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Lutas na tevê

Lutas na tevê: qual o impacto no dia a dia das crianças e dos adolescentes? A pedagoga Ana Paula Fonseca analisa. Confira na entrevista que ela concedeu.

“Compete aos professores ponderar sobre o mundo à sua volta e refletir sobre as reelaborações e interpretações que têm feito com seus alunos”, destaca Ana Paula Fonseca.

 

Por Marcus Tavares

Em março deste ano, a revista Exame publicou uma matéria informando que o número de assinantes pay-per-view das lutas do Ultimate Fighting Championship (UFC) dobrou no último ano, pulando da casa dos 50 para 100 mil assinantes. O assunto foi tema do programa Ver TV, produzido pela TV Câmara. Entre as entrevistadas estava a pedagoga Ana Paula Fonseca.

Professora da cidade de São Paulo, Ana Paula Fonseca está preocupada com a audiência infanto-juvenil, cada vez mais antenada às lutas. Lutas que “além da violência traz também o glamour, a projeção e a fama dos competidores. Um tipo de luta tratada como um esporte milionário e sem muitas regras”.

Na última semana, a revistapontocom conversou com a professora para aprofundar a temática. Para a professora, é preocupante a banalização da violência e da agressividade pelas vias midiáticas. Segundo ela, é justamente esse processo de naturalização e de internalização, de longa data, que leva as pessoas a considerarem “leves” programas como o UFC.

Acompanhe:

revistapontocom – A senhora participou recentemente do programa Ver TV, da TV Câmara, cujo assunto foi violência na tevê. Foi muito debatido a veiculação de lutas no horário noturno, em especial o Ultime Fighting Championship (UFC), transmitido aos sábados pela Rede TV. Essas lutas vêm, realmente, chamando a atenção de crianças e jovens?
Ana Paula Fonseca – Acredito que esse tipo de programa chame a atenção principalmente dos adultos. O interesse das crianças seria muito mais uma consequência por imitação. Dados publicados pela revista Exame de 16/03/2011, em uma matéria sobre o UFC, revelam que o número de assinantes pay-per-view dobrou no último ano, saltando de 50 para 100 mil assinantes, somente no Brasil. Acredita-se que as crianças aprendam muito mais por imitação. Assim se os adultos se interessam por determinado esporte ou determinada esfera do conhecimento, seja artístico ou científico, assim também a criança o fará. Cito o exemplo de meus alunos – faixa etária de 6 a 9 anos – que ficaram interessadíssimos na cidade de Brasília – sua localização, sua história e construção, suas particularidades, principais atividades etc – depois que compartilhei com eles a minha ida à cidade por ocasião da gravação do programa Ver TV. Assim sendo, consideramos que, se crianças e jovens estão interessadas pelo UFC, muito provavelmente é porque suas famílias também estão. Pode ser que, a posteriori, as crianças tomem gosto e a atividade se torne uma paixão, mas inicialmente, acreditamos que o comportamento se dê por imitação.

revistapontocom – Mas a senhora acredita que esses programas podem de fato influenciar as crianças e os jovens a se tornarem violentos?
Ana Paula Fonseca – A violência e a agressividade são elementos intrínsecos ao humano. Aliás, teriam sido elas as responsáveis pela sobrevivência e pelo desenvolvimento de nossa espécie. Porém, a falta de canalização e de domínio das paixões podem estar estreitamente ligados aos espetáculos de barbárie que assistimos hoje em dia (estejam ou não retratados na mídia). Entendemos que a violência humana é anterior a quaisquer meios de comunicação. Evidentemente, as mídias têm papel fundamental nesse processo ao naturalizar e internalizar toda violência presente no mundo da vida, quase que instantaneamente. O sensacionalismo, a falta de responsabilidade e ética entre produtores certamente potencializam esse circo dos horrores, porém consideramos que as mídias não devam ser consideradas as maiores vilãs. Vale lembrar que são um recorte da sociedade tal como está constituída, ainda que esse recorte não seja isento de intencionalidades múltiplas, permeados por ideologias, por vezes paradoxais.

revistapontocom – A violência em questão não estaria dentro de um contexto? Não se trata de esporte, assim como o judô, o karatê, o boxe?
Ana Paula Fonseca – Os esportes têm regras claras, definidas e respeitadas por seus praticantes. Os esportes, artes marciais ou não, trazem em seu cerne a disciplina e o respeito por si e pelo outro. Talvez a violência do UFC esteja contextualizada, sim, porém pergunto: “vale tudo” para se divertir? A violência diverte e entretém? O que estão buscando as pessoas que se divertem com a violência e a agressividade “sem limites”? Acredito que sejam questões para se debater à exaustão. Na minha opinião, não basta proibir ou limitar o horário (como quem varre a sujeira para debaixo do tapete), a violência está posta e retratada. Assim creio que não caiba, simplesmente, proibi-la ou limitá-la a determinado horário. Antes é premente o debate público aberto e franco em diversas esferas sociais, inclusive e, principalmente, na escola. Acreditamos que este debate deva contemplar os processos de produção, de escolha, de encadeamento dos temas, bem como seus possíveis efeitos e impactos sociais. A esse propósito, vale lembrar que a prefeitura de São Paulo desenvolve o projeto “educom – educação para comunicação”, que apesar das falhas, talvez seja aquele que mais se aproxima do necessário debate das mídias no ambiente escolar, através das próprias produções, os alunos podem refletir e entender produtos midiáticos a partir da óptica interna e não apenas de meros consumidores.

revistapontocom – No caso, o programa é exibido depois das 23:30, veiculando a uma classificação indicativa para maiores. Mesmo assim a audiência de menores é grande?
Ana Paula Fonseca – Temos diversas situações possíveis: crianças mais tuteladas, com regras e horários muito bem definidos, e outras menos tuteladas ou, até mesmo, abandonadas, estão livres para proceder às suas escolhas, nem sempre refletidas ou esclarecidas. Consideramos que exista muita confusão entre autonomia e abandono. E é nessa lacuna que a “babá eletrônica” está livre para agir, formar e deformar onde falta a família e, posteriormente, a escola.

revistapontocom – No mundo em que vivemos, tais programas não seriam vistos como ‘leves’ em relação aos dramas exibidos nos telejornais, a qualquer hora do dia?
Ana Paula Fonseca  – Como eu disse anteriormente, considero preocupante a banalização da violência e da agressividade pelas vias midiáticas. É justamente esse processo de naturalização e de internalização, de longa data, que leva as pessoas a considerarem “leves” programas como o “UFC sem limites”, que além da violência traz também o glamour, a projeção e a fama dos competidores; um tipo de luta tratada como um esporte milionário e sem muitas regras. Assim, tais programas podem parecer um eufemismo se comparados a outros tantos que retratam de forma sensacionalista nossas mazelas sociais.

revistapontococom – Que recomendações a senhora daria para pais e professores?
Ana Paula Fonseca – Sem dúvida, eu não recomendaria esconder ou deixar de lado as múltiplas esferas do mundo que está posto, mas, antes, considero fundamental a participação efetiva dos pais na vida dos filhos, muitos estão preocupadíssimos e até conseguem suprir toda assistência material em detrimento de uma participação efetiva na vida, na educação, na atenção dispensada ao que fazem, ao que jogam, ao que assistem, mas talvez não conversem, nem orientem sobre as veiculações midiáticas. Compete aos professores ponderar sobre o mundo a sua volta e refletir sobre as reelaborações e interpretações que têm feito com seus alunos. Entendemos que a rotina, por vezes, esmaga as práticas reflexivas do docente, mas é preciso que resistam a mais essa deformidade educacional e levem seus alunos a refletir de forma sistematizada sobre o mundo da vida, inclusive na esfera midiática, tão pouco abordada, tão pouco explorada, esquecendo-se que ela se constitui não apenas um rico material pedagógico, mas em uma das facetas da vida.

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alison
alison
11 anos atrás

que programa ruim demais nao da pra ver ao vivo

Carlos
Carlos
12 anos atrás

Entre ser fâ do restart e Serginho do BBB ou Lyoto Machida e Minotauro, não tenha dúvidas: Deixe a gurizada gostar de MMA. Já basta de tanta ciança baitinga…

João
João
12 anos atrás

De fato muitas pessoas devem discordar de mim, mas eu acho que esse crescimento na audiência por parte dos adolescentes e crianças não é ruim,mas respeitando a faixa etária. o UFC é um esporte e não incentiva de modo algum a violência. Pelo contrário, nos ensina que lutar é diferente de brigar. É muito comum ao fim de uma luta vermos os dois oponentes trocando abraços e apertos de mão, como forma de respeito. Então eu não vejo o porque dos jovens não assistirem. UFC é cultura. Eu tenho 15 anos e assisto todos os sábados o UFC pela RedeTv. Parabéns pelo blog!

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