicadas com rigor e transparência. A elaboração de tais regras e processos pode ser um excelente exercício participativo, que resulte em clara compreensão do fenômeno por todos os atores da comunidade, estimulando o engajamento dos próprios alunos e suas famílias, assegurando a legitimidade de sua aplicação.

3 – As questões do convívio social, dos padrões que regem as relações entre as pessoas e dos direitos de cidadania a que todos devem ter acesso não devem ser tratadas em uma disciplina específica, mas serem trabalhadas no conteúdo de todas as disciplinas da grade curricular.

4 – As escolas devem procurar diagnosticar, sistematicamente, a emergência de casos de bullying e outras formas de violência nas relações interpessoais, de modo a estabelecer metas objetivas de redução e eliminação do fenômeno no âmbito dos seus planejamentos estratégico e pedagógico.

5 – A gestão escolar deve incorporar atribuições de prevenção e controle da violência, que podem ser exercidas de forma integrada com outras instituições do Estado – segurança pública; polícias civil, militar, municipal, comunitária; conselhos municipais etc. – e da sociedade civil – associações de moradores, ONGs, fundações empresariais, movimentos sociais etc.

E qual é o papel da mídia?

Segundo a jornalista Ana Lagôa, coordenadora do Núcleo de Estudos de Comunicação e Educação (Nece) e voluntária do Centro de Ecologia Aplicada de Teresópolis (Ceat), o papel da mídia na divulgação do bullying, tanto no jornalismo como em outros setores (dramaturgia, entretenimento etc), é o mesmo que podemos requerer para qualquer outra questão que se refere à vida em sociedade.

Diz ela: “É um papel de extrema responsabilidade, pois tanto pode reforçar atitudes equivocadas, se cairmos na armadilha de glamurizá-las (exemplo: filmes pretensamente criados como comédias inocentes, mas que exaltam o bullying, o preconceito, o desrespeito, especialmente entre jovens; quadros pretensamente humorísticos baseados no achincalhe de um ou mais personagens, tendo como gancho cor de pele, aparência física, algum fator de deficiência etc); como pode mostrar o tanto que essas atitudes são cruéis e as consequências nefastas podem ocorrer para quem é o alvo das tais agressões, muitas vezes travestidas de brincadeiras”.

Para Lagôa, o mais grave é que justamente nos canas abertos, que têm como público a esmagadora maioria da população, encontram-se diuturnamente uma sequência de aberrações que podem ser classificadas como incentivo ao bullying.

De que forma, portanto, a mídia deveria abordar o tema?  Para a jornalista, com bom senso, com sabedoria. Com conhecimento profundo do tema, das suas implicações, das suas raízes e suas extensões.

“O primeiro passo seria abolir cenas de bullying de todos os programas dos canais abertos ou a cabo e de programas de rádio, impressos etc. Mas principalmente da TV. Usar a dramaturgia, que anda tão famosa e respeitada, para levar essa possibilidade de entendimento a amplas camadas da população. Noticiar incessantemente os casos de bullying que mereçam se tornar notícia, mas sempre evitando dar ares de importância – os tais 5 minutos de fama e glória – aos algozes praticantes do bullying”.

“É preciso desvendar essa prática em suas raízes familiares, pois sempre se fica com a impressão de que o bullying nasce e cresce na escola, quando na verdade ele é fruto de uma formação torta que vem de casa. Só o conhecimento tem poder de mudar atitudes, por isso o ato de informar nunca pode perder de vista o seu papel formador”, analisa.

Pingue-Pongue com Aline Bittencourt
orientadora educacional do Colégio Cruzeiro

– O bullying está presente hoje nas escolas?

Acredito que sim. Mas é importante pensarmos sobre a forma como o assunto vem sendo    interpretado após a ampla divulgação nos veículos de comunicação. Precisamos refletir com os alunos e ajudá-los a diferenciar o bullying  (fenômeno que sempre existiu e hoje recebe dedicada e merecida atenção dos educadores e outros especialistas) de uma atitude de desrespeito isolada. Em nossa escola,  depois da implantação do Projeto “Respeito é bom e eu gosto” nas turmas de 3º ao 5º do Ensino Fundamental I, em 2009, percebemos o fenômeno bullying com menor intensidade. Entendemos que, com o trabalho realizado, alunos que se “escondiam” (independente do motivo), nos procuraram pedindo ajuda. Assim, pudemos agir e cuidar dos casos de forma mais eficaz.

– De que forma o bullying aparece?

Na minha opinião, a motivação para a prática da intimidação, agressão (seja física ou verbal) ou desrespeito direcionado é subjetiva e está relacionada a história de cada sujeito. É preciso muito cuidado com todos os envolvidos, quem pratica, quem sofre e os possíveis expectadores. Além do acompanhamento de um psicólogo (se for o caso) para melhor compreendermos as causas e como aparece.

– Ocorre mais entre meninos ou entre as meninas?

Acredito que em igual proporção.

– A escola e os pais tomam conhecimento?

Em muitos casos sim.

– É difícil perceber um caso de bullying?

Depende muito da situação. Normalmente, acaba sendo mais observado pelos professores que acompanham as turmas. Ao perceberem alterações comportamentais ou  situações de conflito no grupo, logo propõem alguma atividade para a confirmação ou não do fenômeno. Um olhar sensível e atento da escola e dos pais facilita muito a percepção.

– De que forma o Colégio Cruzeiro vem procedendo?

Procuramos atuar de maneira preventiva, escutando e orientando os alunos de todos os segmentos e às famílias que precisam de atendimentos individualizados. Promovemos ainda diálogos e momentos de reflexão em reuniões com os pais durante o ano letivo. No ano passado, abrimos nosso Ciclo de Debates com uma palestra oferecida às famílias, ministrada pelo Dr. José Carlos Guedes, psicanalista e membro efetivo do Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, que teve como tema: “Escola e família: aprendendo a conviver com as diferenças”.

– Como é feito o diálogo/trabalho com e entre o ‘agressor’ e a ‘vítima’?

Depende da situação. Antes de dialogar e orientar os alunos,  discutimos procedimentos com a equipe das orientadoras educacionais, coordenadores e professores que atuam com os alunos em questão. E, se for o caso, a orientadora do segmento em que eles se situam entra em contato com psicólogos que atendem os envolvidos, para realizar um trabalho em conjunto. Em alguns casos, precisamos atuar junto à turma com técnicas de dinâmica, discussões e conversas em grupo ou estudos de casos.

– Os pais colaboram?

A maioria dos pais é parceira e interessada  em ajudar a resolver o problema.

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patricia
patricia
13 anos atrás

Gostaria que todos do corpo dicente e docente e a sociedade observasse que o bullying pode ter origem dentro da própria casa do aluno agressor. Geralmente o mesmo, descarrega toda a agressão sofrida para um outro integrante da escola que aparenta ser mais frágil ou que ele o veja ,como. E até para o professor! Na forma de desrespeito. Claro, que toda a mídia de violência coopera, mas acredito que a causa venha do âmbito familiar. Já assisti a muitas cenas, onde os pais não sabiam como resolver uma questão imprimiram a violência para a criança. Ex: Uma aluna X da escola que trabalho, que não terminou os estudos e teve uma gravidez antecipada. A filha foi quase agredida no rosto e na boca, pois a mesma queria educa-la com atos violêntos. A filha da aluna tem apenas 2 anos.Chamei a Aluna X e conversei e lhe expliquei que o procedimento não era coerente e a mesma é que precisava mudar de atitude com a filha. Depois desta conversa, a mesma melhorou a sua atitude enquanto eu a observava.

Anna Karla Conhasco Dantas
Anna Karla Conhasco Dantas
13 anos atrás

As escolas, principalmente as públicas por terem menos recursos, estão despreparadas por não terem pessoal suficiente para poder inibir e ao mesmo tempo tratar de problemas que surgem no decorrer do processo.
Nas escolas estaduais , não percebemos a presença de psicólogos que trabalhem acompanhando os alunos detectados pelos professores. No máximo, o que encontramos , nas estaduais maiores , são os orientadores educacionais que têm que fazer papel de psicólogos.

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