” Não creio que possamos dizer que “midiaeducação” seja um conceito. É uma ‘boa ideia’ e uma relação necessária”, destaca Nilda Alves.
Por Marcus Tavares
O que é mídia e educação? Um conceito? Uma ideia? A sua grafia escrita junta ou separada traduz algum significado? Existiria outro termo que definiria melhor a interface entre a educação e a mídia? Trata-se de um novo campo de estudo?
A revistapontocom inicia esta semana a publicação da primeira parte do Dossiê midiaeducação, na qual vai publicar entrevistas com professores, estudiosos e pesquisadores sobre o tema. A cada semana, pelos próximos três meses, uma nova entrevista. Um novo olhar. Uma nova perspectiva sobre a interface mídia e educação.
Para a OSCIP Planetapontocom, midiaeducação é um conceito que se traduz em um trabalho educativo sobre os meios, com os meios e através dos meios. Sobre os meios, refere-se ao estudo e análise dos conteúdos presentes nos diferentes meios e suas linguagens. Com os meios, trata-se do uso dos meios e suas linguagens como ferramenta de apoio às atividades didáticas. E através dos meios, diz respeito a produção de conteúdos curriculares para e com os meios, em sala de aula e, também, a educação a distância ou virtual, quando o meio se transforma no ambiente em que os processos de ensino-aprendizagem ocorrem.
Anna Helena Altenfelder, Afonso Albuquerque, Paulo Carrano, Ismar de Oliveira, Regina de Assis, Rosália Duarte, Eduardo Monteiro, Inês Vitorino, Mônica Fantini, Gilka Girardello, Rita Ribes, Nilda Alves, Guaracira Gouvêia e Inês Vitorino são alguns dos nossos convidados/entrevistados da série. Na abertura do dossiê, você confere o diálogo com a professora Nilda Alves, da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Além de vários livros publicados, a professora coordena o Laboratório Educação e Imagem e, pelo CNPq, o grupo de pesquisa Currículos, redes educativas e imagem.
Você também pode participar desta série, enviando sua dúvida, comentário ou relato de experiência.
Acompanhe:
revistapontocom – Como podemos definir o conceito midiaeducação?
Nilda Alves – Não creio que possamos dizer que “midiaeducação” seja um conceito. É uma ‘boa ideia’ e uma relação necessária. A amplitude que as mídias ganharam em nossos tempos e sua importância como ‘espaço tempo’ educativo, exigiu que o campo da educação dedicasse a ela sua atenção e suas emoções (entusiasmo ou raiva, ‘negação afirmação’). Naturalmente, como em muitas coisas, foram os mais jovens que iniciaram esses processos, trazendo para nossas tantas redes educativas (escolas, movimentos sociais, associações e sindicatos, religiões etc) suas possibilidades, nos dizendo: por aqui, talvez, seja muito mais divertido (e rápido). Claro, essa ideia de diversão (e rapidez) estreitamente ligada a processos educativos – sejam curriculares ou não, mas sempre pedagógicos – ao meio a muitas discussões e brigas, obrigou a que muitas “mexidas” fossem dadas em processos educativos tradicionais e, entre elas, uma a que tenho me dedicado a compreender: a mudança “coperniana” sobre os que ‘aprendemensinam’ nas escolas. Fica cada vez mais difícil falarmos em professores que ensinam e estudantes que aprendem. Somos agora, todos, ‘docentesdiscentes’ ou ‘discentesdocentes’, como preferirem. Além disso, esses contatos possíveis e necessários fizeram com que os limites entre o ‘dentrofora’ das escolas – ou de outra rede educativa que consideremos – fossem caindo um a um. É por isso, que a grande ideia da contemporaneidade, a ser compreendida, é a de redes de conhecimentos e significações. Com ela, não há mais ‘começo preciso’ – no sentido de preciso no poema de Fernando Pessoa – e muito menos um fim datado.
revistapontocom – De onde surgiu este conceito?
Nilda Alves – Como disse anteriormente, não creio que ‘midiaeducação’ seja um conceito. Diria, sim, que passou a ser para muitos de nós “personagem-conceito” como indicou Deleuze: algo necessário ao pensar filosófico sobre alguma questão de nosso ‘espaço tempo’. Lefebvre nos indicou as múltiplas determinações para ‘ideia’ e uma delas, que aqui podemos reter, é a que significa “termo de conhecimento, recapitulando todo o movimento do conhecimento e, portanto, retornando ao imediato. A ‘ideia’ é unidade da ‘mediação’ (da abstração, do pensamento) e do ‘imediatamente’ dado (da natureza)”. Gosto muito, também, do termo ‘noção’, para compreendermos e usarmos em tempos de dúvida (crise?). Ainda Lefebvre nos indica que o recurso à noção aparece quando, em ciência, não temos um conceito fechado sobre uma questão. Desta maneira, o recurso à noção vai aparecer quando um determinado pensamento ainda está em curso. Para mim, me parece muito útil, nestes momentos de tantas dúvidas epistemológicas, teóricas e práticas. Nestes momentos – escrevo poucos dias após ao tremor de terra terrível que abalou a vida dos japoneses e de tanta gente em volta deles – em que até as ciências ditas “exatas” começam a perceber que é preciso abandonar suas bases de certezas – muitas vezes absolutas – para começar a trabalhar com as dúvidas e incertezas ao lidarmos com a natureza e os seres humanos. Nesse momento, talvez “ideia” e “noção” ajudem mais ao que precisamos saber e discutir, nas nossas limitações de cientistas e humanos.
revistapontocom – Qual é o objetivo da midiaeducacao?
Nilda Alves – Assim sendo, existiria um ‘objetivo’ para isso? Os processos que juntaram mídias e redes educativas é uma grande criação humana, desde sempre. Há o clássico exemplo das pinturas rupestres feitas em cavernas pelos seres humanos, em nossos períodos históricos iniciais ou o exemplo pedagógico dos processos curriculares, nos quais o diversificado material didático usado nas escolas desde as sugestões de Comenius, por exemplo – e que tantas lembranças nos trazem quando nos deparamos com qualquer um deles, seja guardado cuidadosamente por uma professora aposentada ou reunidos em um museu (como o Musée national de l’Éducation, em Rouen/França). A condição humana de produzir artefatos é ilimitada e esses surgem junto a ‘usos’ que vão se modificando e impondo mudanças aos artefatos. Gosto muito de lembrar aqui a necessidade de criação do ‘descanso de tela’ quando os PCs foram criados, dentro dos modos de usar cotidianos, as pausas e a ausência dos usuários que iam atender outras demandas, diferentemente dos grandes computadores que tinham sempre “alguém” olhando para eles. Os objetivos de qualquer artefato e de seus múltiplos ‘usos’ são sempre ilimitados já que os seres humanos têm possibilidades diferenciadas: surgindo para acumulação de dados ou para a comunicação – mais rápida e eficaz – vão servindo a múltiplos campos: nas artes; na pedagogia; nas ciências; nos movimentos sociais etc.
revistapontocom – Midiaeducação é a forma mais correta de nomear este conceito? Haveria algum nome mais oportuno?
Nilda Alves – Se nomeamos assim esta relação – ideia ou noção – para explicar um determinado processo humano, creio que deve estar bem nomeada. Se outra relação surgir, os seres humanos em seu conjunto se encarregarão de nomeá-la criativamente.
revistapontocom – Qual é o papel da educação e de seus profissionais nesta relação midiaeducação?
Nilda Alves – Prefiro estudar e me referir aos ‘usos’ que ‘docentes discentes’ fazem dos artefatos culturais que surgem na sociedade nos processos curriculares que desenvolvem. Nas pesquisas que nosso grupo desenvolve esses ‘usos’ são muito variados. Uma observação importante aos leitores: interessa-nos pouco aquilo que os professores não fazem, não querem, não sabem…Queremos sempre saber o que fazem, o que querem, o que sabem…E encontramos coisas muito interessantes quando as procuramos: o interesse, por exemplo, de estudantes de licenciatura pelas disciplinas ‘on line’– dentro dos 20% legais – que desenvolvemos nos cursos presenciais. Ou dentro de projetos, financiados por editais da Faperj, que desenvolvemos em escolas públicas, no ‘uso’ de mídias diversas – jornais na Internet (www.lab-eduimagem.pro.br/jornal e www.lab.eduimagem.pro.br/REDES) ou na produção de vídeos nos quais ‘docentes discentes’ se envolvem e criam artefatos muito, muito interessantes, sejam artigos, sejam vídeos. Criar ‘espaço tempo’ para esta circulação de ideias e artefatos é nuclear para as pesquisas em educação que se preocupam com os cotidianos escolares.
revistapontocom – Qual é o papel da mídia e de seus profissionais nesta relação midiaeducação?
Nilda Alves – Antes de mais nada, quero lembrar que depois da criação dos PCs tanto a indústria desses artefatos como as redes sociais para o ‘softwear livre’ sentiram necessidade de compreender o ‘usuário’ não só como consumidor, mas como criador. As experiências recentes de mudanças políticas no Oriente Médio mostram que os seres humanos criam mesmo. O modo como os ‘softwear livres’ se desenvolveram mostram essa criação. Creio, assim, que nossos tantos profissionais terão muito a receber se decidirem se colocar em redes de trocas de conhecimentos e significações, nas quais ‘aprendemos ensinamos’ uns aos outros de modo consistente e permanente. As contribuições particulares dos profissionais das mídias – elas são tantas que os obriga também a trocar entre eles, não é mesmo? – à educação precisam ser compreendidas nas redes em que os profissionais da educação têm muito a dizer sobre processos educativos múltiplos a outros profissionais. Somente assim, “la nave va” como deverá ir. Na troca mútua, encontraremos também os caminhos melhores para as trocas. A circulação científica exige isto.
Midiaeducação mostra a necessidade dos professores terem uma formação crítica para as mídias na contemporaneidade
Muito lúcida a entrevista da profa Nilda Alves. Concordo com ela no sentido de que midiaeducação não é um conceito, mas, no meu entender, uma forma de chamar a atenção para os professores e a escola observarem essa cultura midiática na qual os jovens estão imersos e que tem causado impacto nas suas subjetividades. Há uma necessidade cada vez maior de um diálogo entre a educação e os teóricos críticos da comunicação social/ profissionais da mídia, na minha opinião. Como diz com muita propriedade a entrevistada: [ ] Além disso, esses contatos possíveis e necessários fizeram com que os limites entre o ‘dentrofora’ das escolas – ou de outra rede educativa que consideremos – fossem caindo um a um. As contribuições particulares dos profissionais das mídias – elas são tantas que os obriga também a trocar entre eles, não é mesmo? [ ] Nada mais verdadeiro…
Muito boa a entrevista. Destaco o trecho “aprendemos ensinamos’ uns aos outros de modo consistente e permanente.”