O Dia das Crianças vem aí. Quer dar um presente bem bacana para elas? Conheça um pouco a história da Maria Rita, da Beatriz e da Mariana. Do Francisco e João Victor. Dos irmãos Luiz Henrique e Isabela. Da Marina e do José Carlos. E dos namorados Giovana e Hugo. A turma de meninos e meninas é a estrela do Programa Especial, deste sábado (dia 11/10), uma produção da TV Brasil que tem o objetivo de dar vez e voz às pessoas com deficiências. A atração comemorativa ainda conta com Matheus, o apresentador. Caio, responsável pela transcrição em Libras e Maria Júlia, pela narração da audiodescrição.
“As crianças, de diferentes idades e deficiências, vão se apresentar, bem como seus lugares, amigos, brincadeiras, enfim seus respectivos cotidianos. Elas são carismáticas e se expressam com muita naturalidade. Não é um programa infantil, mas fizemos uma edição especial para o Dia das Crianças”, avisa Hermínia Bragança, coordenadora de conteúdo da TV Brasil.
Há dez anos em cartaz, o Programa Especial é um ícone da grade da TV Brasil, e um dos únicos da TV brasileira, que busca dar visibilidade aos indivíduos que têm algum tipo de deficiência da forma como eles realmente são. “Nem coitados nem super-heróis”, resume Ângela Patricia Reiniger, diretora do programa.
Conheça mais sobre o programa. Acesse o site
O programa do Dia das Crianças vai ao ar sábado, dia 11, às 10h30, na TV Brasil.
Segundo Ângela, a cobertura sobre os cidadãos deficientes, de modo geral, melhorou bastante nos últimos anos, mas, ainda falta colocar a pessoa antes da deficiência. “Existem muitos casos em que a pessoa com deficiência é tratada como incapaz de gerir a própria vida ou então é vista como um ser extraordinário, só porque tem um trabalho”.
Dada à importância do programa para o debate sobre a inclusão dos deficientes no dia a dia da sociedade e no desenvolvimento de políticas públicas consistentes, a revistapontocom entrevistou Hermínia e Ângela. Um bate-papo, via e-mail, que faz pensar, refletir e reconhecer a importância de um Programa Especial.
Acompanhe:
revistapontocom – Ao longo dos dez anos do programa, como vocês avaliam o retorno da audiência e da equipe responsável pela produção, nos bastidores?
Ângela Reiniger – Quando o Programa Especial começou, acredito que o que mais chamou a atenção do público foi ver pessoas com deficiência como protagonistas de um programa. Por mais absurdo que isso pareça hoje em dia, na época, se falava sobre as pessoas com deficiência e não em conjunto com as pessoas com deficiência. (Ângela, não entendi essa questão anterior…do conjunto) Com o tempo, acho que, simultaneamente, ajudamos à sociedade a encarar este tema de outro modo, por meio das abordagens das nossas matérias. Pessoas com deficiência não são nem coitadinhas nem super-heróis. Era desta forma que retratávamos as mudanças que estavam acontecendo, em grande parte devido à atuação de movimentos de pessoas com deficiência e de pais que queriam que seus filhos crescessem se enxergando de outro modo. Em relação aos profissionais que conviveram e convivem diretamente com a produção do programa, percebo significativas mudanças em quatro grupos distintos. Primeiro: os técnicos, como operadores de áudio, por exemplo, que me disseram que antes nem prestavam atenção nos direitos das pessoas com deficiência, mas que, agora, são indivíduos que, se virem alguém parando indevidamente em uma vaga reservada para cadeirantes, vão lá falar com quem está fazendo isso para explicar o quão é inapropriada a atitude. Segundo: os pais das crianças com Síndrome de Down, por exemplo. Ao serem entrevistados pela nossa repórter Fernanda Honorato, que também tem Down, eles parecem ter uma outra visão do futuro dos seus filhos. A repórter ali, entrevistando eles, é uma evidência concreta de que muito do que ouviram até então pode ser fruto de desconhecimento ou preconceito e que não há como pré-estabelecer até aonde cada pessoa, tenha ela deficiência ou não, pode ir. Terceiro: os estagiários que passaram por aqui. Como não é possível aproveitar todo mundo, a maioria segue seu caminho ao final do estágio. E é com grande alegria que percebemos que eles levam a experiência que adquiriram com o programa para outros veículos de comunicação. E, por último, o quatro grupo: as crianças e os jovens com deficiência que passaram a ter modelos na mídia para se espelhar.
Hermínia Bragança – Outra perspectiva que acho importante destacar em relação ao Programa Especial é que, ao longo destes dez anos, ele se estabeleceu como uma referência importante não apenas para pessoas, mas também para instituições e organizações que trabalham com pessoas com deficiência. Isso ficou muito claro para mim nas entrevistas que foram feitas para o programa comemorativo dos 10 anos. As pessoas veem o Programa Especial como um “companheiro de luta”, quase como se ele, em si, já tivesse se tornado uma instituição, uma organização. Assista ao vídeo
revistapontocom – É possível historicizar as bandeiras do Programa Especial ao longo dos dez anos?
Ângela Reiniger – Nosso primeiro objetivo foi, antes de tudo, possibilitar a troca de informação entre pessoas em diferentes partes do país. Quando falo em troca de informações, não me refiro apenas aos novos tratamentos ou leis, mas, sim, que pudéssemos mostrar de que forma diferentes pessoas lidavam com as questões que a deficiência trazia para vida delas. Também sempre houve uma preocupação de nossa parte de mostrar as pessoas com deficiência como protagonistas de suas próprias histórias. Acredito que o público percebeu isso e se sentiu representado pelo Programa Especial. É importante ressaltar que, após um tempo, creio que o programa teve um avanço quando passamos a contar com repórteres com deficiência, fazendo matérias sobre outros assuntos não ligados à deficiência. Este é o caso, por exemplo, quando a Fernanda Honorato (nossa repórter que tem Síndrome de Down) faz uma reportagem de cultura ou o José Luiz Pacheco (nosso repórter cadeirante) entrevista um atleta sem deficiência. Para mim, essas duas abordagens são importantes e complementares: ter a deficiência como tema e também ter o olhar da pessoa com deficiência sobre outros assuntos. Atualmente, o nosso objetivo é expandir ainda mais a audiência, alcançando o público que não tem nenhuma ligação direta com a questão da deficiência. Já percebemos, através de mensagens de espectadores e mesmo de pessoas que vêm falar conosco quando estamos gravando em externa, que este público está ligado ao programa e que se interessa por uma abordagem natural deste tipo de assunto. Enfim, esperamos contribuir para que a inclusão seja natural e parte da vida cotidiana de todos nós.
revistapontocom – Podemos afirmar então que a sociedade está mais sensível à temática?
Ângela Reiniger – Acho que, depois de dez anos, a sociedade está mais aberta em relação ao tema. Embora ainda existam várias ideias pré-concebidas sobre as pessoas com deficiência, pelo menos há um interesse maior em ouvir essas pessoas e menos medo de se conversar com elas. Além disso, grupos ligados, por exemplo, à questão do autismo se articularam de modo a defender seus direitos e a tentar conscientizar a sociedade sobre assuntos de seu interesse (inclusão escolar, por exemplo). Com uma maior visibilidade na mídia, muitas pessoas com deficiência passaram a sair mais de casa, fazendo com que a sociedade como um todo olhasse mais atentamente para este tema. Ainda há um caminho a ser trilhado, mas acho que avançamos bastante.
Hermínia Bragança – É inquestionável que houve uma mudança positiva na forma como a sociedade se relaciona com as pessoas e com o tema. E a TV reflete isso. É muito bom ver o tanto e o quão rapidamente caminhamos, mas ainda há muito a se fazer. E a questão da inclusão da pessoa com deficiência se insere em uma questão mais ampla que é o convívio com a diferença, que eu, pessoalmente, acho que é um dos grandes desafios do nosso tempo.
revistapontocom – Neste sentido, a mídia tem um papel importante. Como vocês avaliam a cobertura dela frente ao tema?
Ângela Reiniger – Acho que a cobertura, de modo geral, melhorou bastante, mas, ainda falta colocar a pessoa antes da deficiência. Além disso, ainda existem muitos casos em que a pessoa com deficiência é tratada como incapaz de gerir a própria vida ou falar por si. Ou então como diferentes, como se fosse algo extraordinário alguém com deficiência trabalhar.
Hermínia Bragança – Acho que o grande desafio hoje não é tanto “cobrir” ou abordar a questão da deficiência, mas incluir pessoas com deficiência nos programas de uma forma mais natural. Por exemplo, no jornalismo: mais do que matérias sobre deficiência ou “superação” – implico bastante com este termo -, precisamos de um jornalista ou de um âncora que seja deficiente. Ou uma matéria sobre um escritor, pintor ou matemático falando sobre o seu trabalho e não sobre a sua deficiência. Da nossa parte, pensadores e produtores de conteúdo para o público infantil, precisamos, cada vez mais nos “incumbirmos” de produzir conteúdos onde crianças com deficiência se vejam refletidas e crianças sem deficiência vejam pessoas com deficiência existindo, colaborando socialmente, enfrentando desafios e rindo e brincando e brigando. Enfim, como pessoas, com qualidades e defeitos, nem melhores nem piores.
revistapontocom – Se temos muito a caminhar com relação ao tema, o que dizer das crianças e adolescentes portadores de necessidades especiais? Eles teriam mais obstáculos a enfrentar?
Ângela Reiniger – É interessante que as crianças em si não costumam demonstrar preconceito. No caso da inclusão escolar, por exemplo, o mais comum são alguns pais acharem que a convivência com pessoas com deficiência irá prejudicar os filhos deles, sem se darem conta de que uma sociedade inclusiva é boa para todos, não apenas para pessoas com deficiência. E eu concordo com a Hermínia quando ela diz que é preciso mostrar as crianças com deficiência com naturalidade, porque, antes de tudo, elas são crianças. Fazem bagunça, tem preguiça às vezes para os estudos, adoram estar com os amigos e assim por diante.
Hermínia Bragança – Em relação às crianças, elas estão inseridas na sociedade e como hoje a sociedade é um pouco mais informada, um pouco menos preconceituosa e existe mais acessibilidade e inclusão, elas têm muito mais chances de desenvolver uma autoestima melhor.