Por Marcus Tavares
A aula começa e, em poucos segundos, o professor percebe que os estudantes estão como um olho no quadro/livro/explicação e o outro no celular. Proibidos em muitos sistemas de ensino público e privado, os aparelhos, conectados à internet, estão presentes do Ensino Fundamental ao Superior. E você sabe: esta realidade não é, de forma alguma, privilégio de poucos. O que fazer?
Para a professora de arte, Vanessa Carvalho, proibir parece ser o caminho mais fácil do que pensar em novas estratégias de trabalho. Lecionando na Escola Municipal Getulândia, no município de Rio Claro, no Estado do Rio, Vanessa surpreendeu os estudantes do nono ano. Durante suas aulas, o celular não só devia estar ligado como também era objeto fundamental e indispensável para a realização de um trabalho de arte contemporânea.
Em entrevista à revistapontocom, ela explica todo o processo e destaca que o projeto desenvolvido desmistifica a ideia de que o celular na escola é um objeto desprezível, que atrapalha as aulas e distrai os alunos. Segundo a professora, que também leciona na rede municipal de Barra Mansa, as múltiplas funções do mobile é capaz de promover uma relação dialógica e dialética entre professor e aluno.
Acompanhe:
revistapontocom – Como a maioria dos professores, você reclama do uso intensivo dos celulares por parte dos alunos?
Vanessa Carvalho – Realmente nossos alunos têm utilizado muito o celular em sala, o que de fato atrapalha a dinâmica das aulas e o rendimento do aluno. Porém, isso acontece porque o aluno tem uma ferramenta extremamente atrativa, cheia de recursos e que não é utilizada de maneira produtiva em sala.
revistapontocom – Então esse uso intensivo de alguma forma incomodava você?
Vanessa Carvalho – O que me incomodou e ainda incomoda é a maneira como a escola lida com essa situação. Tenho percebido que a postura de proibir é bem mais confortável do que pensar em novas estratégias para agregar esse interesse do estudante à novas práticas pedagógicas.
revistapontocom – Foi por causa disso que você pensou em usar a tecnologia móvel nas aulas?
Vanessa Carvalho – Sim. Não podemos simplesmente proibir um aparelho que já faz parte da vida da grande maioria das pessoas e que é visto com bons olhos pelos estudantes. Com a postura de proibir o uso deste aparelho na escola, estamos perdendo a oportunidade de utilizar uma poderosa mídia, de fácil acesso e que pode ser utilizada como ferramenta facilitadora do processo ensino-aprendizagem, já que seu uso é capaz de motivar o interesse do estudante para novas experimentações em favor de sua cognição ampliada, num contexto em que se sente inserido e confortável, pois tem total empatia com o objeto.
revistapontocom – Qual foi o projeto que você desenvolveu?
Vanessa Carvalho – Sou professora de Arte e desenvolvi o projeto Arte contemporânea com celular – inspirações Vik Muniz. O projeto foi desenvolvido com os alunos do nono ano, em apenas uma das escolas que leciono, a Escola Municipal Getulândia, localizada no município de Rio Claro, no Estado do Rio de Janeiro. A direção da escola acolheu muito bem o projeto, deu todo o suporte. Os alunos ficaram super empolgados, encontraram no projeto uma oportunidade de usar o aparelho celular, só que de uma maneira diferente da que estavam acostumados a utilizar. Não preciso nem dizer que todos sabiam utilizar todas as funções do aparelho e que até me ensinavam em alguns momentos. Também não tive problemas com os meus colegas, pois assim que lancei a ideia do projeto deixei bem claro à turma que só poderiam utilizar o celular nas minhas aulas. O maior desafio foi desenvolver estratégias de trabalho com os alunos que não tinham um celular com as funções que eu utilizaria e até mesmo aqueles que não possuíam o aparelho ou não podiam levar para escola. Mas resolvi essa situação com trabalho em grupo. O objetivo era então exercitar a criatividade e senso crítico do aluno, por meio da produção de trabalhos artísticos utilizando o celular como instrumento didático.
O projeto passo a passo
1. Sensibilização: foram selecionados vídeos da Internet que falem sobre Vik Muniz, as suas obras e seu processo de criação; a ligação entre suas obras e o conceito de arte contemporânea. Todos estes vídeos foram convertidos para o formato 3GP (vídeo para celular) e distribuídos aos alunos através de Bluetooth.
2. Todos assistiram aos vídeos e participaram de um seminário onde expuseram suas opiniões, sensações e indagações sobre o tema “Arte contemporânea – relação entre o uso de materiais e indagações do mundo existente nas obras de Vik Muniz”.
3. Foi feita a leitura da obra Mapa Mundi de Vik Muniz. Esta é um tríptico formando um mapa mundi construído com descarte eletrônico mostrando que aquilo que nos conecta também entope o planeta de lixo.
4. Em seguida a turma foi separada em duplas e estas tiveram que elaborar um projeto de releitura para a obra selecionada, levando em conta quais os outros tipos de materiais utilizados por nós que também entopem o planeta. O projeto contou de: nome da dupla, tipo de material selecionado para trabalhar, justificativa da seleção do material, dimensão da obra, quantidade estimada do material que foi utilizado e tipo de suporte que utilizaram.
5. Os alunos levaram para a sala os materiais indicados no projeto para a releitura e fazer a montagem da obra.
6. Após a conclusão do processo de montagem das obras os alunos fotografaram os trabalhos com o celular (Obs: Vik Muniz trabalha com a fotografia para expor seus trabalhos).
7. A culminância do projeto aconteceu com a exposição dos trabalhos na Inovatec (feira de ciência e tecnologia do município de Rio Claro, cujo tema deste ano é “Desenvolvimento Sustentável”). Foi elaborado um vídeo com as fotos das releituras das obras produzidas em sala pelos alunos e este foi projetado durante toda a exposição para os visitantes da feira.
revistapontocom – O que mudou no dia a dia das aulas de arte?
Vanessa Carvalho – A maior mudança ocorreu no acesso às imagens das obras de arte. Antes tinha que imprimir, comprar imagens ampliadas para fazer uma leitura em sala. Com o celular faço uma pesquisa de imagens, salvo no meu celular e compartilho com os alunos. Ou os próprios alunos fazem a pesquisa em seus celulares. Assim o repertório imagético do aluno se torna muito maior e mais acessível. Fato que foi relatado no depoimento de um aluno. “Temos a possibilidade de ter as obras no celular, já que não temos livros com as imagens.” (Alexandre).
revistapontocom – Toda essa mudança pode então ser atribuída ao celular? Isso então reforça a ideia de que a inovação passa necessariamente pela tecnologia na sala de aula?
Vanessa Carvalho – De fato o uso do celular facilitou muito minha pratica pedagógica e o processo ensino aprendizagem dos alunos. Mas não podemos nos fechar em uma única ideia para a educação. A tecnologia nem é a solução para os problemas educacionais, assim como o celular também não é o vilão da história.
revistapontocom – Você acha que este projeto pode ser replicado em qualquer outra realidade escolar?
Vanessa Carvalho – Atualmente utilizo o celular em todas as escolas em que leciono. Cada escola tem suas particularidades, mas não tenho encontrado entraves para a utilização do aparelho em sala. Acredito primeiramente que se deve fazer um trabalho de conscientização do aluno e da família sobre em que momento será permitido o uso do aparelho e como será utilizado, para que não haja nenhum problema com o uso em momentos e maneiras indevidas por parte do aluno.
Quer saber mais sobre o projeto? leia o artigo da professora, apresentado no I Colóquio Internacional de Educação com Tecnologias. Acesse aqui o documento.
revistapontocom – Fico pensando se o uso não se torna mais fácil por causa do conteúdo de arte. Não que seja um conteúdo menor, mas é mais abrangente, que faz uso de maior criatividade e liberdade.
Vanessa Carvalho – Você tem toda razão. A disciplina de Arte permite maiores possibilidades, até mesmo porque, a própria Arte faz uso da tecnologia, como é o caso da fotografia, cinema e outros. Mas posso garantir que é possível utilizar a tecnologia em outras áreas, porém é necessário que o professor tenha o domínio da tecnologia para poder utilizá-la em seu favor e em favor da aprendizagem. É necessário que o educador dirija um novo olhar para os recursos tecnológicos que vão surgindo, a fim de inseri-los a sua prática pedagógica, tornando-o ferramenta de apoio ao educador e ao aluno.
revistapontocom – E hoje como são suas aulas depois da aplicação deste projeto? O que você aprendeu?
Vanessa Carvalho – Com a realização deste projeto percebo que foi possível desmistificar a ideia de que o celular na escola é um objeto desprezível, que atrapalha as aulas e distrai os alunos. Mostrando que as suas múltiplas funções são capazes de promover uma relação dialógica e dialética entre professor e aluno. O celular é uma ferramenta didática capaz de auxiliar no processo ensino aprendizagem com eficácia.
Achei muito interessante o projeto e sua execução, mas tenho receio de que o alunos que não possuem celular se sintam excluídos da atividade, pois apesar da facilidade de acesso ao celular, muitos alunos ainda não o possuem. Como fazer a inclusão desta mídia com alunos que não tem acesso ao aparelho?
ótima iniciativa.
bMuito importante esses comentários sobre o uso do celular na de aula, já comentei com alguns companheiros essa intenção de usar o celular na sala em projetos, a repercução não foi boa por parte dos amigos. Não me deixei levar, aguardo o momento certo. O professor precisa se enquadra na realidade das novas tecnologias, não se pode se esconder de um fato consumado, as tecnologias fazem parte da educação, precisamos nos especializar, nos qualificar, aprender a ter o domínio, caso contrário o celular vai ser sempre um terror na sala de aula. Parabéns Talíta pelo artigo e parabéns para a professora Vanessa Carvalho, pela iniciativa e coragem de começar.
Bom dia, acredito que esse tipo de iniciativa leve mais e mais a aumentar possibilidade de utilizaçao de celular de forma útil e produtiva.
O envolvimento em algo concreto e criativo faz com as pessoas se entreguem as tarefas e lutem para realiza-las da melhor maneira possível.
Os alunos precisam sempre de um norte, e é o que efetivamente faz um professor motivado.